Ao que parece, outra mulher está grávida de um bebê geneticamente modificado na China, de acordo com uma reportagem publicada recentemente. Isso se segue à revelação feita em novembro de que gêmeos geneticamente modificados tinham nascido, o que gerou grande controvérsia.
Um dos medos expressos pelos cientistas é o de que a edição genética possa resultar em efeitos colaterais indesejados.
Mas, para além de preocupações médicas e de saúde, quais são os problemas filosóficos expostos aqui quando se trata de bebês geneticamente modificados?
Mutações indesejadas e criadas pela edição genética em espermatozoides, óvulos e embriões podem se repetir em gerações futuras. Mas as gerações futuras não podem consentir com os riscos que estão sendo assumidos agora, segundo Francis S. Collins, ex-chefe do Projeto Genoma e hoje diretor do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos.
Eliminar doenças e outras condições danosas pode ser um objetivo louvável, e a maioria das pessoas adoraria viver num mundo onde ninguém precise sofrer de, por exemplo, hemofilia, distrofia muscular e outras doenças e deficiências genéticas.
Deveríamos ou não?
Vamos supor que os riscos à saúde da modificação genética sejam exagerados ou possam ser eliminados. Ainda que projetar bebês esteja numa realidade distante, precisamos começar a pensar agora sobre até que ponto devemos chegar no que diz respeito à edição de características indesejáveis ou ao reforço de características desejáveis.
Qualquer projeto que tenha o potencial de melhorar as características da população evoca os crimes cometidos pelos programas eugenistas financiados pelos governos do Canadá e Estados Unidos, bem como na Alemanha do começo do século XX.
Em 1939, o governo austríaco também aprovou uma lei para internar e esterilizar os considerados deficientes, apesar de a lei jamais ter sido posta em prática.
Alguns filósofos argumentam que não há nada de errado em permitir que pais escolham as características que querem para seus filhos. Em seu livro Enhancing Evolution (“Melhorando a evolução”, em tradução livre), de 2010, o bioeticista britânico John Harris diz que isso representa o mesmo problema ético de dar uma boa educação às crianças.
O filósofo australiano Julian Savulescu argumenta que os pais deveriam usar todas as tecnologias disponíveis para escolher filhos cujas características lhes permitam viver uma vida melhor.
Esses filósofos são incapazes de levar a sério os problemas sociais que o melhoramento genético pode causar.
Somente os ricos
O uso da tecnologia também será caro – sobretudo no começo – e somente os pais mais ricos serão capazes de pagar pelo melhoramento genético de seus filhos.
O resultado pode não ser tão ruim quanto o imaginado pelo filme de ficção científica 'Gattaca' (1997), que retrata uma sociedade dividida entre os geneticamente privilegiados e aqueles aos quais a falta de melhoria genética legou trabalhos subalternos.
Mas o melhoramento genético provavelmente dará origem a sociedades mais desiguais, nas quais a igualdade de oportunidades se tornará algo cada vez mais sem sentido.
Imaginemos que todos os pais do futuro possam escolher as características dos filhos. Alguns filósofos temem que bebês projetados para corresponderem às exigências dos pais sejam transformados em produtos.
O filósofo alemão Jürgen Habermas argumenta em seu livro O futuro da natureza humana que a engenharia genética limitará a capacidade individual de fazer escolhas.
Mesmo que isso não aconteça, ela pode afetar drasticamente a relação entre pais e filhos ao corromper um princípio ético básico: o de que os pais devem aceitar, amar e cuidar dos filhos como eles são.
O que os pais querem
A engenharia genética provavelmente aumentará as expectativas dos pais. Se eles não tiverem o filho que escolheram – se as características que escolheram não se materializarem e se a criança não conseguir colocá-las em prática –, a decepção deles pode levar à humilhação ou à rejeição do filho.
As questões éticas envolvendo a engenharia genética servem de base para uma visão que muitos filósofos compartilham: a de que a terapia genética para eliminar doenças e deficiências é eticamente aceitável, uma vez que os riscos podem ser contornados.
Mas a melhoria genética é eticamente problemática. É difícil estabelecer a fronteira entre o que é melhoria e o que é terapia genética.
Estudos mostram que pessoas fisicamente atraentes têm uma probabilidade maior de ganhar mais do que aquelas cuja aparência é considerada abaixo da média. Isso significa que a “feiura” é uma deficiência a ser corrigida pela engenharia genética?
Da mesma forma, ter um QI abaixo da média seria uma deficiência – algo que deveria estar sujeito a uma alteração por meio da modificação genética?
Edição genética e preconceito
Os pais deveriam ser capazes de escolher o tom da pele dos filhos para tentar contornar problema sociais que eles possam vir a vivenciar? O fato de ser negro é uma desvantagem séria em algumas sociedades.
Mas é um erro tratar os problemas sociais como se eles fossem causados pelas características de determinados indivíduos.
Se as pessoas são intolerantes, ceder a seus preconceitos não as tornará mais tolerantes. Elas encontrarão outros motivos ou alvos para sua intolerância.
Se pessoas menos atraentes então em desvantagem ou se pessoas com QI baixo são desprezadas, temos que questionar nossos padrões e comportamento. Se negros enfrentam discriminação, deveríamos lutar contra o racismo, não buscar nos adaptar a ele.
Por trás de tudo isso está a convicção liberal de que temos de aceitar as diferenças humanas e respeitar os indivíduos em toda a sua variedade e formas de existir.
Eliminar doenças e deficiências graves é um objetivo digno. Nenhuma pessoa deveria sofrer. Mas eliminar a diversidade humana não é apenas arriscado: elimina perspectivas que nos enriquecem.
*Janna Thompson é professora de Filosofia na Universidade La Trobe.
Tradução de Paulo Polzonoff Jr.