O termo “desprender” indica algo pequeno, mas na verdade não há nada pequeno no iceberg que acabou de se desprender da plataforma de gelo Larsen C na Antártica.
Com aproximadamente o mesmo tamanho que o estado americano de Delaware (para os brasileiros, a melhor comparação é o Distrito Federal), o novo iceberg tem mais de um trilhão de toneladas. É o maior registrado até agora.
Cientistas têm acompanhado o crescimento da fenda da Larsen há anos, mas mesmo assim é difícil apontar o exato momento em que o gelo se desprendeu — o que se sabe é que aconteceu entre 10 e 12 de julho.
Uma ruptura desse tamanho é um evento importante, e esse em particular altera a paisagem da Península Antártica drasticamente. A plataforma de gelo Larsen C nunca foi tão pequena desde sua descoberta em 1893.
De um lado, esse foi um evento natural, parte de um crescimento e uma redução constantes dos mantos, que são massas imensas de gelo flutuante que se estendem a partir da terra. Elas crescem com o acúmulo de neve e diminuem com o desprendimento e descongelamento de sua superfície superior e inferior.
A plataforma de gelo Larsen C deve voltar a crescer naturalmente, mas pesquisadores da Universidade de Swansea, que acompanham a região, dizem que a plataforma deve ficar instável com o desprendimento e que ela deve seguir os mesmos passos da sua irmã, a plataforma Larsen B, que sofreu um grande desprendimento em 1995 e se desintegrou em 2002.
“Nos próximos meses e anos, a plataforma pode voltar a crescer gradualmente ou sofrer ainda mais reduções, o que a levariam a um colapso. As opiniões da comunidade científica estão divididas”, disse Adrian Luckman, da Swansea, em uma postagem de blog na quarta-feira.
“Nossos modelos dizem que ela será menos estável, mas um colapso ainda está muito distante”.
Esse é um assunto de debate entre cientistas. Ao contrário de outras grandes fendas em plataformas de gelo - incluindo o desprendimento e a eventual desintegração de Larson B - não se sabe se há uma grande influência da mudança climática causada por humanos nesse acontecimento.
A plataforma estava diminuindo por várias décadas, em parte por conta do ar quente, que faz com que a camada mais superficial de neve derreta, escorra pela camada mais grossa de neve e recongele.
“Não parece que o aquecimento da superfície tenha causado o rompimento”, diz Ted Scambos, cientista responsável pelo Centro Nacional de Informação do Gelo e da Neve (NSIDC, na sigla em inglês).
Segundo ele, existia também uma redução na parte inferior da plataforma - ainda que esteja em um sistema de águas frias onde as temperaturas raramente mudam - o que pode ter sido uma diferença mais crítica.
“Uma pequena mudança na espessura da plataforma já é suficiente para deixá-la mais fraca e permitir com que ela quebrasse em um lugar novo”, disse Dr. Scambos. “Isso seria um efeito da mudança do clima, mas ainda não muito significativo, de uma maneira que não vimos na Larsen A ou B”.
A resposta simples para a questão é não. A plataforma de gelo já estava flutuando, então o desprendimento não afeta o nível do mar, na mesma forma que um cubo de gelo em um copo não muda o nível da água quando derrete.
Os grandes fatores no aumento do nível do mar são os mantos de gelo (que ficam no solo) da Antártica e da Groenlândia, que representam 99% do estoque de água congelada do mundo. Se esses dois mantos derretessem completamente (não que alguém esteja prevendo a possibilidade disso), o nível do mar cresceria cerca de 66 metros.
Indiretamente, a desintegração das plataformas de gelo pode contribuir para o aumento do nível do mar na medida em que proporcionam um amortecedor entre as placas de gelo e o oceano. Quando desaparecem, o fluxo glacial para o oceano pode aumentar.
Em outras áreas da Antártica, como a baía de Pine Island e a costa do Pacífico Sul - onde não existem grandes plataformas de gelo - essas mudanças são mais preocupantes e mais rápidas do que na plataforma de gelo de Larsen.
"O Larsen C é um exemplo de que mesmo em sistemas de água fria ... você pode eventualmente impactar a estabilidade de uma plataforma de gelo que parecia ser boa para os próximos 30 ou 40 anos", diz Scambos. "Os eventos em Larsen C podem nos dizer mais sobre como plataformas de gelo em outros lugares - como Ross e Ronne - evoluirão no futuro".
Para uma pessoa comum que assiste relatos de diminuição do gelo marinho do Ártico, desprendimento de geleiras ou o derretimento de folhas de gelo, pode ser difícil analisar os acontecimentos.
O gelo do mar, por exemplo — os icebergs flutuantes relativamente efêmeros tanto na Antártica quanto no Ártico que se formam quando a água do oceano se congela — é muito mais significativo no Ártico, que não possui um continente no pólo como a Antártica. Essa é uma das razões pelas quais a redução da capa de gelo do mar que nos últimos anos tem chamado tanta atenção.
Na Antártica, o gelo do mar tem aumentado, mas muita da atenção das pesquisas se dirigem para as plataformas de gelo, como a Larsen C, que flutuam no mar mas são uma extensão da terra congelada, e a grande plataforma de gelo antártica.
Os efeitos das mudanças climáticas na região são menos claros do que os efeitos no Ártico, mas um monitoramento por satélite está ajudando cientistas a ter um método melhor para observar as mudanças que estão acontecendo.
Com a fenda da Larsen C, cientistas vão monitorar atentamente o caminho, as mudanças de velocidade e a ocorrência de novas rachaduras, que são os indicadores de instabilidade, do novo iceberg. “Se é realmente o início de um retiro até que vejamos partes da plataforma de gelo Larsen C, talvez possamos apontar para este evento e dizer que começou então. Agora, é mais provável que a plataforma de gelo simplesmente se recupere novamente por pelo menos alguns anos, de volta à direção onde o gelo estava".