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Tratado Molotov-Ribbentrop

Quando comunistas e nazistas se aliaram para dividir a Europa

Charge publicada no jornal inglês Evening Standard em setembro de 1939 satiriza o Pacto Nazi-Soviético
Charge publicada no jornal inglês Evening Standard em setembro de 1939 satiriza o Pacto Nazi-Soviético (Foto: Reprodução)

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Era perto de meia noite de 23 de agosto de 1939 quando começou a circular chá preto, caviar, sanduíches e vodcas no Kremlin, em Moscou. Copos ficaram cheios, cigarros foram acessos e uma sequência de brindes teve início. Josef Stalin foi o primeiro. “Sei o quanto a nação alemã ama o seu Führer. Gostaria, portanto, de beber à sua saúde”.

Datilografado o acordo, que entraria para a posteridade com Tratado de Não Agressão, ou Tratado Molotov-Ribbentrop, ou Pacto Nazi-Soviético, Heinrich Hoffmann, fotógrafo pessoal de Hitler, foi chamado para registrar o momento a assinatura. Foi acolhido com um aperto de mão efusivo do ditador da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), que fez questão de participar das sessões de fotos, cumprimentando o ministro do Exterior da Alemanha nazista, Joachim von Ribbentrop.

Stalin também se fez ficar estrategicamente posicionado atrás de seu próprio ministro, Viatcheslav Molotov — um gesto claro de que era ele quem conduzia a formalização do documento. O ditador soviético proibiu fotos que mostrassem bebidas alcóolicas. Em Berlim, dias depois, ao selecionar pessoalmente as imagens que seriam replicadas na imprensa alemã, Hitler, por sua vez, mandaria apagar das imagens os cigarros presos aos dedos do colega soviético.

Molotov assina o Tratado. Ao fundo, Stalin observa

A partir deste momento, e ao longo de aproximadamente um terço da Segunda Guerra Mundial, Hitler e Stalin foram aliados. Ocuparam e fatiaram primeiro a Polônia, onde redistribuíram a população, enviando os judeus para guetos e as etnias que desagradavam os soviéticos para a Sibéria. Depois compartilharam territórios do Leste Europeu e na Península Escandinava. Hitler chegou a convocar alemães que viviam em terras destinadas à URSS a voltar para casa, a fim de facilitar o trabalho dos novos parceiros.

Mais do que isso: graças a acordos econômicos paralelos, a Rússia se comprometeu a enviar alimentos e combustível para a Alemanha, que por sua vez disponibilizou seu parque industrial e parte do militar. Missões russas puderam visitar áreas onde eram construídos caças e tanques. Em maio de 1940, os soviéticos receberam em Petrogrado um cruzador alemão chamado Lützow — estava incompleto, assim como nem sempre Stalin cumpria as promessas de entregar suprimentos, mas o fato é que dois dos maiores ditadores da história recente do planeta mantiveram seus países em interação especialmente amigável, num momento em que a França era ocupada e a Inglaterra se via a perigo.

O tratado tinha validade de dez anos — deveria durar até 1949, portanto. E tinha um adendo secreto, que só seria divulgado décadas depois e que listava detalhadamente as áreas de influência dos dois países. Na prática, o acordo foi encerrado em 22 de junho de 1941, quando teve início a Operação Barbarossa, que marcou a invasão nazista da União Soviética. A Segunda Guerra entraria em um novo estágio. Ao fim do conflito, Stalin preservaria boa parte dos territórios conquistados com apoio direto de Hitler.

Caminho aberto

Em agosto de 1939, a notícia da assinatura do tratado nazi-soviético pegou os serviços de espionagem da Europa Ocidental de surpresa e deixou a diplomacia em choque. Foi tudo muito rápido e, à primeira vista, surpreendente. Ribbentrop chegara a Moscou apenas um dia antes da formalização do acordo. Ficou claro que a nova guerra estava a um passo de acontecer. “Os museus de Londres começaram a transferir seus tesouros para o interior; hospitais se livraram de todos os casos que não fossem essenciais, e as estações ferroviárias instalaram lâmpadas azuis atendendo às regras dos esperados blecautes”, relata o historiador Roger Moorhouse em “O pacto do diabo”, livro dedicado a destrinchar o acordo e suas consequências.

“Em toda parte, encheram-se e empilharam-se sacos de areia, e lacraram-se janelas com fitas adesivas. Enquanto [o primeiro-ministro britânico Neville] Chamberlain providenciava a mudança para a Sala de Guerra Central, recém-construída no subsolo de Whitehall, ordens foram preparadas para a evacuação de crianças para outras cidades, a partir da manhã de 1º de setembro”.

E foi precisamente na manhã do primeiro dia do mês de setembro que o cruzador alemão Schleswig-Holstein abriu fogo contra a guarnição polonesa em Westerplatte. Tinha início assim, apenas oito dias depois da assinatura do tratado no Kremlin, o conflito que mataria 50 milhões de seres humanos em batalha — mais estimados 55 milhões de civis vitimados por armas e 28 milhões por fome e doenças, além das seis milhões de vítimas dos campos de concentração nazistas.

Até 1941, Hitler agiu seguro de que não seria incomodado no front Oriental. E Stalin havia conseguido do Führer a garantia de que poderia continuar expandindo o controle soviético sobre a Europa. Os dois haviam aprendido a extrair o melhor da parceria entre nazistas e comunistas, ainda que, por mais de uma década, mantivessem uma postura crítica a respeito um do outro.

“Como político de oposição no fim dos anos 1920, Hitler tinha angariado capital político pintando o comunismo e a União Soviética como forças malévolas, alienígenas, que ameaçavam o povo alemão e seu modo de vida. Protestava veemente e persistentemente contra Moscou, referindo-se com frequência aos ‘tiranos judeus’ e ‘sanguessugas’ do Kremlin e rotulando o bolchevismo de ‘crime infame contra a humanidade’ e ‘aborto infernal’”, lembra Moorhouse.

Pacto do diabo

A retórica agressiva era replicada em Moscou. Ainda que, na prática, ao longo da década de 1930, fatores econômicos levassem Hitler e Stalin a reduzir a virulência retórica entre os dois países. Neste meio tempo, alemães e russos passaram anos buscando atrair para si uma proximidade diplomática com o Reino Unido. Ribbentrop, que chegou aos altos escalões do nazismo graças a sua capacidade de adular Hitler, havia sido embaixador alemão em Londres, onde buscara, de forma atabalhoada, uma aproximação estratégica com os ingleses.

Já Stalin havia recebido uma comitiva de diplomatas franceses e ingleses poucos antes de receber o ministro alemão — mas as conversas não avançaram porque o ditador soviético queria garantias de que poderia atravessar a Polônia com o Exército Vermelho.

No momento em que decidiram abandonar qualquer tentativa de neutralizar a Inglaterra do envolvimento no conflito que se aproximava na Europa continental, ambos os ditadores aceleraram a aproximação. Molotov, um revolucionário comunista de longos serviços prestados a Stalin, sequer conhecia outro idioma que não o russo, nem tinha experiência internacional. Mas foi apontado ministro em 1939, no lugar de Maxim Litvinov, que havia conduzido o posto desde 1930 — mas tinha origem judaica e por isso foi dispensado, de forma a não desagradar os novos aliados. A escola de Ribbentrop e Molotov deixava claro que, na prática, quem conduzia as relações internacionais das ditaduras eram Hitler e Stalin diretamente.

Além das cerimônias conjuntas e recepções diplomáticas marcadas por elogios mútuos, a parceria foi marcada por ajustes na comunicação de soviéticos e nazistas, que deixaram de focar nas desavenças do passado e passaram a se apresentar como parceiros numa luta contra o capitalismo ocidental e a civilização supostamente decadente. Mas um episódio específico criou a imagem visual que sintetizou a aliança nazi-soviética de 1939 a 1941. Trata-se de uma parada militar conjunta em Brest-Litovski, a mesma cidade polonesa onde, em 1918, a Rússia havia assinado sua saída da Primeira Guerra Mundial.

Em 18 de setembro de 1939, os alemães estavam preparados para entregar o local aos soviéticos. Haviam chegado antes, dominado a cidade e, em respeito à cláusula secreta do tratado de não agressão, esperado pelos parceiros russos para proceder com o gesto de gentileza. “Em toda a cidade, tropas alemãs e soviéticas começaram a confraternizar: o verde-oliva se encontrava com o ‘verde-cinza’, a vanguarda da revolução comunista de Stalin face a face com a Wehrmacht de Hitler”, relata Roger Moorhouse.

“Enquanto a banda militar executava o hino nacional alemão, Deutschland, Deutschland über alles, e os oficiais faziam uma saudação solene, a Kriegsflagge vermelho-sangue foi arriada, para ser substituída pelo vermelho ainda mais escuro da bandeira soviética com a foice e o martelo. Então, a banda executou a Internacional — fora do tom, de acordo com uma testemunha”.

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