Estamos em 1934 e Gareth Jones (James Norton), jornalista e conselheiro para assuntos estrangeiros do primeiro-ministro britânico Lloyd George, está tentando convencer uma sala cheia de engomados com títulos governamentais extravagantes que Adolf Hitler está prestes a iniciar uma guerra na Europa para construir o Reich.
Jones sabe do que está falando. Famoso por ter entrevistado o Führer, Jones também ouviu isso da própria boca do ministro da Propaganda Joseph Goebbels. Os homens na sala riem da bobagem da ideia. Os alemães, afinal, têm seus próprios problemas. “Herr Hitler logo vai aprender que há uma grande diferença entre realizar um comício e governar um país”.
Jones logo fica desempregado devido a cortes no orçamento. Afinal, é a Grande Depressão. Mas a História não permitirá que ele vá embora tão cedo. Grudado a uma transmissão de rádio na qual Stalin canta as conquistas da União Soviética – “Nós não tínhamos uma indústria de tratores. Agora temos. Não tínhamos uma indústria automobilística. Agora temos. Não tínhamos uma indústria de tanques. Agora temos” — Jones não pode deixar de se perguntar onde Stalin está conseguindo todo esse dinheiro. Afinal, o rublo não vale nada. “Enquanto isso, os soviéticos estão tendo uma farra de gastos”.
Jones dá um “jeitinho” de conseguir um visto para ir a Moscou, onde espera entrevistar Josef Stalin, assim como fez com Hitler. Chegando lá, Jones imediatamente procura Walter Duranty (Peter Sarsgaard), o homem do The New York Times em Moscou, vencedor do Prêmio Pulitzer por sua reportagem sobre os incríveis avanços que a URSS fez ao conduzir a História para uma utopia igualitária.
Duranty informa a Jones que seu amigo jornalista, Paul Kleb, com quem Jones esperava se encontrar, foi assassinado em um assalto. Abalado, mas não impressionado, Jones informa a Duranty que está em Moscou por um motivo: entrevistar Stalin e descobrir onde ele está conseguindo dinheiro para construir tudo o que está construindo. “Os números simplesmente não batem”.
“O grão é o ouro de Stalin”, Duranty deixa escapar.
Grão?
Jones confirma suas suspeitas de que Kleb foi assassinado depois de se encontrar com uma jornalista alemã, Ada Brooks (Vanessa Kirby), que conhecia Kleb. Brooks, embora desconfiada de Stalin, no entanto, vê o experimento soviético como grande, especialmente em relação ao caos que Hitler está causando em sua terra natal. Logo fica claro para Jones que na Ucrânia está a grande história, é na Ucrânia onde Stalin está obtendo seu “ouro”, o que Kleb descobriu e pagou caro por esse conhecimento.
Jogando com o orgulho soviético, Jones convence um diplomata soviético a autorizar sua viagem para a Ucrânia. O jornalista lisonjeia o homem mencionando uma aliança britânico-soviética na inevitável guerra que se aproxima com a Alemanha, mas questiona a prontidão soviética para lutar contra Hitler em uma frente oriental. Enfurecido, o diplomata convida Jones a ver por si mesmo a superioridade da engenharia soviética visitando as fábricas... na Ucrânia. Mas Jones escapa de seu guia aprovado pelos soviéticos, determinado a investigar a história na Ucrânia sem que algum docente do museu tenha certeza de que ele não andará pelo corredor errado ou perderá os “fatos” necessários.
Uma vez livre de seu guardião, Jones vê sacos e mais sacos de trigo sendo carregados em carroças por aldeões famintos. Ele vê túmulos de ucranianos mortos sendo empurrados pela neve por camponeses que parecem mortos-vivos. Ele observa que as crianças comem cascas de árvore enquanto a terra de sua família é arrancada. Jones, então, percebe como Stalin está conseguindo seu “ouro”: ele está roubando e deixando milhões de ucranianos famintos pelo caminho. “Os homens vieram e pensaram que poderiam substituir as leis naturais”, disse um ucraniano de bochechas encovadas a Jones.
Não demora muito para que Jones seja pego pela polícia soviética por vagar livremente e seja jogado na prisão, junto com seis engenheiros britânicos acusados de espionar fábricas soviéticas. Duranty consegue interferir e libertar Jones, com a condição de que, uma vez de volta à Grã-Bretanha, Jones informe a um público curioso que não há fome na Ucrânia e que o grande experimento coletivista soviético está sendo realizado com notável eficiência e sucesso. Caso contrário, os seis engenheiros britânicos, ainda detidos em uma prisão soviética, serão mortos.
Uma vez em casa, Jones é convidado para almoçar com o Sr. Eric Blair, também conhecido como George Orwell. Ele diz ao futuro autor de 1984 que se ele revelar ao mundo o que ele sabe, os engenheiros britânicos serão mortos, mas também milhões de vidas serão salvas. O que ele deve fazer? Orwell é rápido em responder: “Fale a verdade, independentemente das consequências”.
E assim ele faz. Mas uma narrativa contrária é rapidamente inventada em Moscou, sob os cuidados do Sr. Duranty, e Jones logo se vê falando sozinho novamente. Ninguém acredita em seus relatos sobre a fome. Ele é pintado como um ficcionista delirante por relatórios vindos de Moscou por fontes supostamente confiáveis.
Com a carreira em frangalhos, Jones retorna ao País de Gales e vai morar com o pai. Enquanto trabalha em um pequeno jornal galês para a seção “Cultura” (seu editor não o deixa se aproximar de política ou relações exteriores), vê uma oportunidade de resgatar sua reputação. Jones descobre que Willian Randoph Hearst, o gigante editorial americano (e inspiração para George Foster Kane da fama de Cidadão Kane) está de férias nas proximidades. Ele invade a propriedade de verão de Hearst e ganha 30 segundos para contar sua história.
Jones insiste com Hearst que está seguro do que viu na Ucrânia e que Paul Kleb também sabia sobre a fome. Hearst estava tentando fazer com que o amigo de Jones, Kleb, trabalhasse para seus jornais há algum tempo e sempre suspeitou que a história do “roubo” fosse uma invenção, encorajando suspeitas de que o milagre da União Soviética podia ser mais lenda do que fato. Hearst gosta bastante da ideia de enfrentar o Times e o homem do jornal em Moscou, Duranty, divulgando a história da fome.
Assim, Hearst segue em frente e mantém Jones apesar da indignação tanto de Moscou quanto do primeiro-ministro, que sempre foi cauteloso em irritar os soviéticos em um momento de grande dificuldade econômica.
A tenacidade de Jones fez mais do que revelar a verdade sobre o genocídio de Stalin. Também inspirou o clássico “A Revolução dos Bichos” de George Orwell, cuja composição funciona como um enquadramento para o filme. “Eu queria contar uma história que pudesse ser facilmente compreendida por qualquer pessoa”, diz Orwell em narração enquanto digita. “Uma história tão simples que até uma criança poderia entendê-la. A verdade era muito estranha para ser contada de outra forma”. A verdade da devastação russa na Ucrânia.
Então, sim, a verdade finalmente veio à tona, mas apenas porque um jornalista rico e ambicioso estava ansioso para brigar com as “fontes oficiais”. Ela também custou um preço alto para o repórter. Enquanto trabalhava no interior da Mongólia no ano seguinte, Jones foi sequestrado por “bandidos”, conforme a história oficial. Mas, como se descobriu, o guia de Jones estava ligado à polícia soviética, e o repórter galês foi assassinado pouco depois, um dia antes de seu aniversário de 30 anos, segundo os títulos finais do filme. Duranty, por outro lado, morreu em 1957, aos 73 anos, na Flórida. Ah, e seu Pulitzer nunca foi rescindido. (Foi “investigado” algumas vezes, mas o comitê sempre decidiu deixar as coisas como estão, o trabalho de Duranty foi celebrado “em uma época diferente e sob circunstâncias diferentes”, seja lá o que isso significa.)
Senhores da verdade como o Comitê Pulitzer não podem admitir falibilidade, afinal, ou quem confiaria em seu julgamento no futuro? De fato, em seus 105 anos de história, o comitê nunca revogou um prêmio. O mais próximo que chegou foi em 1981, quando Janet Cooke o recusou ao admitir que inventou sua história comovente sobre uma viciada em heroína de 8 anos. Nem todas as fraudes são feitas sem consciência.
“A Sombra de Stálin” foi dirigido pela vencedora do Oscar Agnieszka Holland, que garante desde a abertura até os créditos finais que não existe uma “zona cinza” para a verdade. Sabemos quem são os mocinhos e os bandidos. Neste conto assustador (desafiado, vale lembrar, pela família de Gareth Jones na vida real por supostas imprecisões e por capitalizar sua própria pesquisa original), Duranty é retratado como uma escória decadente, digna de Weimar, independentemente da sua suposta “fé verdadeira” comunismo, empenhado em dinheiro de Stalin para injetar propaganda pró-soviética nos EUA e encorajar Franklin Delano Roosevelt a decretar o fim do boicote econômico e investir na URSS. E ele consegue, porque Roosevelt era muitas coisas, mas experiente quando se tratava de Stalin nunca foi uma delas.
E Jones? Jones é retratado como parte realista, parte idealista. Ele sabia o que tinha visto com seus próprios olhos, coisas nem as contradições ou ameaças de suicídio profissional o fariam negar, assim como sabia o que ouvira de Goebbels — a guerra estava chegando. Mas ele também nutria altos ideais profissionais. “O jornalismo é uma profissão nobre”, diz ele a Ada Brooks. “Não tomamos partido”.
Tempos diferentes, mundo diferente. Hoje em dia, jornalistas ficam desempregados se não tomarem partido, suspeitos de qualquer tipo de -ismo ou -fobia. E este presidente não tem ilusões sobre o homem em Moscou ou suas intenções ou seus crimes. (O que ele pensa, no entanto, sobre os regimes no Irã e na Venezuela é uma incógnita.) E todos nós sabemos o que acontece China, com a campanha assassina do Partido Comunista Chinês para reprogramar e escravizar todos os que não encarnam o dogma do Partido.
O problema hoje não é a falta de uma imagem verdadeira do que está acontecendo nessas ditaduras. É o que, no mínimo, podemos fazer a respeito disso em uma economia verdadeiramente global. A resposta, aparentemente, é escrever tweets maldosos, demitir cantores de ópera russos, fechar o McDonald's e esperar pelo melhor.
Em uma reunião na semana passada, Alexander Lukashenko, da Bielorrússia, “disse a Putin que ambos eram de gerações soviéticas que sofreram sanções e que a União Soviética havia se desenvolvido bem.
“Você está certo”, disse Putin. “A União Soviética viveu o tempo todo sob sanções, mas se desenvolveu e realizou conquistas colossais”. Está implícito, é claro, que a Rússia também.
Espero que algum repórter intrépido por aí mergulhe na história e descubra onde, afinal, Putin consegue o dinheiro para fazê-lo.
©2022 Acton Institute. Publicado com permissão. Original em inglês.