Os grupos editoriais lutam para recuperar o lugar que tinham na sociedade antes da chegada da internet, mas ainda não encontraram o modelo para alcançar a rentabilidade na qual basearam seu prestígio. O risco é que, na luta pela sobrevivência, a imprensa deixe de ser a imprensa que todos conhecemos.
Tempos difíceis para os jornais, embora isso não seja mais uma novidade. A Comissão Europeia acaba de publicar o European Media Industry Outlook [Perspectivas da Indústria de Mídia Europeia], um extenso relatório que analisa a situação das áreas de comunicação e entretenimento, incluindo a mídia, e examina o estado atual e as tendências de um setor-chave para a democracia.
O setor de mídia gerou um negócio de 88 bilhões de euros [R$ 420 bilhões na cotação atual] na União Europeia em 2021, dos quais cerca de 20 bilhões [R$ 103 bilhões] são provenientes de mídia escrita e digital, e os restantes 68 bilhões vêm do rádio e da televisão. Mas as trajetórias são "radicalmente diferentes". Assim, as receitas da imprensa escrita caíram de 22 bilhões para 16 bilhões - uma queda de 27% - entre 2016 e 2021, enquanto as receitas da mídia digital aumentaram 60%, chegando a 3,7 bilhões no mesmo período. No rádio e na televisão, o negócio de notícias cresceu 5,5% nesses cinco anos, chegando a 68 bilhões de euros.
O relatório prevê que a queda na imprensa escrita continue nos próximos anos, de modo que, em 2025, suas receitas totais - provenientes de leitores e publicidade - se reduzam a cerca de 13 bilhões, a mesma quantia que arrecadava apenas em publicidade em 2016.
Consumo digital
Essa evolução se deve às mudanças no consumo de informações que ocorreram na Europa, em linha com o resto do mundo. "As mídias operam hoje sob a lógica da economia da atenção, na qual diferentes formas de conteúdo - notícias, publicidade e entretenimento - competem pela atenção do cidadão, seja em formato digital ou tradicional", afirma o relatório. Essa tendência se intensificou nos últimos anos "com a penetração da internet e a ampla aceitação de tecnologias - novos dispositivos - que permitem consumir conteúdo online a qualquer momento e em qualquer lugar".
Quando questionados sobre como se informam diariamente, 77% dos europeus respondem que através da televisão; 44% pelas redes sociais; 43% por meio do rádio; 42% através de mídias online; e 21% leem jornais impressos (as respostas eram múltiplas, por isso somam mais de cem). De acordo com o estudo, "a relação entre o acesso dos consumidores à informação por meio de meios profissionais - imprensa, rádio, televisão e mídia digital - em comparação com aqueles que se informam por meio de meios não profissionais - redes sociais e plataformas - ainda é três para um na União Europeia, embora estejamos caminhando para uma mudança de hábitos que está se acelerando.
20% dos espanhóis menores de 25 anos já usam o TikTok para se informar.
O relatório fornece três explicações para essa mudança nos cidadãos. A primeira é que "a infraestrutura de conteúdo digital está facilitando seu crescimento": 77% já acessam notícias pelo menos uma vez em seus telefones celulares. A segunda é que "a oferta online está evoluindo e oferecendo novas possibilidades aos cidadãos: por exemplo, um número crescente de consumidores da UE prefere compartilhar e discutir artigos com amigos e colegas por meio de aplicativos de mensagens instantâneas". E terceiro, "as audiências mais jovens preferem acessar notícias parcialmente elaboradas por profissionais".
Assim, 34% dos jovens menores de 25 anos usam o YouTube e outras redes sociais para se informar, em comparação com 15% de todos os grupos etários considerados no relatório. Nesse sentido, o Relatório de Notícias Digitais (DNR), elaborado anualmente pela Universidade de Oxford e Reuters, e publicado em sua edição de 2023, confirma o crescente uso da rede social chinesa TikTok entre os jovens: na Espanha, por exemplo, 20% das pessoas com menos de 25 anos já usam essa rede social para se informar.
Pagamento por conteúdo e publicidade
Os europeus são conscientes da importância da informação para o desenvolvimento da sociedade democrática, mas parecem não estar dispostos a pagar por ela, o que adiciona mais pressão à sobrevivência dos meios de comunicação tradicionais, especialmente a imprensa escrita. "Essa lacuna entre o valor associado ao conteúdo informativo e sua monetização representa um desafio-chave para a sustentabilidade econômica dos meios de comunicação". Por exemplo, 68% dos europeus consideram que todo o consumo de notícias deveria ser gratuito e 83% acham que "sempre deveria haver algum tipo de informação" gratuita. Quando se trata de pagar, os entrevistados consideram que a assinatura é a melhor forma, mas apenas 13% são a favor de pagar por alguma.
O DNR fornece dados semelhantes, embora referentes ao mundo todo: "Dado que os orçamentos familiares estão sob pressão e uma parte significativa do público está satisfeita com as informações às quais pode acessar gratuitamente, há indícios de que o crescimento do pagamento por notícias pode estagnar. Nos 20 países mais ricos, 17% pagam por notícias online em 2023, o mesmo percentual do ano anterior".
Se o crescimento das assinaturas estagnar, a publicidade "ainda é fundamental na mistura de financiamento" dos meios de comunicação, aponta o relatório da Comissão, mas "já não beneficia os meios de comunicação informativos como costumava". O mercado publicitário da UE continua crescendo em boa velocidade. Em 2021, representou uma receita para o setor - online e offline - de 69,2 bilhões de euros, em comparação com os 64,1 bilhões de 2016. No entanto, a maior parte desse bolo está sendo levada pelo mundo informativo digital. E aí, os meios de comunicação tradicionais - imprensa, rádio e televisão - têm um tremendo inimigo com quem têm que compartilhar o bolo: as plataformas digitais - principalmente o Facebook e o Google. Assim, em 2021, a internet capturou 43% dos gastos com publicidade, enquanto em 2000 representava apenas 1%.
Segundo o relatório, apesar do aumento total de 5 bilhões entre 2016 e 2021, as receitas publicitárias nos meios de comunicação tradicionais caíram 23%, com uma queda de 33% nos meios impressos, "principalmente devido à mudança nos hábitos de consumo e à diminuição da circulação".
O relatório destaca também como o Facebook e o Google capturam a maior parte da publicidade programática - aquela que usa algoritmos para exibir anúncios automatizados aos consumidores - deixando apenas 40% da receita do anúncio para os meios, em comparação com os 85% que recebem limpos pela publicidade normal.
Como vimos, as grandes plataformas da Internet e as redes sociais se tornaram um importante motor de consumo de notícias, o que beneficia as edições digitais dos meios de comunicação tradicionais - "provedores de notícias", como são chamados no relatório - ao fornecerem a eles novo tráfego de usuários, mas ao mesmo tempo há o risco de os meios de comunicação se "tornarem dependentes das plataformas, de seus modelos de distribuição, como o uso de algoritmos na preparação de seus conteúdos, e de seus modelos de monetização". Tudo isso pode comprometer o trabalho informativo dos meios enquanto buscam recuperar a rentabilidade.
Contra-ataque
"A digitalização impactou todos os processos da cadeia de valor dos meios de comunicação. As ferramentas digitais permitiram a produção mais rápida de notícias, têm borrado as fronteiras entre os tipos de conteúdo e seus provedores, e levaram a uma multiplicação de canais de distribuição por meio de diferentes dispositivos. Como resultado, os consumidores podem acessar e interagir com uma ampla gama de conteúdo online". Essa frase do relatório resume bem a situação dos meios de comunicação, especialmente os escritos.
A partir daí, os especialistas comentam as duas grandes linhas adotadas pelos grandes meios de comunicação tradicionais - os chamados "legacy media". Uma delas é a adoção de novos formatos para o conteúdo informativo, a fim de atrair novos leitores. Nos últimos anos, surgiram podcasts, áudio digital, boletins informativos e vídeos, que também são distribuídos por meio de contas próprias nas redes sociais. Por exemplo, quase 90% dos principais editores da França e da Espanha, 50% dos alemães e 30% dos italianos estão se tornando cada vez mais ativos na distribuição de vídeos por meio da plataforma TikTok para atingir os mais jovens, "embora ainda precisem descobrir como monetizar esse conteúdo e direcionar o tráfego para seu próprio site".
Em 2022, as receitas de circulação dos meios impressos na UE foram de 9,8 bilhões de euros, 3,5 bilhões a menos do que em 2016.
As mídias também estão tentando adotar as estratégias das grandes plataformas - se você não pode lutar contra elas, tente se aliar a elas. Muitos grupos editoriais estão adaptando suas estratégias comerciais "ao papel das plataformas digitais globais". Nos últimos anos, impulsionados pela nova legislação europeia de direitos autorais, os editores fecharam acordos de licenciamento de uso de conteúdo com plataformas em troca de compensação. Por exemplo, o Google comunicou no ano passado que fechou acordos desse tipo com 300 empresas editoriais da União Europeia, a maioria delas grandes grupos de imprensa.
Além das estratégias para atrair mais publicidade, os editores pretendem aumentar as receitas provenientes dos leitores e, para isso, adotam estratégias de "conversão de usuários". Os métodos para monetizar os leitores incluem "paywalls" (conteúdos acessíveis apenas por meio de pagamento), modelos freemium (serviço ou produto oferecido gratuitamente em sua versão básica com recursos limitados ou algumas restrições, com uma versão premium paga que oferece recursos adicionais), associações, financiamento coletivo, microtransações e pacotes de ofertas de conteúdo não informativo. As assinaturas são a prioridade número um em 2023 para 80% dos editores como meio de aumentar suas receitas, seguidas por publicidade (75%), publicidade nativa (58%), eventos (38%) e financiamento por meio de plataformas (33%).
No entanto, o negócio digital ainda não é suficiente. Em 2022, as receitas das assinaturas dos meios digitais - incluindo as edições online da imprensa tradicional - foram de 1,8 bilhão de euros, em comparação com 1 bilhão em 2016, enquanto as receitas de circulação dos meios impressos alcançaram 9,8 bilhões de euros, uma cifra muito menor do que os 13,3 bilhões de 2016.
Menos confiança nos meios de comunicação
Por fim, se você não pode aumentar as receitas, tente reduzir os custos. Esse processo já estava em andamento, mas acelerou durante a pandemia. Em 2020 e 2021, as organizações pressionaram para redesenhar escritórios, melhorar a tecnologia e renegociar contratos de trabalho para reduzir custos e adaptar as redações ao trabalho remoto. As equipes foram reduzidas, o trabalho autônomo aumentou em relação ao trabalho contratado, e os cargos de repórteres foram substituídos por pessoal com mais habilidades digitais para aproveitar as oportunidades da tecnologia.
De forma politicamente correta, o relatório observa que "se essas práticas perdurarem, como parece ser o caso, podem exigir o desenvolvimento de novos critérios editoriais e modelos de governança da mídia" para evitar impactos negativos na supervisão de conteúdo e precarização das condições de trabalho dos jornalistas. Em termos simples, a digitalização dos meios de comunicação está colocando em risco a razão de ser do jornalismo, que é defender a democracia oferecendo à sociedade informações verdadeiras e verificadas sobre o que está acontecendo.
Por isso, talvez o interesse pelas notícias e a confiança dos cidadãos nos meios de comunicação continuem diminuindo ano após ano. De acordo com o DNR (Digital News Report) da Reuters e da Universidade de Navarra, responsável pela pesquisa na Espanha, o número de cidadãos interessados no consumo de informações caiu de 82% em 2017 para 51% em 2023. Apenas 33% dos entrevistados confiam nas notícias que ouvem ou leem, em comparação com 51% há seis anos. "Com esses números, não é surpreendente que a percepção social do jornalismo seja muito crítica: 57% dos espanhóis frequentemente ouvem críticas negativas sobre a profissão, tanto em seu círculo familiar (48%) quanto vindas de políticos (42%) ou dos próprios meios de comunicação (40%)", afirma o DNR.
O panorama dos meios de comunicação, especialmente da imprensa, não é muito otimista. O que estudos como o da Comissão Europeia ou o DNR concluem é que ainda não foi encontrado um modelo que restaure a lucratividade aos editores. E isso é algo urgente para a saúde democrática, para que a luta pela sobrevivência da imprensa não termine com a própria imprensa como a conhecemos hoje.