A revelação de mensagens trocadas pela equipe de Alexandre de Moraes em sua atuação contra a "desinformação" nas eleições de 2022 também jogou luz sobre um nome fundamental na estrutura de poder montada pelo ministro do STF: o juiz Airton Vieira.
Ele foi citado em reportagens da Folha de S. Paulo que mostram os bastidores da atuação de Moraes no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Em uma das conversas, Airton Vieira afirmou que era preciso registrar uma informação como vinda do TSE, e não do gabinete de Moraes no STF. "Formalmente, se alguém for questionar, vai ficar uma coisa muito descarada", digamos assim", ele escreveu.
Vieira atua como “magistrado instrutor” lotado no gabinete de Moraes no STF, o que lhe dá o poder de assinar decisões em nome do ministro. Ele já havia aparecido no noticiário meses atrás em circunstâncias semelhantes às atuais.
Citado no Twitter Files
O nome de Airton Vieira aparece sete vezes no relatório divulgado pelo Comitê Judiciário da Câmara dos Representantes dos EUA em abril.
Por exemplo: em um dos ofícios enviados ao Twitter, em 14 de novembro de 2022, Vieira deu duas horas para que o Twitter removesse três contas, inclusive a do cantor gospel Davi Sacer. "Diante do caráter sigiloso destes autos, deverão ser adotadas as providências necessárias para a sua manutenção", ele escreveu.
Mas advogados que atuam no caso afirmam que a influência de Vieira é ainda maior do que a de um juiz auxiliar. "Ele é o cérebro por trás de muitas dessas decisões", disse à Gazeta do Povo um advogado cujo cliente teve as redes sociais removidas por ordem do gabinete de Moraes.
Posições conservadoras
Airton Vieira é conhecido como um juiz rigoroso. Em uma (rara) entrevista em vídeo concedida ao Observatório do Terceiro Setor em 2015, ele defendeu a redução da maioridade penal. "Se você pode aos 16 anos eleger o presidente da República, a mim me parece ser absolutamente inconcebível que você não possa responder criminalmente por um fato criminoso de que você vier a participar", afirmou.
Vieira também disse se opor ao movimento que pretende abrandar as penas impostas a criminosos. “Pessoalmente, eu não acredito que punições menos severas ajudem a reabilitar quem quer que seja", ele disse. “Eu tenho noção de que hoje eu não sou politicamente correto”, acrescentou.
O juiz afirmou ainda que o regime de progressão de pena é uma “brincadeira” que não pune criminosos indevidamente, e defendeu uma mudança no Código Penal para corrigir o que acredita ser uma distorção que favorece a reincidência.
Apoio à pena de morte
Na entrevista de 2015, Vieira também defendeu uma tese que poucos juízes ousam apoiar publicamente: a instauração da pena de morte no Brasil.
"Sou favorável, e digo mais: a maioria da população brasileira com toda a certeza defende a pena de morte. Só que não é hoje bonito defender a pena de morte, não é politicamente correto. Você é denominado de reacionário, de nazista, de fascista etc. por uma parte pequena da população, mas que faz um barulho muito maior do que aqueles que defendem a pena de morte”, afirmou o juiz.
Quando o entrevistador apresentou objeções à tese, Vieira apresentou outros argumentos a favor da pena de morte: "Até quando a sociedade de bem vai custear a prisão (...) de alguém absolutamente irrecuperável? Por que eu vou ficar custeando um criminoso desse jaez para que amanhã ele fuja da penitenciária e volte a matar, volte a estuprar e volte a narcotraficar? Não. Me desculpe. Aquele seria uma a menos. É um raciocínio simplista? É. Mas aquele não vai mais matar”.
Elogios de Moraes
Airton Vieira nasceu em 1965 e é juiz desde 1990, quando foi aprovado em um concurso do TJSP (Tribunal de Justiça de São Paulo).
A mulher dele, Claudia Caputo Bevilacqua Vieira, também é juíza no tribunal paulista (e filha de desembargador).
Vieira deu aula na PUC (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) por onze anos e assessorou o ministro Cezar Peluso no STF antes de ser convidado coordenar os procesos criminais no gabinete de Alexandre de Moraes. Os dois se conheciam desde os anos 90 e estreitaram os laços nos últimos anos.
Apesar de ter sido cedido peloTJSP ao STF, ele continuou progredindo no tribunal paulista. Em 2021, foi promovido a desembargador.
Em seu discurso de posse, com referências à Bíblia, Vieira lembrou que estudou no colégio Marista Nossa Senhora da Glória e formou-se em Direito na PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo. Ele disse que não quis concorrer no vestibular para a Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo).
“Eu não quis prestar vestibular na reconhecida e famosa São Francisco. Tive lá os meus motivos”, afirmou, sem dar maiores explicações. O juiz também lembrou que fez parte da congregação dos irmãos maristas e disse ser devoto de São Marcelino Champagnat, além de um "apaixonado pela Idade Média”.
Em seu discurso, o desembargador elogiou Moraes, que disse ter uma "inesgotável capacidade de trabalho aliada a uma assombrosa rapidez de raciocínio".
Por causa da pandemia, a posse foi feita por conferência de vídeo. Ao fundo, no escritório de Vieira, era possível ver uma foto da Torre Eiffel e um livro do pintor francês Toulouse-Lautrec.
Alexandre de Moraes discursou na posse de Vieira. Falando de improviso, o ministro do STF disse que seu assessor é "extremamente trabalhador”, “extremamente inteligente”, “dedicado", "de fácil trato" e uma pessoa "agregadora".
Moraes também ironizou a fama de linha dura de Vieira. Dirigindo-se ao desembargador, agradeçou "a sua serenidade, a sua competência, a sua tecnicalidade'", antes de emendar: "eu só não posso dizer aqui o seu garantismo, porque aí eu estaria mentindo demais. Nem um semi-garantismo existiria no Airton”.
O garantismo penal é uma escola influente do Direito que privilegia os direitos dos réus contra os excessos do "punitivismo".
Campanha para o STJ
Em 2023, Airton Vieira fez ampla campanha para conquistar uma vaga no STJ (Superior Tribunal de Justiça).
O apoio de Alexandre de Moraes certamente era um trunfo. Vieira chegou a deixar temporariamente a função no gabinete de Moraes para se dedicar ao projeto. Mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva preferiu indicar José Afrânio Vilela e Teodoro Silva para as duas cadeiras em aberto.
O histórico conservador de Vieira pesou contra. Mas não só isso.
Apesar da fama de rigoroso, Airton Vieira ganhou holofotes por ter concordado com a absolvição de um homem preso por prostituição infantil.
O caso aconteceu em Pindorama (SP). O réu, que tinha 76 anos à época do crime, confessou ter pago para manter relações sexuais com uma garota de 13 anos. Ele foi inicialmente condenado a oito anos de prisão, mas recorreu e foi absolvido por uma turma de desembargadores do TJSP. Vieira era um deles. Os juízes consideraram que o réu não tinha ciência de que a vítima era menor de idade.
No ano passado, o jornalista Tiago Pavinatto, então na Jovem Pan, mencionou o caso no ar e chamou Vieira de "tarado". Pavinatto, que também é doutor em Direito pela USP, foi demitido e está sendo processado pelo desembargador Vieira.
Na entrevista de 2015, Vieira disse que provavelmente cometeu injustiças em sua carreira de juiz. "Devo ter cometido. Não sou Deus, nenhum colega meu é Deus. A justiça dos homens é falha por excelência", afirmou.
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