No dia em que o Brasil estrear na Copa do Mundo da Rússia, dia 17 de junho, a família e os amigos estarão reunidos para assistir à partida contra a Suíça. Em frente à tela, a torcida se dividirá entre “amarelinhos” e “vermelhinhos”: ao contrário do que se possa deduzir à primeira vista, aqueles vestidos de vermelho não estarão torcendo pela Suíça - estarão torcendo, assim como os demais, para a Seleção Brasileira. Uma cena que, se acontecer, demonstrará como a polarização política tomou conta do Brasil e, ao que tudo indica, não será deixada de lado durante a competição mundial, que tem por tradição unir os brasileiros.
As cores símbolo da nação ganharam novo significado depois que movimentos populares foram às ruas com camisetas verde-amarelas para protestar pelo impeachment de Dilma Rousseff em 2016 - e essa percepção só se intensificou à medida que a esses movimentos passaram a se apropriar das cores em protestos a favor da Lava Jato e, mais recentemente, da prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Agora, para muita gente, elas representam o antipetismo, o antilulismo. A rejeição chegou ao ponto de um grupo queimar a bandeira nacional durante um protesto na UnB (Universidade de Brasília), na terça-feira (10), quando estudantes reivindicavam verbas para a universidade e para a educação pública.
Nesse contexto, surgiu a ideia da criação de uma camiseta vermelha, cor que remete ao PT e primariamente ao comunismo, para que os militantes de esquerda pudessem torcer pelo Brasil na Copa sem serem confundidos com os que enxergam como de direita. Tal ideia ganhou repercussão na semana passada quando a designer mineira Luísa dos Anjos Cardoso postou uma foto em suas redes sociais de como seria a camisa destinada à torcida comunista: totalmente vermelha, com o tradicional escudo da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), a sigla CBD (Confederação Brasileira de Desporto, antiga denominação da CBF) e, em vez da logomarca da Nike da versão oficial, o símbolo comunista da foice e do martelo.
Segundo Cardoso, a repercussão da publicação foi muito além do que ela esperava e, eventualmente, a história acabou chegando à CBF. Por questões legais, a CBF enviou uma notificação extrajudicial à designer, informando que ela não poderia comercializar a camiseta da maneira como havia sido criada porque estaria violando os direitos de marca da CBF, mesmo se fizesse uso da sigla CBD, que também está registrada pela confederação. “Eu sabia disso”, admitiu ela em vídeo publicado em seu canal no Youtube, embora também tenha afirmado que chegou a comprar um domínio na internet para montar uma loja virtual a pedido dos internautas que estavam entrando em contato com a intenção de comprar o produto.
“Eles também pediram que eu escrevesse uma carta me comprometendo a não usar a marca deles. Portanto foi uma questão de marca e não de política, e eu já sabia disso. Eles foram muito tranquilos e entramos num acordo amigável, de forma pacífica. O assunto foi resolvido e encerrado”. A confederação confirmou que conversou com Cardoso e informou que não foi necessário acionar a Justiça neste caso.
A CBF pode até ter proibido a venda da camiseta vermelha, mas isso não significa que a designer desistiu da ideia de criar uma camiseta da Seleção na cor vermelha. Cardoso escreveu em suas redes sociais que está criando um modelo que utilize uma marca diferente da usada pela CBF para que ela possa, então, comercializá-las.
A verdade é que, mesmo que Cardoso não se interessasse em continuar com a proposta, outros o fariam - ou farão. Resta esperar a Copa para descobrir qual camiseta os militantes de esquerda vão escolher: eles vestirão as cores da nação ou a cor de um partido?
História
A Copa do Mundo do México, em 1970, também dividiu movimentos políticos no Brasil. Era o auge da repressão da ditadura militar e, como era de se esperar, futebol virou assunto político naquele ano. O regime se aproveitou da boa campanha da Seleção para alavancar o discurso do “milagre econômico” e para tentar jogar para debaixo do tapete as denúncias de assassinato, tortura e corrupção que pesavam contra seus membros e aliados, fazendo uso em larga escala de campanhas ufanistas.
Por outro lado, movimentos comunistas que atuavam no país resolveram boicotar o evento. Como lembrou o jornalista Juca Kfouri em entrevista ao Uol Esporte, “para muitas cabeças de esquerda, apoiar o ‘escrete canarinho’ significava endossar a ditadura”. Em várias entrevistas e em seu livro autobiográfico, Kfouri contou sobre sua experiência na academia, quando estudou ciências sociais na USP, em que o pensamento vigente da esquerda era o de que o futebol era alienante.
“Uma noite, nos barracões que abrigavam o curso, na Cidade Universitária, o professor de sociologia 1, o grande Gabriel Cohn, marcou prova no horário em que jogariam Brasil e Romênia, em Guadalajara. Levantei a mão e lembrei que era dia de jogo de Copa do Mundo. A classe vaiou [...]. Porque, diziam os colegas, que passaram a me tratar como um reles alienado, ‘cada gol do Brasil atrasava em dez anos a revolução brasileira’”, escreveu o jornalista em texto publicado pela Piauí.