Quais seriam as chances de um garoto negro nascido no Sul dos Estados Unidos, em 1930, como o quinto filho de uma empregada doméstica e de um pai que morreu antes do parto? De um garoto que abandonou a escola, pulou de emprego em emprego e que aos 23 anos nunca tinha colocado o pé numa faculdade? Não muitas. Mas esta é a história de um dos intelectuais mais respeitados dos Estados Unidos: o economista Thomas Sowell.
O mundo em que Sowell nasceu era segregado. Em casa, as condições eram difíceis. A família adotiva estava longe de ser rica: a mãe mal sabia escrever o próprio nome. O pai era um operário da construção civil. Os dois se separariam antes que o garoto chegasse aos cinco anos. Ainda nos anos 30, a família decidiu se mudar da Carolina do Norte, onde Sowell nasceu, para Nova York, seguindo o caminho de muitas outras famílias negras naquele período. Sowell foi criado no bairro do Harlem.
O garoto, precoce, aprendeu a ler antes de completar 4 anos. Começou ao trabalhar aos 16, como mensageiro da Western Union, e deixou a escola antes de terminar o equivalente ao ensino médio. Na mesma época, ele foi parar no tribunal depois de frequentes desentendimentos com a mãe adotiva, e brigou pelo direito de poder viver sozinho. Aos 17, quatro anos antes da maioridade legal, deixou a casa da família. Foi viver, por decisão de um juiz, em um lar para garotos sem-teto no Bronx. O adolescente irriquieto não ficaria lá por muito tempo: de emprego em emprego, de casa em casa, ele progrediria a duras penas — e finalmente concluiria o ensino básico.
Uma das experiências cruciais de Thomas Sowell aconteceu na Howard University, uma instituição para a população negra, em Washington. Lá, como estudante, ele notou que muitos alunos e professores não levavam os estudos a sério. Era como se as expectativas para os negros fossem mais baixas, e como se o fato de ele estarem lá já fosse uma vitória grande o suficiente. Sowell tinha planos maiores e decidiu se candidatar a outras instituições de ensino. Foi quando, aos 24 anos (muito mais velho do que a média), ingressou em Harvard. Em alguns estados do Sul, como Thomas comprovara por conta própria pouco tempo antes, ele não podia nem mesmo viajar nos mesmos trens ou comer nos mesmos restaurantes que as pessoas brancas. Mas agora ele estava na universidade mais tradicional do mundo.
Não foi o começo de um conto de fadas: ele teve dois Ds e dois Fs como suas primeiras notas. Passou a estudar dia e noite. Ao fim, se formaria com honras. Depois, continuou em instituições de ponta: cursou um mestrado em Columbia e um doutorado na Universidade de Chicago, onde foi orientado por Milton Friedman e começou a abrir mão das ideias marxistas que carregava desde adolescente. Logo ele se tornaria professor de universidades prestigiosas como Cornell e UCLA, iniciando uma jornada intelectual que persiste, em ritmo menos intenso, até hoje, ao 89 anos de idade, e inclui mais de uma dezena de livros — alguns, como “Discriminação e disparidades” e “Os Intelectuais e a Sociedade”, traduzidos para o português.
Sowell se tornou célebre por suas colunas publicadas na imprensa e por seu trabalho como pesquisador da Hoover Institution, da Universidade de Stanford. Num momento em que a intelectualidade negra americana se agrupava do lado esquerdo do espectro político, ele defendia posições não-convencionias em temas com as cotas raciais (contra), o salário mínimo (contra) e o legado da escravidão (para ele, menor do que propalavam os militantes de esquerda). Cada uma dessas posições era fundamentada em uma análise criteriosa dos dados e em na disposição de ir contra o consenso.
O profundo conhecimento de economia e, ao mesmo tempo, sua capacidade de escrever de forma clara e concisa colocaram Sowell em evidência. Excelente frasista, ele é capaz de resumir seus argumentos de forma cristalina: “Eu nunca entendi porque é ganância querer manter o dinheiro que você ganhou mas não é ganância querer tomar o dinheiro de outra pessoa”, escreveu, certa vez, sobre a redistribuição de riqueza pelo Estado.
Uma das tônicas da obra de Sowell é a tese de que os programas assistenciais desenhados para beneficiar os mais pobres, especialmente os negros, geralmente têm o efeito inverso. O salário mínimo, por exemplo, acaba excluindo da força de trabalho as pessoas com menos qualificações, e impedem que elas dêem um primeiro passo na carreira. O baixo rigor das escolas predominantemente negras, por sua vez, deixa esses estudantes em condição de desvantagem no mercado de trabalho. “É incrível a quantidade de pessoas que pensam estar fazendo um favor aos negros quando os isentam dos parâmetros que os outros precisam cumprir”, diz ele.
Sowell enfatiza a necessidade de uma mudança cultural que inclua também a própria comunidade negra, que, hoje, tem altas taxas de abandono paterno e de desestruturação familiar — em grande parte, por causa de políticas públicas que acabaram removendo os incentivos à manutenção da família e à responsabilidade individual. Para Sowell, “o estado de bem-estar social expandido de forma vasta nos anos 1960 destruiu a família negra, que havia sobrevivido a séculos de escravidão e gerações de opressão racial”.
Por se opor a políticas assistencialistas e a medidas supostamente reparatórias, Thomas Sowell jamais teve a simpatia do movimento negro americano. Mas, para quem critica suas posições, ele sempre tem uma resposta irrefutável: o próprio exemplo do garoto pobre, nascido em um país racista e indo de uma família desestruturada, que chegou a Harvard e se transformou em um professor respeitado.
Nas palavras de Sowell: “É auto-destrutiva para qualquer sociedade a criação de uma situação na qual um bebê que nasce hoje automaticamente têm queixas contra outro bebê nascido ao mesmo tempo por causa do que os ancestrais deles fizeram séculos antes. Já é suficientemente difícil resolver nossos próprios problemas sem ter que resolver os problemas dos nossos ancestrais”.
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