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Antes de 7 outubro de 2023, o bilionário Bill Ackman gastava a maior parte do tempo discutindo oportunidades de investimento e inovações tecnológicas, intercaladas com comentários esparsos sobre política. Sua página na rede social X, onde Ackman tem mais de 1 milhão de seguidores, refletia essa hierarquia de interesses.
Mas os ataques brutais do Hamas a civis israelenses — e a reação chocante da ala mais radical da esquerda americana — mudaram as prioridades de Ackman rapidamente. Agora, ele está em uma guerra aberta contra a administração do MIT, o prestigioso Instituto de Tecnologia de Massachusetts.
Ackman — um judeu novaiorquino de centro-esquerda com um histórico de doações ao Partido Democrata — quer mostrar como a ideologia radical corrompeu as instituições de ensino mais tradicionais dos Estados Unidos. E ele não está sozinho.
Quem é Bill Ackman
Dono de uma fortuna de US$ 4 bilhões (R$ 19,5 bilhões), Bill Ackman está entre as 800 pessoas mais ricas do mundo de acordo com a revista Forbes. Ele é dono Pershing Square Capital Management, uma administradora de investimentos no mercado financeiro.
Ackman conhece a elite universitária americana de perto: ele se formou em Harvard, onde também obteve um MBA. A mulher dele, Neri Oxman, é doutora pelo MIT e já deu aula na instituição.
O bilionário também transita bem entre as elites do Partido Democrata, embora mais recentemente tenha demonstrado interesse nas candidaturas do independente Robert Kennedy Jr. e do republicano Vivek Ramaswamy à Casa Branca.
Ackman não é a pessoa mais modesta do mundo — a ponto de compartilhar uma imagem de si mesmo como um general romano à frente de suas tropas. O bilionário também faz parte da pequena lista de pessoas capazes de escrever uma postagem com mais de 24 mil caracteres no X. Por outro lado, ele é um bom frasista. Comentando a queda na procura de estudantes por Harvard, Ackman escreveu que “construir uma reputação leva 400 anos, mas destruí-la leva apenas alguns meses.”
Reação a antissemitismo
Os ataques terroristas de 7 de outubro foram celebrados por parte da esquerda radical americana, que se manifesta sobretudo nos campi universitários. Em passeatas e eventos logo após a ofensiva do Hamas, estudantes e professores declararam apoio à erradicação do estado de Israel sem que fossem punidos pelas instituições de ensino. É como se a preocupação quase paranoica dos progressistas com os assuntos de raça e etnia não se aplicasse aos judeus.
O caso chegou ao Congresso americano, que convocou representantes de algumas instituições universitárias de elite. Em depoimento à Câmara dos Representantes (equivalente à Câmara dos Deputados) no dia 5 de dezembro, as reitoras de Harvard e da Universidade da Pensilvânia foram incapazes de condenar diretamente a defesa do genocídio do povo israelense. A reitora do MIT não se saiu muito melhor.
As consequências foram desastrosas para a presidente da Universidade da Pensilvânia, Liz McGill, que renunciou seis dias depois. A de Harvard, Claudine Gay, só abriu mão do cargo em 2 de janeiro, já imersa em outro escândalo: o de que ela plagiou outros autores em sua tese de doutorado e em artigos científicos.
O episódio expôs o fracasso dos programas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI, na sigla em inglês) das universidades americanas. Os programas, que se tornaram onipresentes na última década, têm como objetivo declarado o combate à discriminação. Mas muitos deles se omitiram diante de casos concretos de ameaça contra estudantes judeus.
Acusação de plágio contra a mulher e guerra contra o MIT
Ackman já havia reagido publicamente ao antissemitismo em Harvard e no MIT nos dias que se seguiram ao ataque do Hamas. Mas a declaração de guerra contra o comando das universidades aconteceu na última semana, depois do que ele considerou um ataque pessoal.
A página de notícias Business Insider publicou acusações de plágio contra a mulher de Ackman, Neri Oxman, que até então não havia entrado na controvérsia. Para piorar, deu um prazo curto para que Neri Oxman se pronunciasse sobre as acusações.
Convencido de que a reportagem partiu de fontes dentro do MIT interessadas em tirar a credibilidade de suas críticas à instituição, Ackman contra-atacou: lançou uma iniciativa para revisar as publicações acadêmicas de todos os professores do MIT em busca de evidências de plágio.
"Todo professor universitário sabe que, uma vez que o seu trabalho for alvo da Inteligência Artificial, eles vão ser removidos. Nenhum exemplar de trabalho escrito na academia é capaz de sobreviver ao trabalho da Inteligência Artificial, buscando por aspas omitidas, falhas em parafrasear corretamente, e/ou a falta de crédito adequado ao trabalho de outros", ele escreveu, ao anunciar o projeto.
Ainda não está claro como a iniciativa vai funcionar — a universidade tem mais de mil professores. O bilionário também se disse disposto a investir em startups que usem inteligência artificial para detectar casos de plágio.
Ackman também prometeu estender a varredura a outras universidades de elite: "Não foi apenas o corpo docente do MIT que não dormiu na noite passada. Os professores, os membros do conselho diretivo e a liderança administrativa de Harvard também não dormiram. Por que pararíamos no MIT? Não precisamos fazer um mergulho profundo na integridade acadêmica em Harvard também? E Yale, Princeton, Stanford, Penn, Dartmouth? (...) Embora façamos uma revisão detalhada do plágio no MIT, não seremos os únicos a fazê-lo."
Mudança de prioridades
Na mesma mensagem publicada em seu perfil na rede social X, Ackman explicou como os ataques de 7 de outubro mudaram as suas prioridades. "Quando acordei na manhã de 7 de outubro, meu primeiro pensamento não foi que iria lançar um esforço para salvar o ensino superior de si mesmo. Eu tinha outras preocupações mais urgentes sobre o mundo, e ainda as tenho. Mas, como todos sabemos, o nosso sistema de ensino superior é extremamente importante, porque pode afetar e influenciar as mentes das nossas gerações mais jovens, e assim influenciar profundamente a vida de todos nós", ele publicou.
As contradições morais da elite acadêmica americana têm atraído outros nomes que não fazem parte da direita. Entre eles, estão figuras respeitadas dentro da academia, como o antropólogo Steven Pinker (de Harvard) e cientista político Tim Kuran (da Univeridade de Duke). "Durante anos, os defensores da política de DEI falaram de uma plataforma moral elevada. Só os loucos poderiam ser contra a inclusão. A diversidade (conforme definida pelos especialistas em DEI) era evidentemente benéfica. Desde 7 de outubro, o patamar moral mudou. A política de DEI foi exposta como uma farsa", escreveu Kuran em 4 de janeiro.
Mas ninguém parece tão disposto a iniciar uma guerra contra o establishment universitário quanto Ackman, que já fez generosas doações ao MIT num passado recente.
O sistema de financiamento das universidades americanas explica o que está em jogo: embora sejam universidades particulares que cobram mensalidades altíssimas, as instituições de elite também dependem de doações dos seus ex-alunos mais ricos. Quando alguém influente no mercado financeiro questiona publicamente a credibilidade das instituições, o fluxo de recursos tende a diminuir.
A guerra de Bill Ackman contra o MIT é mais um sinal de que a esquerda radical americana pode ter ido longe demais.