Polícia faz operação contra tráfico de drogas em favela do Rio de Janeiro, novembro de 2010: taxa de homicídios vem caindo no Brasil nos últimos anos| Foto: EFE/Marcelo Sayao
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As estatísticas de homicídio no Brasil desde o começo do milênio formam algo similar a um escorregador: a subida é uma escada paulatina, desde 48 mil mortos em 2001, galgando degraus anuais, com quedas temporárias, atingindo o topo acima de 65 mil em 2017. Depois da escada, vem um declive comparativamente íngreme para 45 mil mortos em 2019. O número é inferior ao de todos os anos anteriores, desde 1995.

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Do pico até 2020, a queda foi de mais de 16 mil mortes anuais, o equivalente a mais de 8 mortos a menos para cada 100 mil brasileiros. Houve uma pequena subida em 2020, seguida de mais queda em 2021. Os números têm origem na saúde e são agregados por relatórios anuais como o Atlas da Violência. O Atlas da Violência é publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), afiliado ao Ministério da Economia, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e pelo Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN). A principal fonte dos dados é o Ministério da Saúde.

O padrão continua em curso. Segundo o Monitor da Violência do G1, que tem parceria com o Núcleo de Estudos da Violência da USP, houve uma queda de 5% nos homicídios no primeiro semestre de 2022.

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Isolando o período de queda entre 2017 e 2020, a reportagem analisou por estado onde caíram mais os assassinatos. Em números absolutos, os campeões de queda são Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Ceará, Rio Grande do Sul e São Paulo, todos com diminuição superior a mil mortos anuais. Na taxa de homicídio, os campeões, com redução superior a dez mortes em 100 mil habitantes, são Acre, Rio Grande do Norte, Pará, Alagoas, Pernambuco, Ceará, Sergipe, Goiás, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, nessa ordem. Somente o Piauí teve um modesto aumento de mortes, nas duas estatísticas, nesse período.

A figura abaixo mostra a evolução da taxa de homicídios nos cinco estados com maior declínio recente:

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Possíveis causas

Para Roberto Motta, engenheiro, ex-Secretário Executivo do Conselho de Segurança do Estado do RJ e autor do livro A Construção da Maldade: Como Ocorreu a Destruição da Segurança Pública Brasileira (Avis Rara, 2022), “os números ainda aguardam uma análise digna do nome”. Para o estudioso, na ausência dessa análise ainda não feita, só podemos especular a respeito das causas da queda nos assassinatos. Uma das sugestões é que os homicídios sejam categorizados por causas mais específicas, como latrocínio (roubo seguido de morte), tráfico de drogas ou violência doméstica, por exemplo. Motta pensa, também, que os números dependem demais de ONGs com um viés político que acaba interferindo nas análises.

“Minha opinião meramente especulativa é que a queda reflete o surgimento de uma visão diferente sobre criminalidade da que sempre vigorou no Brasil e ainda é hegemônica”, disse Roberto Motta à reportagem. “É aquela visão do criminoso como vítima da sociedade, de que não adianta prender, de tornar a lei penal cada vez mais leniente. Essa visão foi desafiada por um grupo de vozes que explicaram que essa postura está em flagrante contradição com tudo o que se conhece no mundo”, conclui. Ele cita como uma das influências o laureado do Nobel de economia de 1992 Gary Becker, que analisou o comportamento dos criminosos em termos de custos e benefícios do crime, de forma que as políticas de segurança sejam direcionadas a aumentar esses custos e coibir os benefícios.

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Outra possível causa para a queda recente de homicídios no Brasil é que há cada vez menos homens jovens. Em todas as sociedades já estudadas, os homens jovens formam a maioria dos assassinados e dos assassinos. O Atlas da Violência comenta que na última década a fração de homens entre 15 e 29 anos na população brasileira diminuiu de 13,5% para 12,1%. Pode parecer pouco, mas tem o potencial de diminuir em 20% a taxa de homicídios do país.

Por que homens jovens são um fator preditivo da violência? Parte da explicação é cultural, parte é biológica. Como conta o psicólogo evolucionista David Buss na sexta edição do manual “Psicologia Evolutiva: A Nova Ciência da Mente” (tradução livre para “Evolutionary Psychology: The New Science of the Mind”, 2019), até a idade de 10 anos, homens e mulheres não diferem em suas chances de se tornarem vítimas de homicídio. Mas, quando chega a adolescência, “as mortes de homens começam a decolar, atingindo um pico quando estão no meio da faixa dos 20 anos”. Nessa idade, os homens são seis vezes mais propensos a serem vítimas de homicídio comparados às mulheres. Depois dessa faixa etária, a taxa de homicídio de homens começa a cair, sugerindo que os homens aprendem a evitar recorrer à violência.

Mas a diminuição da quantidade de homens jovens não explica toda a queda nos homicídios, como sugerido. É possível que programas governamentais de redução da violência tenham começado a surtir mais efeito nos últimos cinco anos. Entre eles estão o Fica Vivo (2003) e o Igesp (2008) em Minas Gerais, o Pacto pela Vida (2007) em Pernambuco, as UPPs (2008) do Rio de Janeiro e o Estado Presente (2011) do Espírito Santo, além das iniciativas locais e municipais no Sul, em São Paulo e outros estados. Mais recentemente, houve também no nível nacional a criação do Sistema Único de Segurança Pública (2018) com repasse do dinheiro arrecadado das loterias para a área.

São Paulo é um dos estados que mais se destacam na aparente eficácia de políticas públicas de segurança. A diminuição de assassinatos do estado foi modesta comparada aos campeões no período de 2017 a 2020: foi de 1063 mortes, equivalente a 2,5 por 100 mil — levando à taxa atual de 7 mortos por 100 mil. Mas, no período histórico desde o ano 2000, São Paulo foi o estado que mais contribuiu para a queda de assassinatos (como mostrado no gráfico abaixo).

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Implantado em 1999, o Infocrim, um sistema de microrrastreamento geográfico de crimes, é uma das iniciativas importantes do estado na segurança. Ele foi seguido pela implantação de uma base de dados fotográfica de criminosos, a Fotocrim, em 2002. Paralelamente, o governo do estado passou a exigir mais resultados das corporações policiais e a seguir mais de perto os homicidas reincidentes. O sucesso de São Paulo em reduzir assassinatos não se repetiu no caso dos estupros, que cresceram no período, segundo a Secretaria de Segurança Pública.

É possível que o Estatuto do Desarmamento (2003) tenha ajudado, mas, como comentado antes na Gazeta do Povo, a relação entre posse e porte de armas e os índices de violência ainda é altamente contestada na literatura especializada.

Fonte causal que também não pode ser descartada para a redução dos assassinatos é a profissionalização e política dos próprios criminosos. Como comenta o Atlas da Violência, houve acordos entre grandes facções do tráfico de drogas em 2018 e 2019, após o conflito aberto observado de 2016 a 2017.

Aumento de mortes indeterminadas explica queda nos homicídios?

Uma das maiores dificuldades em se estabelecer uma tendência clara de redução dos homicídios no Brasil nos últimos cinco anos é que, ao mesmo tempo, subiu o número de mortes violentas para as quais o Estado não conseguiu estabelecer causas ou intenções claras. Na lei brasileira, a morte violenta é aquela que é não-natural, com causas externas: homicídio, suicídio e até acidente. Aqui, usaremos o termo “homicídio” para juntar homicídios, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte.

Antes de buscar explicações para a queda na violência, a reportagem buscou apurar, por testes estatísticos, se a queda foi real ou um resultado de uma mudança de métodos que antes classificavam mortes violentas como homicídios e depois passaram a classificar uma parte importante delas como mortes violentas de causa indeterminada. Um modo de testar se a queda nos homicídios é real é ver se a baixa nos números segue de perto o aumento nas mortes indeterminadas, ou seja, se há uma correlação negativa. Os estatísticos definem a correlação como um número que pode ser expresso entre 0 e 1. Quanto mais próximo de 1, mais as duas coisas testadas parecem responder uma à influência da outra. Um número negativo indica que as duas quantidades tendem a mover-se em direções opostas; quando uma sobe a outra desce e vice-versa. Em todo o Brasil, considerando todo o período de 1996 a 2020, a correlação foi de -0,33: negativa, mas não muito grande.

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A reportagem também calculou a correlação entre homicídios e mortes violentas indeterminadas para cada uma de todas as unidades da federação. Em 15 estados e no Distrito Federal, a correlação foi negativa. Em sete deles, mais fraca que a correlação do país inteiro. Em Minas Gerais, por exemplo, o valor é de apenas -0,24, o que indica que nesse estado a queda de homicídios dificilmente pode ser atribuída ao aumento da classificação de mortes violentas como indeterminadas. Mas pode não ser o caso dos lugares em que a correlação negativa foi mais forte, maior que a nacional:

  • Rio Grande do Sul: -0,82
  • Rio Grande do Norte: -0,68
  • Goiás: -0,64
  • Sergipe: -0,6
  • Distrito Federal: -0,53
  • Espírito Santo: -0,48
  • Maranhão: -0,45
  • Paraná: -0,38
  • Rondônia: -0,37

Especialmente no topo da lista. Entre as correlações negativas mais fracas que a nacional estão a do Rio de Janeiro (-0,17) e a de Santa Catarina (-0,18).

Porém a alta correlação negativa dos estados no topo da lista poderia ser explicada pelo aumento nos homicídios entre 1996 e 2017 ter sido acompanhada por uma queda nas mortes indeterminadas: pode ser que o estado melhorou em esclarecer as causas das mortes violentas, creditando a homicídio corretamente mais mortes. Mais suspeito é o período entre 2018 e 2020, onde há um claro aumento no número das mortes indeterminadas. Porém, mais estudo é necessário para investigar a questão.

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Em 11 estados, a correlação foi positiva, ou seja, mortes indeterminadas caminharam junto com os homicídios, especialmente onde o valor é maior: Paraíba (0,75), Piauí (0,63) e Roraima (0,51). São Paulo teve correlação de 0,25.

Nossa análise notou que os suicídios aumentaram entre 1996 e 2020, seguindo o aumento da população em geral, até quase 14 mil suicídios em 2020. A taxa subiu quase 70%, de cerca de 4 suicídios por 100 mil habitantes no ano 2000 para 6,5 por 100 mil em 2020. Subiram também, com taxa mais variável, as mortes que aconteceram em confrontos com a polícia, com um pico de cerca de 2000 mortos em 2020. Mais variável foi a taxa com que aumentaram e baixaram nesse período as mortes violentas de causa indeterminada.

Conclui-se que, embora tenha havido um aumento das mortes indeterminadas após 2017, isso explica apenas uma pequena parcela da queda dos homicídios no mesmo período. A queda em 2018 e 2019 é generalizada, acontece em quase todos os estados. A subida em 2020 é menos generalizada, mas acontece na maioria dos estados, enquanto outros continuam a ter baixa. O padrão de queda fica mais claro considerando a mais precisa taxa de mortalidade, que leva em conta o tamanho da população brasileira. O pico foi de 31 mortos por 100 mil habitantes em 2017, caindo para 22 por 100 mil em 2020, uma redução de 37%.

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