Um dos tatuadores que torturou o jovem já foi preso por roubo| Foto: Reprodução

Na testa, a tatuagem: "eu sou ladrão e vacilão". Com vergonha de voltar para casa e sem saber o que fazer, o adolescente de 17 anos estava jogado na rua, com as roupas sujas e usava um boné velho para cobrir o rosto tatuado quando foi encontrado por parentes no último sábado. "Parecia um mendigo", lembra Vânia Aparecida Rosa da Rocha, mãe do rapaz. 

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Um dos responsáveis pela tatuagem, veja só, foi condenado por roubo

O jovem foi submetido a uma sessão de tortura após tentar furtar uma bicicleta em São Bernardo do Campo, no ABC paulista. Tudo foi gravado e amplamente divulgado nas redes sociais. Nas imagens, o adolescente aparece sentado em uma cadeira de plástico, sem demonstrar qualquer reação. Antes de começar a rabiscar o rosto do menor de idade, o tatuador Maycon Wesley Carvalho dos Reis, 27 anos, avisa que aquilo seria "muito bom" e que "ia doer". O pedreiro Ronildo Moreira de Araújo, 29 anos, filma tudo com um celular e dá gargalhadas. 

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A dupla obriga o garoto a olhar para a câmera e a pedir para ser tatuado. "Antes eu dizia não quero, não quero", conta o jovem à Gazeta do Povo, que implorou para que eles não fizessem aquilo. "Depois que eu vi o que estava escrito, eu chorei. Eu só consegui chorar de ódio". 

O garoto é alcóolatra e viciado em crack. Ele tinha fugido de casa havia mais de uma semana e perambulava pelo centro de São Bernardo do Campo quando parou em frente a uma pensão. Lá dentro, viu havia uma bicicleta e, confessa, pensou em furtá-la para comprar mais droga. Não teve tempo. Logo foi empurrado para dentro do imóvel por Reis e Araújo. Moradores do local, os amigos decidiram dar um "corretivo" no rapaz. "Eu estava muito bêbado. Me chamaram lá para dentro, eu fui. E então falaram que eu era um ladrão safado e que iam fazer uma tatuagem em mim", lembra. 

O tatuador e o pedreiro foram presos na última sexta-feira (9). O adolescente ainda estava desaparecido quando a família recebeu as fotos e o vídeo da tortura através de um aplicativo de mensagens. O tio, Valdo Aparecido Rocha, não teve coragem de assistir a gravação. Mas levou as imagens para a polícia — que conseguiu localizar os criminosos na pensão onde tudo ocorreu. O dono da bicicleta que seria furtada é deficiente físico e condenou a ação dos vizinhos. Disse que jamais permitiria que a agressão ao rapaz acontecesse se estivesse em casa. 

A imagem do jovem tatuado viralizou na internet e gerou repercussão internacional. Uma vaquinha virtual arrecadou dinheiro para a remoção da tatuagem. A Prefeitura de São Bernardo do Campo também se comprometeu a "disponibilizar todo o procedimento médico e cirúrgico" que for necessário. Parentes disseram que, até o fim da tarde desta segunda-feira (12), nenhum agente público entrou em contato com eles. 

Um vazio que não dá para explicar 

Mais velho de seis irmãos, o adolescente não vive com a mãe desde o primeiro ano de vida. O pai nunca apareceu. A avó materna e o tio decidiram "pegar o menino para criar" porque tinham uma condição financeira um pouco melhor. 

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Melhor, mas não suficiente. O sustento da família vinha de um aterro sanitário em Embu das Artes, na Grande São Paulo. Dormiam na rua e garimpavam o lixo para conseguir sobreviver. 

"Nós comemos restos, bebemos restos de refrigerante sem saber quem colocou a boca antes, mas nunca pegamos nenhuma doença", lembra Valdo Aparecido Rocha. 

A única doença da qual o jovem de 17 anos não conseguiu se livrar foi a dependência química. Começou a usar maconha muito cedo: aos 12. Aos 14, conheceu a cocaína e um ano depois já estava viciado em crack. 

Rocha não sabe explicar ao certo como a vida do sobrinho tomou esse rumo. "Ele sempre foi um menino muito triste. Por falta de oportunidade da vida, não pela família, a gente nunca deu as costas para ele. Mas ele é um moleque carente que precisa de atenção". 

Os parentes também acreditam que ele tenha algum tipo de deficiência mental já que o garoto sempre "foi muito agitado". Chegaram a agendar uma consulta no neurologista. "Mas a máquina quebrou, sabe como é saúde pública, né?", conta a mãe. Quando conseguiu remarcar o médico, o adolescente já tinha começado a desaparecer, vez ou outra, de casa. Sumir por três, cinco ou até vinte dias se tornou rotina. 

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Rocha diz que o sobrinho ia para a rua atrás de drogas e comida. A luz e a água da casa onde moram no Jardim Ipê, periferia de São Bernardo do Campo, estão cortadas há dois meses. O bico que ele faz como ajudante de caminhoneiro nem sempre garante alimento para toda a família. Ele se emociona ao lembrar que um dia encontrou o sobrinho vagando pelo centro da cidade com um saco de pipoca na mão. "Na rua, ele sempre conseguia alguma ajuda". 

O adolescente não gosta de falar muito sobre os motivos que o levaram às drogas. Largou a escola na oitava série. E assume que sempre sentiu "um vazio assim, que não dá para explicar" e que ele sempre buscou preencher. 

Agora, com a testa marcada pela tatuagem, ele tem vergonha de ir até o portão. "Esses caras detonaram a minha vida. Não tenho nem coragem de me olhar no espelho. Como é que vai ser agora?", questiona. 

Além da remoção da tatuagem, a família quer internar o adolescente em uma clínica de reabilitação. "Algo que adiante mesmo, sabe?", diz a mãe. Ele já tratou a dependência química por duas vezes no CAPS (Centro de Assistência Psicossocial) de São Bernardo do Campo, sem sucesso. 

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Discurso de ódio e antecedentes criminais 

O tatuador Maycon Wesley Carvalho dos Reis e o pedreiro Ronildo Moreira de Araújo tiveram a prisão preventiva decretada pela juíza Inês Del Cid no último sábado. Eles foram indiciados por tortura — crime hediondo e inafiançável — e já foram transferidos para o sistema prisional. 

Ao término da gravação feita pela dupla, fica evidente o discurso de ódio. Um deles avisa: "isso é pra vocês, seus ladrões filhos da puta. Vocês merecem morrer, velho". 

Sob o argumento de fazer justiça com as próprias mãos, um dos homens responsáveis por tatuar "ladrão" na testa do adolescente ironicamente já foi preso. Em 2011, Ronildo foi condenado a cinco anos e quatro meses de prisão por ter roubado a bolsa de uma mulher em novembro de 2008. 

O adolescente espera que a comoção gerada pelo caso ultrapasse as redes sociais e lhe renda alguma oportunidade de emprego ou de retorno aos estudos. Os maiores desejos agora são "deixar a vida de noia para trás" e remover a tatuagem. Já a lembrança do que aconteceu, ele diz, jamais será apagada. "Não vou perdoar nunca. Eles me trataram como lixo". 

Vânia Aparecida e o filho vão voltar a morar juntos, em busca de um recomeço, de uma vida completamente diferente. "Já pensou se todos os nossos erros fossem tatuados na nossa testa?".

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