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No verão russo de 1928, os integrantes da Internacional Comunista, fundada por Vladimir Lênin nove anos antes para incentivar a disseminação do comunismo em nível planetário, receberam uma nova orientação: a partir de agora, era obrigatório se referir a grupos de esquerda da Europa, sociais democratas e socialistas, como “sociofascistas”.
A mudança brusca na abordagem para os camaradas de outros países era resultado da irritação dos dois mais influentes líderes da União Soviética naquele momento, Leon Trotsky e Josef Stalin. Eles decidiram que havia chegado a hora de criticar abertamente grupos que não estivessem perto de derrubar o capitalismo em seus países.
“Camaradas ao redor do mundo receberam ordens para adotar uma atitude mais militante e a ‘revolução global’ voltou para a agenda como item prioritário. Nesse particular, a Europa tornou-se a arena do embate revolucionário, cujo prêmio seria a disseminação do comunismo”, relata o historiador britânico Robert Service em Camaradas: Uma história do comunismo mundial. “O ambiente na região era explosivo e nenhum dos mais eminentes bolcheviques na União Soviética estava contente com o fato de que tão pouco estivesse sendo feito para fomentar a revolução no exterior”.
Surgia assim o hábito de acusar de “fascista” qualquer pessoa que não fosse de extrema-esquerda. Curiosamente, Trostky seguiria para o exílio logo em 1929, e a partir de então seria também ele considerado fascista em documentos oficiais soviéticos, até ser assassinado no México, em 1940. O uso da alcunha, como se sabe, nunca mais saiu de moda.
Muralha de Proteção Antifascista
A partir da década de 1930 em diante, “fascista” passou a ser aplicado, na imprensa estatal soviética, a qualquer país capitalista — curiosamente, a Alemanha nazista recebia artigos elogiosos entre o acordo de Stalin, de 1939, e a invasão contra os soviéticos, em 1941.
Qualquer opositor do regime, ou líder da própria União Soviética que se visse perseguido por Stalin, recebia automaticamente a pecha. Ao fim da Segunda Guerra, com a formação da cortina de ferro no Leste Europeu, cada um dos movimentos que tentou questionar as ordens Moscou foi caracterizado como fascista. No lado oriental da Alemanha, o Muro de Berlim era chamado oficialmente com o nome Muralha de Proteção Antifascista. Mas afinal, o que é fascismo?
A expressão se origina da palavra fascio, que em italiano significa “feixe”. Fazia referência ao poder dos grupos: afinal, um feixe de madeira é muito mais resistente e poderoso do que um único pedaço de madeira. Além disso, na Roma Antiga, havia um machado revestido por varas, chamado fasce em latim. Ou seja: na mesma palavra, o político italiano Benito Mussolini e seus seguidores pregavam a união e, ao mesmo tempo, a imposição da força por meio da violência da maioria.
Apesar de ter fundado o grupo Fasci d’Azione Rivoluzionaria ainda em 1914 e morrer apenas em 1945, Mussolini nunca se preocupou em estabelecer uma ideologia detalhada para o fascismo. Havia apenas algumas práticas bastante características, como o populismo, o antiliberalismo e o autoritarismo.
De Gandhi a Marina Silva
No livro 'O que é Fascismo', resultado de uma coletânea de ensaios escritos entre os anos 1930 e 1940, o escritor britânico George Orwell argumentou: “Ouvi o termo ser aplicado a agricultores, a lojistas, ao castigo corporal, à caça à raposa, às touradas, ao Comitê de 1922, ao Comitê de 1941, a Kipling, Gandhi, Chiang Kai-chek, à homossexualidade, aos programas de rádio de Priestley, aos albergues da juventude, à astrologia, às mulheres, aos cães e a não-sei-mais-o-quê”. Como dizia ele, “qualquer inglês aceitaria ‘valentão’ como sinônimo” de fascista.
E essa falta de detalhes ajudou os soviéticos — e seus seguidores comunistas até hoje — a utilizar da expressão como uma ofensa. “Fascista”, ao fim das contas, pode significar qualquer coisa. Que o digam o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin ou qualquer integrante do Movimento Brasil Livre (MBL) – para não falar nos ex-presidentes americanos Ronald Reagan e George W. Bush. Todos eles já foram chamados de fascistas, mesmo não tendo a menor relação com qualquer prática da Itália de Mussolini.
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