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Com apenas 30 anos e “cara de 13”, Satchel Ronan O'Sullivan Farrow acaba de ganhar o prêmio Pulitzer, supostamente o mais importante do jornalismo mundial, e de lançar um livro sobre a decadência da diplomacia norte-americana | Reprodução/ YouTube
Com apenas 30 anos e “cara de 13”, Satchel Ronan O'Sullivan Farrow acaba de ganhar o prêmio Pulitzer, supostamente o mais importante do jornalismo mundial, e de lançar um livro sobre a decadência da diplomacia norte-americana| Foto: Reprodução/ YouTube

Hannah e Suas Irmãs (1986), possivelmente o melhor filme de Woody Allen, teve várias cenas filmadas no apartamento da atriz Mia Farrow, que por acaso era a protagonista da história. Como espectador e voyeur, ao assistir ao filme eu me deleitava com aquele ambiente meio caótico dos jantares do Dia de Ação de Graças e dava atenção especial às crianças que habitavam o cenário de extrema sofisticação intelectual. E me perguntava, não sem um pouco de inveja inocente, como seria a vida daquelas pessoas tão realizadas, completas e enganadoramente perfeitas. 

Era um inferno, a julgar pelas palavras de Ronan Farrow, único filho biológico de Mia Farrow e Woody Allen (há controvérsias quanto a isso, como veremos adiante) e que, obviamente, não está entre as crianças retratadas na obra-prima do pai, já que nasceu no ano seguinte, 1987, às vésperas do lançamento do soporífico Setembro. E um inferno que, a despeito disso ou justamente por isso, parece estar na base da formação moral e intelectual do novo queridinho da intelligentsia nova-iorquina. 

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Com apenas 30 anos e “cara de 13”, como afirmou o jornalista Andrew Anthony, do The Guardian, Satchel Ronan O'Sullivan Farrow acaba de ganhar o prêmio Pulitzer, supostamente o mais importante do jornalismo mundial, e de lançar um livro sobre a decadência da diplomacia norte-americana. O prêmio, dividido com o jornal The New York Times, é consequência da reportagem na qual Farrow expõe o produtor Harvey Weinstein, acusado por várias mulheres de assédio sexual. 

Talhado para o estrelato

Farrow chama a atenção ainda por sua origem controversa, como não poderia deixar de ser, o filho do “rei e rainha” dos círculos intelectuais de Manhattan. Ainda mais depois que Mia Farrow deixou no ar a suspeita de que Ronan é, na verdade, filho de outro grande astro, Frank Sinatra. No que o jornalista Michael Wolff chama de “grande esforço de relações públicas”, o “príncipe” Ronan evidentemente se recusou, até onde se sabe, a fazer um simples exame de DNA que poria fim à dúvida. Faz bem à carreira dele que o mistério seja mantido indefinidamente. 

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Vários indícios apontam Ronan como produto de um esforço consciente para se criar uma figura pública capaz de agradar suficientemente a esquerda intelectualizada para, quem sabe, um dia concorrer à Casa Branca. Para tanto, ele se submeteu até mesmo a uma mudança de “nome artístico” (antes de entrar para a administração Obama, Ronan se fazia chamar de Satchel). Sobre as insinuações de que tentará entrar para a política, Farrow nega – como manda o protocolo. 

A construção do personagem parece seguir um roteiro óbvio, daqueles que seu pai na certidão de nascimento não fazia e nos últimos anos vem fazendo com uma constância decepcionante. A despeito da infância conturbada numa casa com uma dezena de irmãos e irmãs adotivos, muitos dos quais gravemente doentes, do pai que se casou com a irmã e da mãe visivelmente instável, Farrow é retratado como uma espécie de “ovelha negra às avessas”, isto é, como a melhor coisa que “um exemplo de família pós-moderna” (nas palavras da Revista Time do remoto ano de 1992) é capaz de gerar. 

Diploma precoce

Foi assim que esse gênio de olhos profundamente azuis se formou na faculdade aos 15 anos, entrou para Yale aos 16 e aos 22 já tinha licença para atuar como advogado em Nova York. Mas não um advogado comum, de cifrões no lugar das pupilas, claro. Um advogado interessado em ações internacionais envolvendo direitos humanos. 

Mas de gênios malvados o mundo está cheio e os diplomas não bastam para agradar à opinião pública. Por isso, Farrow é tido também como um humanitário, tendo viajado várias vezes para regiões paupérrimas e de conflito, como Darfur, no Sudão, Libéria e Angola. Desde a adolescência, os Farrow (mãe e filho) se fizeram fotografar diversas vezes ao lado de crianças famélicas, fotos estas que mais tarde eram exibidas em jantares de gala em Nova York. 

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(Algo que, curiosamente, evoca outro personagem marcante da filmografia de Woody Allen. No musical satírico Todos Dizem Eu Te Amo (1996), Goldie Hawn interpreta Steffi, uma grã-fina que mora numa cobertura na Quinta Avenida e que, assolada pela culpa, passa o tempo em eventos beneficentes e se envolve em campanhas ridículas, como a que pretende arrecadar fundos para redecorar as celas num presídio)

Aos 25 anos, já com alguns diplomas debaixo do braço e alguns prêmios na parede (Farrow chegou a ser premiado por uma organização de apoio a sobreviventes do Holocausto), ele se tornou protegido do diplomata Richard Holbrooke no Departamento de Estado, então chefiado por Hillary Clinton. Assim, na administração Obama, e em meio à balbúrdia da Primavera Árabe, Farrow se tornou “conselheiro especial para temas mundiais envolvendo a juventude”. O que quer que isso signifique na prática. 

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Depois de sua passagem pelo funcionalismo público, Farrow voltou aos bancos escolares, desta vez em Oxford, para estudar filosofia. Ou, sendo mais específico, para pesquisar “a exploração dos pobres” em países como Afeganistão e Paquistão. Desta vez, contudo, o diploma não seria pago com royalties do cinema; Farrow conseguiu uma Bolsa de Estudos Rhodes, considerada uma das mais prestigiosas do mundo. A pergunta é se o genial e humanitário Farrow conhece a origem da bolsa de estudos criada por Cecil Rhodes – considerado pela esquerda como “um dos arquitetos do apartheid”. 

Missão de vida

Por mais que Farrow se esforce para ser mais do que “o único filho biológico de Mia e Woody”, é inegável que suas raízes, bem como o trânsito fácil no meio político, sobretudo no Partido Democrata, ajudaram a fazer dele o mais jovem âncora de um programa jornalístico nos Estados Unidos, o Ronan Farrow Daily, exibido pela MSNBC. E foi como jornalista investigativo que Farrow parece ter conseguido aquilo que considerava sua “missão de vida”: expor os escândalos do mundo do cinema. 

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Harvey Weinstein, o antes poderoso e hoje famigerado produtor, não foi um alvo escolhido à toa. Em 1994, Weinstein teria salvado a carreira em decadência de Woody Allen ao produzir, pela Miramax, o filme Tiros na Broadway, ganhador de um Oscar e indicado a mais seis. E hoje parece haver consenso de que todos sabiam das investidas de Weinstein. Só que apenas Farrow tinha o que faltava a seus colegas: uma missão. 

Tanto é assim que, depois que o caso Weistein ganhou as páginas da revista New Yorker e praticamente monopolizou o noticiário televisivo, Farrow investiu em apenas mais uma denúncia de assédio sexual, agora envolvendo o procurador-geral de Nova York Eric Schneiderman. Desta vez, contudo, não houve #MeToo nem manifestações ruidosas de celebridades; Schneiderman pediu demissão e a imprensa parece ter perdido o interesse pelo caso. 

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A mais recente e bem-sucedida empreitada de Farrow (uma das 100 pessoas mais influentes do mundo, de acordo com a revista Time, e um dos 100 homens mais sexys do mundo, de acordo com a revista People) é um calhamaço de 400 páginas sobre diplomacia. Em War on Peace (Guerra à paz, numa tradução livre), Farrow fala da decadência da diplomacia nas relações internacionais e da perda de influência dos Estados Unidos ao redor do mundo. E repete alegações que se faz aqui e ali desde o reinado de Henry Kissinger I, como a de que a diplomacia norte-americana se resume a “atirar primeiro e fazer perguntas depois”. 

Em abril de 2018, Ronan Farrow surpreendeu muitos (não seus amigos, suponho) ao se declarar “membro da comunidade LGBT”.

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