O homem morava sozinho, com dois cães, em uma área remota de San Antonio, nos Estados Unidos, quando alguém avisou as autoridades do Texas que um suposto amigo o estava explorando financeiramente; por isso, a agência estadual de serviços de proteção aos adultos enviou uma assistente social para vê-lo.
Lá, ela encontrou um veterano do Vietnã de 86 anos de idade em uma casa suja e bagunçada, cheia de garrafas vazias. Suas pernas estavam inchadas por causa da celulite crônica e ele mal podia andar, por isso usava uma cadeira de rodas motorizada.
Não comparecia às consultas médicas. Tinha os remédios que precisava para a celulite e o diabetes, mas não os tomava. Apesar de ter um banheiro funcionando, preferia urinar em garrafas plásticas. Não limpava a sujeira de seus cães e não estava se alimentando bem.
Esse comportamento exemplifica um problema pouco reconhecido, chamado autonegligência, e gera mais ligações às agências de serviços de proteção aos adultos nos Estados Unidos do que qualquer outra forma de violência aos idosos.
Porém, os esforços para identificar e ajudar aqueles que apresentam esse comportamento frequentemente vão de encontro à ênfase dos americanos na autodeterminação.
"Se alguém tem a capacidade de decisão, têm o direito de viver na miséria? Enquanto sociedade, queremos respeitar a autonomia e a independência", disse o Dr. XinQi Dong, pesquisador do Instituto Rush para o Envelhecimento Saudável em Chicago.
No caso do texano, "ele não gostou da visita da assistente, e negou que estivesse sendo explorado. Também negou que tivesse problemas com a bebida", disse Raymond Kirsch, investigador da agência que acabou se envolvendo no caso.
Relutantemente, permitiu que a agência fizesse uma faxina em sua casa, que enviasse alguém para ajudá-lo e aceitou receber suas refeições pelo programa Meals on Wheels.
Mas na visita seguinte, um mês depois, a assistente encontrou seu cliente bem pior: o estado das pernas piorou; estava imundo e delirando. Ela voltou com uma ambulância e um médico que determinou que o cliente não tinha capacidade de tomar decisões médicas.
Ele foi levado a um hospital de San Antonio com uma ordem judicial de emergência. A assistente social trancou a casa e levou os cães a um canil.
Ouvimos muitos outros tipos de casos de violência e exploração de idosos, mas quando o abuso é cometido pelos outros, talvez seja mais fácil resolver a situação do que quando há autonegligência.
"Os familiares perdem a paciência e não querem se envolver. Atribuem isso a uma questão de caráter, como teimosia, em vez de uma diminuição da capacidade da pessoa de se cuidar", disse Courtney Reynolds, analista de pesquisa no Instituto de Envelhecimento Rose Benjamin, em Cleveland.
A autonegligência se refere à pessoa cujo comportamento ameaça sua saúde e segurança. Em estudos em andamento em Chicago, Dong e seus colegas procuram fatores como acumulação (de objetos ou animais), má higiene pessoal e condições insalubres.
"As pessoas podem ter feridas, piolhos, pragas na casa. Podem ter problemas médicos, mas não tomam os remédios prescritos. Pode haver uma montanha de lixo, alimentos guardados em uma geladeira que não funciona", disse Reynolds, que, como assistente social, já viu casos de autonegligência.
É por isso que o quadro pode passar despercebido em consultas médicas. "Se alguém entrou no meu escritório, vestindo camisa e calça limpas, eu não saberia que sua casa está uma bagunça. Você tem que observar o ambiente em que a pessoa vive", disse Dong, que é geriatra.
Estudo
Nos estudos de Chicago, envolvendo mais de 4,6 mil residentes da zona sul com mais de 65 anos, pesquisadores que conduziram entrevistas em domicílio descobriram que a autonegligência é preocupantemente comum.
Ela existe entre 9 e 10% dos homens e para 7,5 a 8,5% das mulheres, dependendo da idade. Alguns moradores proibiram o acesso a suas casas, por isso Dong disse que não se surpreenderia se a prevalência fosse maior.
A negligência é mais comum entre aqueles com problemas de saúde e comprometimento cognitivo. Os afro-americanos e pessoas com baixa renda e educação apresentaram taxas muito maiores. (Em um estudo separado em Chicago, o mesmo ocorre com os sino-americanos.)
Doenças mentais e isolamento social são fatores de risco comprovados, mas, segundo Dong, entre as muitas perguntas sem resposta, podem também ser causa e efeito. As pessoas deprimidas negligenciam seus cuidados, ou as pessoas que se autonegligenciam se tornam deprimidas?
Quaisquer que sejam as causas subjacentes, a situação "é muito perigosa", disse Dong.
Quem vive nessas circunstâncias tem taxas mais altas de doença e morte, de idas ao pronto-socorro e de hospitalização. E há maior propensão de sofrer outras formas de abuso.
Agora que a síndrome chama mais atenção – a conferência nacional da Sociedade Americana de Envelhecimento em São Francisco neste mês vai abordá-la –, outras perguntas surgem.
Denúncias
Embora as agências estaduais de proteção aos adultos assumam tais casos, as leis sobre denúncias de negligência e abuso variam muito.
"Na maioria dos estados, há uma longa lista de pessoas que devem comunicar o fato, normalmente médicos e assistentes sociais", disse Andrew Capehart, ex-diretor assistente da Associação Nacional de Serviços de Proteção aos Adultos. Vários estados adicionaram o clero e funcionários de serviços financeiros à lista.
No Texas, qualquer um pode fazê-lo – parente, vizinho ou até mesmo um transeunte – enquanto que, em Nova York, não há requisitos para as denúncias. Alguns estados não consideram a autonegligência como uma forma de abuso, por isso não a investigam.
Mesmo quando o quadro é relatado, as agências estão "frequentemente sobrecarregadas, ou não têm pessoal e recursos suficientes", disse Dong. Além disso, com a pesquisa limitada e a escassez de estratégias e tratamentos que poderiam ajudar, "realmente não sabemos como lidar com esses casos".
Porém, relatar uma suspeita de autonegligência a uma agência de proteção é o ponto de partida.
As famílias podem hesitar em envolver o governo, "mas a ideia de abrir portas a pontapés e transportar alguém à força para uma casa de repouso é errada. Nosso objetivo é manter as pessoas em suas casas o maior tempo possível, mas com segurança", disse Kirsch.
Tratamento
Às vezes, essas histórias têm finais razoavelmente felizes. Dong trabalhou durante meses com uma paciente deprimida, de quase 70 anos, que sofria de dor crônica da artrite e danos neurológicos causados pelo diabetes, mas que não tomava sua medicação.
Uma visita à sua casa revelou que ela era uma acumuladora, e tropeçava nos fios elétricos conectados a tomadas sobrecarregadas.
Dong descobriu que os filhos dela estavam vendendo o OxyContin que ele lhe receitara, mas ela tinha medo de contar a alguém. Ao longo do tempo, mudou a medicação, enviou fisioterapeutas e enfermeiras e ajudou-a a perder peso.
A casa continua cheia de tralhas – jornais, caixas e sacos –, mas, conforme sua mobilidade ia aumentando, ela passou a ser capaz de participar de atividades em sua igreja e no centro comunitário, seu isolamento diminuiu e seu humor melhorou. "A resposta precisa ser abrangente. Demorou muito para conseguir tudo isso", disse Dong.
Em San Antonio, Kirsch também tem histórias de sucesso, algumas com resultados mais perturbadores.
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O veterano de 86 anos, por exemplo, recuperou-se durante o mês que passou no hospital. "Porque estava recebendo três refeições por dia, não estava bebendo e tomava os remédios, ele melhorou bastante", contou Kirsch.
Tanto que, em sua visita seguinte ao tribunal, um juiz do condado e os médicos concordaram que ele havia recuperado sua capacidade jurídica. Poderia tomar suas próprias decisões – e quis voltar para casa e para seus cães.
Kirsch, que acompanhou seu regresso, viu que um amigo havia reabastecido a casa com bebidas alcoólicas. E, ao chegar, o cliente anunciou que não queria mais a ajuda do serviço de proteção ao adulto.
"Fiquei arrasado. Você sabe que as coisas não vão ficar bem", contou Kirsch. Mas não havia mais nada que a agência pudesse fazer.
"Tivemos que encerrar o caso e ir embora."
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