Robert Mercer, gerente de fundo de investimentos e um dos maiores apoiadores da corrida eleitoral do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ganhou notoriedade após sua empresa de dados políticos, Cambridge Analytica, atuar em campanhas de candidatos republicanos. A transformação de Mercer em figura pública, porém, teve efeito contrário na sua atuação: a Cambridge Analytica desapareceu, as doações de Mercer para candidatos republicanos diminuíram e o bilionário se afastou dos holofotes públicos.
Além de Robert Mercer, que investiu milhões em esforços para remodelar a política conservadora (como o financiamento a Breitbart News, site de notícias comandado por Steve Bannon), por trás da Cambridge Analytica também está Alexander Nix, diretor de eleições no SCL Group, uma empresa britânica de pesquisa comportamental e comunicação estratégica.
Tudo começou em 2013, quando Mercer e Nix fizeram uma parceria durante as eleições para governador na Virgínia, trabalhando na campanha do republicano Ken Cuccinelli, que acabou não sendo eleito – mesmo assim Mercer e Nix seguiram com a estratégia de utilizar dados para fins políticos e criaram a Cambridge Analytica.
Mensagem e mensageiro
A Cambridge Analytica foi uma empresa de dados que prometia aos clientes informações sobre o comportamento dos consumidores – ou dos eleitores. Do ponto de vista comercial, isso significa dispor de ferramentas para segmentação de audiência e direcionamento desses diferentes públicos em “múltiplas plataformas”. Do ponto de vista político ela seguia basicamente o mesmo princípio, mas com uma diferença: enquanto os anunciantes geralmente segmentam consumidores como grupos, as campanhas políticas precisam atingir pessoas específicas, ou seja, eleitores receptivos a uma determinada mensagem.
“Combinando a precisão da análise de dados com os insights da psicologia comportamental e a melhor tecnologia de publicidade individualmente direcionada você pode executar uma campanha verdadeiramente de ponta a ponta”, dizia o site da empresa (ainda é possível visitar no Internet Archive).
A Cambridge Analytica desapareceu juntamente com Mercer. O magnata é um homem reservado: o presidente Trump teria dito, na época da campanha eleitoral, que a conversa mais longa com Mercer teve apenas duas palavras. “Fico feliz de cuidar da minha vida sem dizer nada a ninguém”, disse Mercer ao Wall Street Journal.
“Eles são muito privados”, afirmou Dan Eberhart, um investidor de petróleo e gás do Arizona que compartilha o mesmo apoio de Mercer a causas republicanas. “É negativo para eles se envolverem mais”, continua.
Após a divulgação da sua contribuição para a campanha de Trump, ativistas de esquerda protestaram na frente da casa de Mercer em Long Island e pediram a remoção da sua filha, Rebekah Mercer, do conselho do Museu Americano de História Natural. Mas ao contrário das suposições dos ativistas de esquerda, o posicionamento político oficial de Mercer é uma incógnita: ele nunca deu entrevista expondo suas opiniões.
“Não tenho ideia de quais são seus pontos de vista políticos. Eles são desconhecidos, não apenas para o público, mas também para a maioria das pessoas que atuam na política há trinta anos”, diz Trevor Potter, presidente do Campaign Legal Center, um grupo de vigilância não-partidário.
A única evidência é de que Mercer é de direita, mas mesmo assim sem detalhes de para qual lado pende no lado conservador do espectro político. Em carta aos investidores da Renaissance Technologies, empresa de hedge funds que usa algoritmos para modelar e negociar no mercado financeiro, Mercer disse defender um Estado mínimo. “Acredito que um grupo de indivíduos que tomam suas próprias decisões dentro dos limites de um conjunto claro e conciso de leis que eles determinaram para si mesmos, irá avançar a sociedade com muito mais eficácia do que um grupo de especialistas”, escreveu Mercer. “É por isso que apoio a direita, que é a favor de um governo menor e menos poderoso”, completou.
A sua aproximação com a campanha de Trump foi gatilho para críticos acusarem-no de ser defensor da supremacia branca — o que foi negado com veemência por Mercer em um comunicado. “Das muitas descaracterizações feitas pela imprensa, as mais repugnantes foram as insinuações de que sou um supremacista branco ou membro de algum outro grupo nocivo. Discriminação com base em raça, etnia, gênero, credo ou qualquer coisa desse tipo é abominável. Mas mais que isso, é ignorante”, disse Mercer.
Antes da “fama”
Mercer é o homem por trás da Cambridge Analytica e do Breitbart News, mas sua atuação é anterior e maior que as eleições republicanas. Com PhD em ciência da computação pela Universidade de Illinois, ele foi especialista em processamento de linguagens na IBM, onde foi responsável por avanços na área que foram cruciais para o desenvolvimento da inteligência artificial. Em 1993, saiu da IMB para juntar-se à Renaissance. Já na companhia, assumiu o cargo de co-CEO em 2011, quando o fundador da Renaissance, James Simons, se aposentou. Durante esse período, ajudou a revolucionar a indústria financeira através do uso de algoritmos de negociação.
Foi na Renaissance que Mercer chegou à fortuna de hoje — cuja soma é desconhecida. Nos últimos anos, ele ajudou a financiar candidatos republicanos, principalmente após decisão judicial, em 2010, que passou a permitir que Comitês de Ação Política recebessem doações ilimitadas de corporações e organizações.
A família Mercer também financia grupos conservadores por meio de sua fundação, Mercer Family Foundation. De acordo com a declaração de imposto mais recente, publicada pela Maplight.org, a fundação gastou US$ 15 milhões em 2017, o menor valor desde 2013.
Já na campanha eleitoral de 2016, Mercer doou US$22,5 milhões para candidatos republicanos. Após a notoriedade controversa envolvendo a eleição de Trump, Mercer mudou o perfil de doações: em 2018, destinou cerca de US$ 6 milhões a mais de 40 grupos – volume consideravelmente menor que na eleição anterior, mas que ainda o coloca entre os 15 maiores doadores para candidatos de direita. Os maiores beneficiários foram candidatos republicanos ao Senado, como Chris McDaniel no Mississippi (US$ 1 milhão) e Kelli Ward no Arizona (US$ 800.000).
No mesmo período, a família Mercer passou a investir em novas causas, fora do meio político. Em 2018, a fundação doou US$ 1 milhão para a Associação Multidisciplinar de Estudos Psicodélicos. A entidade estuda o potencial do MDMA, droga também conhecida como ecstasy, para tratar veteranos de guerra com transtorno de estresse pós-traumático.
Brexit
Antes da campanha presidencial de Trump, Mercer teria participado das estratégias por trás do Brexit. E-mails revelados em dezembro de 2018 mostram que em dezembro de 2015 o ex-assessor de Trump, Steve Bannon, e a Cambridge Analytica estavam participando de discussões com os líderes da Leave.EU, organização nacionalista na Inglaterra.
No mês seguinte, a Leave.EU lançou uma campanha pedindo aos eleitores britânicos que apoiassem um referendo a favor da saída da União Europeia. Em junho de 2016, o Reino Unido votou pelo Brexit. A decisão ainda causa instabilidade no Reino Unido.
“O Brexit não teria acontecido sem a Cambridge Analytica”, disse Christopher Wylie, ex-funcionário da Cambridge Analytica e principal fonte do escândalo envolvendo a empresa e o Facebook, em entrevista recente ao El País. [1]
“O referendo foi ganho com menos de 2% dos votos e muito dinheiro foi gasto em publicidade na medida certa, com base em dados pessoais. Essa quantidade de dinheiro compraria milhões e milhões de impressões. Se você se dirige a um grupo pequeno, pode ser definitivo”, completou.
Sucessora
Agora, a expectativa é que a atuação da família na política fique por conta da filha de Robert, Rebekah Mercer. Em evento filantrópico em outubro do ano passado, Rebekah foi premiada pela editora conservadora Encounter Books por “promover os ideais americanos”.
“Não serei silenciada”, declarou Rebekah em discurso de agradecimento. Para Eberhart, que dirige a Eberhart Capital LLC, é improvável que a família Mercer desapareça da cena: “Rebekah Mercer, pelo meu entendimento, ainda está procurando os candidatos certos para apoiar, e acho que ainda vamos vê-la fazendo coisas grandes”.