Imagine que um brutamontes ameace lhe dar um soco na cara. Uma semana depois, ele chega em você e quebra seu nariz com um murro. Qual dos dois é pior, o soco ou a ameaça?
A resposta parece óbvia: a violência física causa danos reais; a agressão verbal, não. "Paus e pedras podem quebrar meus ossos, mas as palavras nunca vão me ferir."
Cientificamente falando, porém, não é tão simples assim. As palavras podem ter, sim, um efeito poderoso no sistema nervoso. Certos tipos de adversidade, mesmo aquelas que não envolvem contato físico, podem fazê-lo adoecer, alterar o cérebro – inclusive matando neurônios – e encurtando sua vida.
Seu sistema imunológico tem pequenas proteínas chamadas citocinas pró-inflamatórias que causam inflamação quando você está machucado fisicamente. Sob certas condições, entretanto, elas também podem deixá-lo doente. Que condições são essas? Uma é o estresse crônico.
Seu organismo também contém pequenos "pacotes" de material genético situados nas extremidades dos cromossomos, os chamados telômeros. Cada vez que suas células se dividem, eles ficam um pouco mais curtos; quando encurtam demais, você morre. Faz parte do envelhecimento normal. Mas adivinha o que mais faz essas estruturas encolherem? O estresse crônico.
Se as palavras causam estresse e o estresse prolongado causa danos físicos, então parece que o discurso – ou, pelo menos, alguns tipos – equivalem a uma forma de violência.
Mas quais?
De uns anos para cá, essa pergunta adquiriu certa urgência, com os supostos defensores da justiça social em conflito explícito com os supostos defensores da liberdade de expressão nos campi universitários. Os apoiadores dos estudantes protestam vigorosamente, violentamente até, contra palestrantes cujas ideias consideram não só ofensivas, mas prejudiciais – daí o desejo de silenciar e não debater com o conferencista. Os "gatilhos" se baseiam em um princípio semelhante: o de que as discussões de certos tópicos vão desencadear, ou se multiplicar, além do trauma, em vez de simplesmente desafiar ou deixar o estudante desconfortável. O mesmo vale para as "microagressões".
Essa ideia – a de que geralmente não há diferença entre discurso e violência –, para muitos, mima ou infantiliza os alunos, além de ser uma influência corrosiva na liberdade de expressão necessária para o progresso intelectual. É seguro dizer que os dados da pesquisa do Pew, divulgados na segunda – que indicam que a visão republicana das universidades decaiu drasticamente desde 2015 –, resultam, em parte, da exasperação com a equação "discurso = violência".
As descobertas científicas que descrevo aqui fornecem uma diretriz empírica através das quais certos discursos controversos devem ou não devem ser considerados aceitáveis no campus e na sociedade civil. Em resumo: a resposta depende de o discurso ser abusivo ou simplesmente ofensivo.
A ofensividade não é ruim para o seu corpo e o seu cérebro. Seu sistema nervoso evoluiu para suportar cargas periódicas de estresse, tais como fugir de um tigre, tomar um soco ou se deparar com uma ideia odiosa em uma aula na universidade.
Levar em consideração o ponto de vista desagradável de outra pessoa pode ser educativo. No início da carreira, eu lecionava uma matéria que abrangia o movimento eugenista, que defende a "procriação seletiva" de seres humanos. A eugenia, com o tempo, se tornou uma justificativa científica para o racismo. Para ajudar meus alunos a entender essa parte feia da história científica, pedi que organizassem um debate sobre os prós e contras. Eles se negaram. Ninguém estava disposto a discutir, ainda que como parte de um exercício em aula, que certas raças são geneticamente superiores que outras.
Então pedi a um membro do meu departamento, negro, que defendesse a eugenia, enquanto eu o atacaria; na metade do debate, trocamos de lado. Estávamos assim mostrando aos alunos um principio fundamental da educação universitária e da sociedade civil: quando você é forçado a se engajar em uma posição com a qual discorda veementemente, aprende algo sobre o outro ponto de vista, e também mais do seu próprio. O processo é desagradável, mas representa um tipo bom de estresse, temporário e inócuo ao seu corpo, e você acaba se beneficiando, em longo prazo, do aprendizado.
Ruim para o seu sistema nervoso, por outro lado, são os longos períodos de estresse latente. Se você passa muito tempo em um ambiente hostil, preocupado com a sua segurança, sofre com o tipo de estresse que o fará adoecer e remodelar seu cérebro. Isso também vale para o clima político no qual os grupos trocam palavras odiosas entre si, para o bullying nas escolas ou nas redes sociais. Uma cultura de brutalidade casual constante é nociva para o corpo e sofremos com ela.
É por isso que, cientificamente falando, é perfeitamente razoável não permitir que um provocador e fomentador de ódio como Milo Yiannopoulos faça uma palestra na sua faculdade. Ele faz parte de algo maligno: uma campanha de abuso. Não há lucro nenhum no debate com esse indivíduo, pois debate não é o que ele oferece.
Por outro lado, quando o cientista político Charles Murray alega que são fatores genéticos os responsáveis pelas disparidades raciais nos testes de QI, você pode achar seu ponto de vista repugnante e insensato, mas é apenas ofensivo. É exposto como hipótese acadêmica a ser debatida, não atirado feito uma granada. Há uma grande diferença entre permitir uma cultura de brutalidade casual e levar em consideração uma opinião da qual se discorda veementemente: a primeira é um perigo para a sociedade civil (e à saúde do indivíduo); a segunda é força vital da democracia.
Sem dúvida, devemos promover debates abertos e vigoroso sobre tópicos controversos ou ofensivos, mas também precisamos acabar com o discurso que atormenta e aflige – porque da perspectiva dos nossos neurônios, isso não passa de uma forma de violência.
*Lisa Feldman Barrett é professora de Psicologia da Universidade Northeastern e autora de "How Emotions Are Made: The Secret Life of the Brain".
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