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Carros

Quando Ford compete com Ferrari, todos saímos ganhando

Filme mostra que você não precisa ser fanático por carros para admirar tudo o que envolve uma corrida e as contribuições dela para a vida cotidiana. (Foto: Merrick Morton/ Divulgação)

Se você não planejava assistir a Ford vs. Ferrari, lançado no dia 14 de novembro, recomendo que você mude de ideia. Baseado na história real de uma rixa entre Ford e Ferrari nos anos 1960, contada no livro de não-ficção Como uma Bala, ele consegue captar o espetáculo e a emoção de uma corrida de resistência de 24 horas e também o espírito competitivo e o impulso insaciável necessários para se achar que fazer uma coisa louca dessas pode ser uma boa ideia.

Mas você não precisa ser louco por carros para admirar tudo o que envolve uma corrida e o que ela produz.

Dizem que as corridas melhoram a “fornada”. Isso quer dizer que a engenharia usada para se criar carros de corrida seguros, rápidos, eficientes e confiáveis geralmente acaba usada na produção dos carros que você vê nas ruas todos os dias. Na verdade, itens básicos para os quais não damos valor em nossos carros de hoje, como freios a disco e espelhos retrovisores, apareceram nos carros de corrida muito antes de chegarem às ruas. Até mesmo os freios ABS surgiram nos carros de corrida.

Mas as corridas melhoraram mais do que a segurança dos carros. Foram alcançados ganhos enormes na eficiência energética e na durabilidade dos veículos também.

Velocidade é importante

Numa corrida, é óbvio que a velocidade é importante, mas será que ela assim tão importante na vida comum? Meio quilômetro por hora mais lento na vida do motorista comum não faz muita diferença, mas, numa corrida, faz.

A corrida de resistência de 24 horas em Le Mans que aparece em Ford vs. Ferrari é um exemplo perfeito disso. Quando a equipe vencedora alcança em média 225km/h o tempo todo, mas sua equipe alcança em média 224km/h, você não só perde o primeiro lugar como também fica quase 40kms atrás. Esqueça o primeiro lugar; você não está nem na mesma volta.

Como se trata de um evento restrito ao tempo, e não à quantidade de voltas, a distância exata percorrida durante a corrida varia de ano a ano, com base nas condições do tempo e na quantidade de bandeiras amarelas, mas em geral supera por pouco os 4800 quilômetros, 85% deles acelerando ao máximo. É como dirigir de Miami até São Francisco. Isso significa dezenas de milhares de trocas de marcha e milhares de pontos de frenagem.

O evento surgiu como uma forma de mostrar a confiabilidade dos carros e ainda é assim, mas, à medida que o tempo passou, o estilo da corrida deixou de ser como uma maratona e virou algo mais parecido com uma corrida de arrancada de 24 horas: força máxima o tempo todo. A corrida exige muito do equipamento (sem mencionar os pilotos).

Grandes fabricantes como Porsche, Audi, Ford, Chevy e Toyota investem milhões de dólares e milhares de horas-trabalho em pesquisa, desenvolvimento e testes a fim de serem competitivos nessas corridas. É um investimento altíssimo. Mas o que eles obtêm com isso? E como isso melhora as coisas para nós?

Eficiência energética

Todos sabemos que corridas têm a ver com ir mais rápido e nada retarda mais os carros durante uma corrida de bandeira verde do que os pit stops. Quanto menos tempo você passa no pit stop, mais rápido você termina sua corrida (ou, no caso de eventos cronometrados, e não limitados ao tempo, mais longe você consegue ir). Quando você para apenas para trocar pneus, e não para abastecer, você consegue belezas como esse pit stop da Red Bull Racing Team que quebrou o recorde mundial este ano.

Se bem que os carros de Fórmula 1 não são reabastecidos durante as corridas para poderem conseguir esses tempos incríveis de pit stop.  Mas para os carros que você encontra nas 24 Horas de Le Mans, as regras limitam não apenas o tamanho do tanque de combustíveis como também a quantidade de combustível que o motor pode usar. Como o reabastecimento demora mais do que a troca de pneus (as duas funções principais do pit stop), quanto menos você precisar reabastecer o carro, mais rápida a sua velocidade média.

Aumentar a eficiência do motor não é muito complicado, mas aumentar a eficiência energética e manter ou aumentar a potência é.

Os motores Ecoboost da Ford foram desenvolvidos, em parte, com a ajuda da Chip Ganassi Racing (uma equipe de corrida), antes de ela se transformar na equipe Ford. A combinação de um motor de baixa cilindrada com a injeção eletrônica de combustível e propulsão a turbo permite uma combinação de maior desempenho e maior economia de combustível. Você pode comprar até mesmo o carro mais barato da Ford, o Fiesta, com essa tecnologia.

Olhando para o futuro, a F1 está perto de aproveitar ao máximo a energia disponível no combustível usado por seus motores. Isso se chama eficiência termal do motor, e a equipe Mercedes F1 fez história em 2017 ao superar os 50% de eficiência termal eu seu motor V6 turbo. Para se ter uma ideia, há apenas cinco anos os motores da F1 alcançavam 29% de eficiência termal. A Hyundai já anunciou que quer que seus motores Smart Stream alcancem os 50% de eficiência termal e que eles sejam usados em toda a linha até 2022.

Além disso, a F1 acaba de anunciar sua intenção de que toda a categoria, incluindo seu setor de transporte e logística, deixe de emitir carbono até 2030. Não se sabe ao certo como eles pretendem conseguir isso, mas, se alguém conseguir, aposto que serão os engenheiros mágicos que trabalham na Fórmula 1.

Durabilidade

Qualquer peça defeituosa durante uma corrida significa preciosos minutos ou até horas no pit stop ou no mecânico arrumando as coisas, isso enquanto seus concorrentes ainda estão na pista se afastando cada vez mais, então a durabilidade é fundamental para o sucesso. Corridades de resistência como Le Mans exercem uma pressão brutal sobre o equipamento. Há dois lugares específicos em Le Mans onde os carros têm que ir de 321km/h para menos de 130km/h para contornarem a curva em segurança, então os freios não podem falhar.

Os freios nos carros de corrida sofrem alterações durante as corridas de resistência, o que é uma importante reviravolta em Ford vs. Ferrari. A equipe Ford de 1966 foi pioneira na troca de todo o conjunto de freios durante a corrida. Hoje em dia, o processo mudou mais em execução do que em princípio. Veja esse incrível pit stop da equipe Corvette Racing em Le Mans neste ano. Quatro pneus novos, freios dianteiros novos, piloto novo e uma carga total de combustível em menos de 40 segundos.

Maior durabilidade e confiabilidade não são exatamente atraentes. Afinal, ninguém tuíta dizendo que é incrível que o motor de um carro não exploda hoje em dia. Mas a durabilidade das peças e a confiabilidade do carro como um todo aumentaram ao longo dos anos, graças, em parte, às melhorias feitas pelas equipes. Os carros de hoje, a despeito do aumento no uso de sistemas elétricos complexos e de outras partes historicamente sensíveis como transmissões automáticas, são mais confiáveis do que nunca.

Quanto menos seu carro precisa de reparos, menos dinheiro você desperdiça com ele. E, para os fabricantes, uma reputação de carro confiável se traduz em vendas melhores. Todos os fabricantes dos cinco carros mais comuns nos Estados Unidos — Honda (com sua marca de luxo, a Acura), Chevrolet, Nissan e Toyota — venceram não só corridas de resistência mas também categorias de velocidade nos últimos cinco anos.

A corrida é para todos

Adoro corrida de carros, sobretudo corridas de resistência. A primeira corrida profissional a que assisti foram as 24 Horas de Daytona e, claro, fiquei bem impressionada. Mas também entendo que assistir a corridas não é para todos. Nem todos gostam do barulho do motor acelerado ao máximo, o cheio do escapamento, a sensação do vento quando os carros passam por você a 290km/h.

Mas as corridas são para todos. Os ganhos obtidos nas pistas melhoram a vida de todos. Mesmo que você não tenha um carro, você certamente já andou em um. Carros são mais seguros, mais confiáveis e mais eficientes do que nunca por causa do investimento em pesquisa e desenvolvimento feito para que eles competitivos nas pistas.

Criar um protótipo de qualquer coisa é incrivelmente caro, mas é como criamos coisas novas e melhores. Claro que, sem a competitividade, não haveria tantos incentivos para extrapolar ao máximo os limites, e é por isso que as equipes e os fornecedores tendem a serem líderes na tecnologia experimental revolucionária. O investimento vale a pena porque ele se traduz em vendas. E os consumidores confiam no que compram porque as empresas fizeram com que seus produtos passassem por alguns dos testes mais exigentes existentes: as pistas de corridas.

Então da próxima vez que você pisar nos freios, passar por uma lombada ou simplesmente olhar pelo retrovisor, agradeça às corridas de carro e ao espírito competitivo. E talvez assista a uma corrida na próxima temporada. Embora apenas um carro passe pela bandeira quadriculada primeiro, todos acabam ganhando.

© 2019 FEE. Publicado com permissão. Original em inglês

Jen Maffessanti é editora da FEE.

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