Francisco Costa Rocha, o Chico Picadinho, ficou conhecido por estrangular e cortar suas vítimas em pedaços. Ele pode voltar às ruas por decisão do CNJ| Foto: Wikimedia Commons
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Mal foi solto por bom comportamento, em 1974, Francisco Costa Rocha voltou a frequentar a região da Boca do Lixo, no bairro da Luz, no centro de São Paulo. Em 16 de outubro de 1976, sentou-se em um bar com a prostituta Ângela de Souza Silva, de 34 anos. Dali, foram ao apartamento que ele dividia com um amigo na Avenida Rio Branco. Ali, durante a relação sexual, ele a matou por estrangulamento. “Primeiro eu a esganei, com as mãos. Depois coloquei o corpo na banheira e cortei. Mais tarde, tive sono e dormi”, ele relataria depois.

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Usando uma faca, picotou o corpo, de forma que os pedaços coubessem em malas. Partes ainda menores foram descartadas pelo vaso sanitário. Rocha já havia usado a mesma estratégia dez anos antes, quando, também durante o sexo, matou por asfixia a bailarina austríaca Margareth Suida, de 38 anos. Nos dois casos, foi preso sem reagir. Em 1976, chegou a se deslocar até Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, antes de ser encontrado, 28 dias depois do crime, numa praça, lendo uma revista que relatava o caso.

Quando foi detido pela segunda vez, já era conhecido pelo apelido de Chico Picadinho. Os repórteres perguntaram se ele era louco. Ao que ele respondeu: “O que você acha de um homem que esquarteja duas mulheres?”

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Chico Picadinho nunca mais foi solto, ainda que tenha terminado de cumprir a pena em 21 de novembro de 1998, e, em 2017, a juíza Sueli Zeraik de Oliveira Armani, da 1ª Vara de Execuções Penais de Taubaté, tenha determinado que ele ganhasse a liberdade, já que, segundo o texto da magistrada, havia declarado a intenção de “integrar-se socialmente, mostrando-se bem seguro e determinado neste propósito, assim como bastante lógico no raciocínio”. A medida acabou sendo derrubada antes que ele deixasse a Casa de Custódia de Taubaté, no interior de São Paulo, onde está desde 1994 — ano em que foi declarado mentalmente incapaz.

Agora, com a decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de encerrar as atividades dos manicômios judiciários em todo o país, ele pode voltar às ruas. Aos 81 anos, deixaria então sua cela individual de oito metros quadrados, mobiliada com um lavatório e uma cama.

Repercussão negativa

Chico Picadinho é uma das quase 2 mil pessoas mantidas em manicômios judiciários por terem cometido crimes, incluindo assassinatos, latrocínios e casos de pedofilia. Até maio de 2024, quando estarão fechados todas as 28 manicômios judiciários do país, eles poderão, segundo a determinação do CNJ, ser liberados para contar com “reabilitação psicossocial assistida em meio aberto”. Ou seja, são criminosos considerados inimputáveis que a partir de agora seriam monitorados apenas pela Rede de Atenção Psicossocial (Raps) do Ministério da Saúde.

A decisão provocou uma reação em cadeia de uma série de entidades, incluindo o Conselho Federal de Medicina (CFM), a Associação Brasileira de Psiquiatra (ABP), a Associação Médica Brasileira (AMB), a Federação Nacional dos Médicos (Fenam) e a Federação Médica Brasileira (FMB). “O sistema público de saúde e o sistema prisional comum não estão preparados para receber todas essas pessoas, por isso haverá abandono do tratamento médico, aumento da violência, aumento de criminosos com doenças mentais em prisões comuns, recidiva criminal, dentre outros prejuízos sociais”, afirmam, em nota conjunta.

De acordo com a decisão do CNJ, uma junta médica terá um ano para avaliar a situação de cada interno e decidir quem terá direito a receber tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS), em liberdade. Na prisão, Chico Picadinho tem fama de ser um homem tranquilo, que evita problemas, passa boa parte do tempo pintando e lendo. É ávido leitor de escritores como Fiódor Dostoiévski e Franz Kafka e responsável pela biblioteca da Casa de Custódia de Taubaté. Foi em decorrência do bom comportamento, aliás, que ele havia sido solto na década de 70, antes de completar metade da pena a que havia sido condenado em 1966.

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Tentativa mal sucedida

Nascido em Vila Velha, no Espírito Santo, em 27 de abril de 1942, Chico Picadinho foi resultado de um relacionamento extraconjugal de um exportador de café. Passou dois anos da infância longe tanto do pai quanto da mãe, vivendo com um casal em uma casa em Cariacica. No futuro, ele relataria ter sido vítima de abuso. Entre os passatempos do jovem Francisco estava matar gatos.

Ele voltou a viver com a mãe por alguns anos, até ser expulso de casa. Seguiu para São Paulo, onde se tornou corretor de imóveis. Virava as noites na Boca do Lixo até que, aos 24 anos, em 4 de agosto de 1966, matou Margareth Suida. Na época, mantinha um apartamento na Rua Aurora, onde esquartejou a mulher. Acabou contando o crime para o colega com quem dividia o espaço — e que o denunciou.

Em 1976, ao ser libertado, e antes de cometer o segundo assassinato, ainda atacou a Rosemarie Michelucci dentro de um motel na Zona Leste de São Paulo. Mas ela escapou, mesmo tendo sido atingida por uma facada. Nos dois apartamentos onde cometeu seus crimes, foram encontrados pedaços de cartolina com desenhos de mulheres nuas.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]