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O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso durante um encontro recente com Persio Arida, Pedro Malan e Gustavo Franco, economistas que participaram do Plano Real.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso durante um encontro recente com Persio Arida, Pedro Malan e Gustavo Franco, economistas que participaram do Plano Real.| Foto: Divulgação/Fundação FHC/ Vinicius Doti

Para marcar o aniversário de 30 anos do Plano Real, a ser comemorado na segunda-feira (1º), a editora Intrínseca lança o livro ‘30 anos do Real: Crônicas no Calor do Momento’.

Trata-se de uma coletânea de textos produzidos para a imprensa, ao longo das últimas três décadas, por alguns dos economistas que participaram da implantação da moeda: Gustavo Franco, Pedro Malan e Edmar Bacha.

O artigo a seguir, assinado por Franco, foi publicado originalmente na revista Veja em 2002, meses antes da eleição que levaria Luiz Inácio Lula da Silva à presidência pela primeira vez.

Segunda-feira, dia 1º de julho de 2002, faz oito anos das primeiras emissões do Real, a moeda brasileira criada em 28 de fevereiro de 1994 com o nome de URV – Unidade Real de Valor.

Nada mau para a moeda que o presidente do PT e seu séquito de barbudinhos zangados de linguagem parnasiana até recentemente insistiam ser um embuste com objetivos eleitorais. Nada mau para uma moeda à qual o porta-bandeira honorário do Parque Jurássico, o deputado Delfim Netto, deu quatro meses de vida e até hoje diz que fracassou...

Rigorosamente falando, o Plano Real estava concluído no final de 1996, quando a inflação brasileira, na margem, atingiu “níveis internacionais”. Em cerca de dois anos, portanto, a inflação foi reduzida de 50% mensais para praticamente zero, e sem congelamento ou controle de preços, sem prefixações, truques, mágicas, confiscos e interferências em contratos e, principalmente, sem recessão.

Pelo menos dois elementos foram cruciais para esse extraordinário resultado. De um lado, a consciência de que reformas deviam ser feitas, ao longo de vários anos, a fim de que fossem construídos os chamados “fundamentos macroeconômicos” para que a estabilização se tornasse uma conquista permanente.

Como o “mercado” e também o eleitorado acreditaram que as reformas andariam, e se encantaram com o projeto, os efeitos delas foram “antecipados”, numa espécie de círculo virtuoso.

De outro lado, os mercados internacionais de capitais se encontravam em um estado de grande abundância, o que nos permitiu conduzir uma política cambial sem a qual a estabilização não teria sido alcançada com tanta facilidade.

Pouca gente se lembra de que o Real começou sua existência num regime de flutuação cambial exatamente como o de hoje. Em tempos de abundância, todavia, a flutuação não deu muito certo e nos levou às bandas cambiais, que nos serviram muito bem até a violenta mudança meteorológica ocorrida em meados de 1998.

Em fins de 1997, a crise da Ásia começava a indicar uma mudança para pior na conjuntura internacional, que, todavia, apenas se tornaria clara e dramática com a crise da Rússia, em meados de 1998.

Essas difíceis e inesperadas circunstâncias demandaram uma elevação do ritmo, da urgência, das reformas e de seus resultados no plano fiscal, além de uma mudança no regime cambial

O acordo com o FMI nos deu o apoio necessário para essas mudanças, mas, a despeito dos melhores resultados na área fiscal nos anos subsequentes, o ímpeto reformador restou consideravelmente diminuído.

O governo perdeu um tanto de sua convicção e, dividido, jogou na defesa durante todo o segundo mandato. Mas o grande teste vem agora, quando a eleição presidencial nos apresenta quatro candidatos, todos cheios de restrições à política econômica.

É, portanto, genuína a perspectiva de mudança e o mercado tem uma legítima dúvida sobre a direção. É verdade que já de algum tempo a oposição começa a dar sinais de que quer se desligar da postura peçonhenta que sempre adotou com relação ao Real.

Mais recentemente, e em resposta ao justificado nervosismo do mercado financeiro, já é bastante evidente a transmutação dos barbudinhos em bons rapazes que visitam empresas e bancos com conversas amenas e ponderadas, falando na estabilidade como valor indiscutível e outras coisas que apenas fazem lembrar um bordão frequentemente atirado contra FHC: esqueçam o que eu escrevi!

Não se trata aqui de justificar os exageros do mercado nos últimos tempos, mas seria tolo ignorar que o nervosismo é generalizado e autêntico e acabou tendo efeitos benéficos, pois serviu para antecipar um choque de realidade positivo que fatalmente ocorreria quando os economistas do PT fossem instados a migrar do caminhão de som para a mesa de operações do Banco Central.

Gostando ou não de mercados financeiros e de sua complexa psicologia, o novo presidente vai ter de se acostumar a lidar com eles, pois eles continuarão a ser o cenário básico no âmbito do qual a política econômica é digerida. É bom que os candidatos já comecem a praticar.

Conteúdo editado por:Omar Godoy
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