A saúde mental de Donald Trump é motivo de especulação desde que começou a disputa pela presidência, mas agora 28 congressistas democratas assinaram um projeto de lei, introduzido em abril, que pode levar a uma avaliação formal de suas condições.
A intenção do documento é acionar uma parte da 25ª Emenda, que dá ao Congresso o poder de avaliar a capacidade do presidente de governar. A comissão designada deve ter onze membros, sendo que pelo menos oito precisam ser médicos, incluindo quatro psiquiatras.
Se esses profissionais concluírem que Trump não tem condições de governar, e o vice-presidente concordar, então ele se tornará o presidente interino. Uma vez que a tal emenda foi concebida para lidar com incapacidades temporárias, ela permite ao presidente anunciar sua recuperação – o que Trump deve fazer imediatamente –, forçando os congressistas a se manifestar em relação à questão por meio de uma votação.
O papel da psiquiatria nesse processo pode ser problemático. Um de nós é democrata; o outro, republicano (ainda que cada vez mais ambivalente), mas como psiquiatras e cidadãos, concordamos em um ponto: a profissão médica e a democracia só teriam a perder se, a essa altura, uma determinação política fosse tomada sob o disfarce de julgamento clínico.
Muito se tem escrito ultimamente sobre a Regra Goldwater, ou seja, a determinação da Associação Americana de Psiquiatria que proíbe seus membros de avaliarem quem quer que seja se não pessoalmente. A regra é de 1973, quando a análise dos processos inconscientes dos pacientes guiava o diagnóstico. Hoje, ele quase sempre está ligado a traços observáveis, o que torna a avaliação à distância plausível. Mesmo que Trump se recuse a cooperar, o diagnóstico pode ser a parte mais fácil – talvez até demais, aliás. Mesmo que não possam declarar, muitos especialistas acreditam que Trump sofre do transtorno de personalidade narcisista – com demonstrações padrão de exigência por deferência especial, necessidade de admiração contínua etc.
Entretanto, diversos presidentes permaneceram no poder, mesmo revelando algum tipo de problema mental. Os historiadores acreditam que Abraham Lincoln, por exemplo, era clinicamente depressivo. Um presidente pode ter algum transtorno e, ainda assim, agir admiravelmente. E, na falta de alguma incapacidade qualquer, pode ser inexperiente, indeciso ou inepto. Os psiquiatras ficariam com medo se as doenças mentais fossem consideradas um senão absoluto para a admissão no funcionalismo.
A 25ª Emenda é imprecisa, mas deixa clara a intenção de lidar com as deficiências recorrentes de uma doença. Uma vez que ela é diagnosticada, os médicos do painel têm que determinar se o presidente está incapacitado e se essa incapacidade é decorrente do mal. Em casos graves, como surtos psicóticos, demência severa ou um AVC irreversível, a relação é fácil – mas o que dizer das condições que não desqualificam automaticamente?
Os traços que podem levar ao diagnóstico de transtorno de personalidade de Trump estavam à mostra durante as eleições. Para seus correligionários, seu egotismo era perfeitamente compatível com a liderança. Ele governa fazendo campanha; é impulsivo, errático, beligerante e vingativo.
Mas será que é inepto para o governo à luz da 25ª Emenda? Se sim, ela poderia ter sido acionada no dia em que tomou posse; se não, quando a incapacidade se manifestou? Como a comissão vai monitorar o comportamento do presidente para dizer qual é ou foi a gota d'água?
Em termos práticos, se não morais, essas decisões seriam menos problemáticas se Trump sofresse, digamos, do mal de Alzheimer, que reforça os traços mais fortes de sua personalidade. No que se refere à aceitação da opinião dos especialistas, talvez fosse mais fácil para seus seguidores engolir a remoção de um comandante-chefe demente do que de um que seja narcisista.
Considerando somente os transtornos de personalidade: como eles estão relacionados à forma física? Será que o comportamento errático pode ser estratégico? Quanto mais minuciosas, menos científicas e médicas se tornam as decisões.
Por mais falha que seja, a Regra Goldwater livra os psiquiatras da tentação de manipular diagnósticos para fins partidários. A criação de uma comissão de supervisão reaviva ainda mais essa preocupação. Assumindo que os médicos confirmem que Trump é egotista, estarão declarando que ele é incapaz baseados em padrões pré-estabelecidos de conduta ou por ser quem é?
Esse resultado pode ser visto por aqueles que o elegeram como elitista e antidemocrático. O povo por acaso não tem o direito de eleger um líder excessivamente narcisista?
Para um presidente inepto, mas não passível de impeachment, e que ainda tenha o apoio de seu gabinete, a constituição oferece ao Congresso somente essa saída, a declaração de deficiência apresentada pelo órgão deliberativo de sua escolha – que nem precisa ser de maioria médica. O senador democrata por Indiana Birch Bayh, que foi quem criou a 25ª Emenda, ratificada em 1967, opôs-se especificamente à determinação médica de fazer o que considerava uma avaliação política.
Se chegarmos a um ponto em que o Congresso tenha que definir Trump como sendo incapaz e exonerá-lo de suas obrigações, seus membros precisarão criar uma comissão bipartidária, dominada por nomes respeitados, para liderar o processo. Obviamente, se a saúde do presidente se deteriorar drasticamente, será necessária a opinião médica.
Entretanto, quando o problema são traços de personalidade, um comitê de maioria médica simplesmente dará cobertura ao Congresso, permitindo que os legisladores, presumivelmente incluindo os da maioria, organizem a substituição do presidente, enquanto minimizam sua responsabilidade pelo ato.
*Peter D. Kramer é professor emérito de Psiquiatria da Faculdade de Medicina Brown. Sally L. Satel é psiquiatra e acadêmica residente do American Enterprise Institute.
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