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Antes de Silvio Almeida, a ONG Me Too Brasil divulgou denúncias de assédio contra ex-presidente da Caixa e juiz de São Paulo.
Antes de Silvio Almeida, a ONG Me Too Brasil divulgou denúncias de assédio contra ex-presidente da Caixa e juiz de São Paulo.| Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

A advogada Marina Ganzarolli, de 38 anos, costuma se apresentar em entrevistas como “advogada, sapatona e feminista, que atende mulheres e LGBTs vítimas de violência”.

Mas ela agora pode incluir dois outros itens nessa descrição: “derrubei um ministro do governo Lula e baguncei o coreto da esquerda em 2024”.

Marina é a presidente e fundadora da ONG Me Too Brasil, responsável pela divulgação das denúncias de assédio sexual contra o ex-chefe da pasta dos Direitos Humanos, Silvio Almeida. E tem dividido opiniões no campo progressista desde o início do escândalo. 

“Ganza” (como também é conhecida) e sua entidade são acusadas de tentar interferir no ministério, utilizar denúncias anônimas de forma antiética e atender a interesses do “imperialismo estadunidense”.

Essas críticas têm partido da ala mais xiita da esquerda, que nunca engoliu a moda das políticas identitárias. Em uma live no canal do site governista DCM, a advogada e militante Sara Vivacqua se mostrou ressabiada com relação ao ativismo woke de Ganzarolli.

“A Me Too americana é financiada pela Fundação Ford, a mesma que financiava a Anielle Franco [uma das supostas vítimas de Almeida] antes de ela virar ministra. Eu vejo a Anielle, o Jean Wyllys, esse tipo de produção identitarista, como colonialismo político”, disse. 

Sara ainda afirmou que a irmã de Marielle Franco “escolheu a forma mais desonesta de buscar justiça” ao procurar a ONG. “Ela atira no Silvio Almeida, mas acerta em toda uma difícil estabilidade democrática que o governo Lula tem de manter.”

Em outro veículo lulista, o Brasil 247, a pesquisadora acadêmica Sara York também insinuou que a criadora do Me Too Brasil está jogando contra a esquerda brasileira.  Ela contou que mandou mensagens para Almeida e Marina Ganzarolli, porém só foi respondida pelo ex-ministro.

“A Marina certamente está falando com canais mais importantes. O que estou mostrando é isso: alguns canais são mais importantes [do que o nosso]. Para quem ela está dando tanta importância neste exato momento?”, disse, com ar de desconfiança.

Mas os ataques ao Me Too Brasil começaram com o próprio Silvio Almeida. Na última quinta-feira (5), dia da divulgação das acusações, ele usou os canais oficiais do ministério para afirmar que as denúncias decorrem de uma tentativa frustrada de interferência da ONG em um processo de licitação.

Segundo o comunicado emitido pela pasta, a entidade solicitou mudanças no formato da concorrência para a gestão do Disque 100 (serviço gratuito do governo voltado para denúncias de violações dos direitos humanos), porém não foi atendida.

Ou seja: para Almeida, Ganzarolli e sua equipe soltaram as acusações contra ele como uma forma de retaliação.

Movimento que influenciou a Me Too Brasil deu início à chamada “era do cancelamento”

“Empreendedorismo social do terceiro setor” é o nicho profissional de Marina Ganzarolli, também criadora da MG Consulting – uma consultoria para empresas especializada em “Design Instrucional e Compliance Cultural” (trocando em miúdos: treinamentos sobre condutas inadequadas no ambiente de trabalho). 

Referência no tema da violência de gênero, ela começou a atender vítimas de agressões domésticas quando ainda era uma estudante e a Lei Maria da Penha havia acabado de ser sancionada. Na mesma época, lançou, com algumas colegas da USP, o Coletivo Dandara (“O primeiro grupo feminista de uma faculdade de Direito do Brasil”). 

De lá para cá, presidiu a Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB de São Paulo, fundou a Rede Feminista de Juristas e ingressou no grupo Prerrogativas, formado principalmente por advogados e juristas progressistas (e do qual Silvio Almeida e Anielle Franco também fazem parte). 

A Me Too Brasil surgiu em 2020, influenciada por duas organizações dos Estados Unidos: RAN – Rape, Abuse and Incest National Network (Rede Nacional de Enfrentamento ao Incesto, Pedofilia e Estupro) e Me Too.

Esta última, na ativa desde 2006, ganhou impulso em 2017, quando atrizes de Hollywood iniciaram uma campanha para estimular mulheres do mundo todo a denunciar abusos e agressões sexuais usando a hashtag #metoo (#eutambém) nas redes sociais. 

Graças à popularização do movimento, personalidades como o produtor de cinema Harvey Weinstein (acusado de violentar duas atrizes e assediar outras 80) e o comediante Bill Cosby (suspeito de violar 50 menores de idade e condenado por drogar e estuprar uma jogadora de basquete) tiveram a devida punição dentro da lei. 

Mas o Me Too também possui uma faceta controversa. Segundo o jornal The New York Times, mais de 200 homens conhecidos do grande público foram denunciados somente no primeiro ano da campanha. No entanto, muitos desses casos foram encerrados nos tribunais por falta de provas, ou nem chegaram a ser julgados por se tratarem de denúncias sem fundamento.

Para esses indivíduos, a condenação veio por meio da opinião pública, na forma da desmoralização de suas imagens e da consequente perda de contratos profissionais (na prática, do direito de trabalhar). Foi o início da chamada “era do cancelamento”.

Em uma entrevista concedida em 2023 ao site Meio & Mensagem, dedicado ao mercado da comunicação, Marina Ganzarolli explicou como combinou elementos de suas duas inspirações americanas.

“Eu precisava de um nome melhor que Rede Nacional de Enfrentamento ao Incesto, Pedofilia e Estupro. Com o surgimento do Me Too em Hollywood, fui atrás do movimento nos Estados Unidos, conversei com elas e consegui a autorização para fundar o Me Too Brasil, mas com o escopo do RAN.” 

Uber, Febraban e agência de modelos dão suporte às atividades da ONG

Com a ajuda de cerca 40 colaboradores, das mais diferentes áreas, “Ganza” mantém um canal de denúncias e promove campanhas de conscientização e acolhimento para mulheres que sofreram algum tipo de violência sexual. 

Seus principais parceiros são a Uber e a Febraban (Federação Brasileira de Bancos), porém a ONG também conta com o apoio da agência de modelos Mega Model Brasil, do escritório jurídico Mattos Filho e da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), entre outras empresas e instituições. 

Antes do escândalo envolvendo Silvio Almeida, a Me Too Brasil teve participação fundamental em dois outros casos notórios. Em junho de 2022, a entidade deu suporte às funcionárias da Caixa Econômica que acusaram de assédio o então presidente do banco, Pedro Guimarães (ele pediu demissão após as revelações). 

Naquele mesmo ano, a organização divulgou ter recebido mais de 90 relatos de mulheres assediadas e estupradas pelo juiz Marcos Scalero, do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, em São Paulo. Por decisão do Conselho Nacional de Justiça, Scalero foi aposentado meses depois. 

Sobre o comunicado (posteriormente apagado) do Ministério dos Direitos Humanos que apontou a interferência da Me Too Brasil no processo de licitação do Disque 100, a entidade divulgou uma resposta esclarecendo sua posição durante a concorrência. 

“A Me Too Brasil apontou uma série de sugestões para o aperfeiçoamento do procedimento licitatório que foram encaminhadas formalmente com o apoio jurídico do escritório Manesco Advocacia, especializado em direito público”, diz o texto. 

Ainda segundo a nota, “a organização não participa de processos licitatórios, não recebe e nunca recebeu nenhum tipo de verba pública e atuou como sociedade civil colaboradora, fornecendo sugestões para o aprimoramento do modelo licitatório herdado do governo anterior”.

A reportagem da Gazeta do Povo entrou em contato com a Me Too Brasil e solicitou uma entrevista com Marina Ganzarolli ou outro representante da organização – mas não obteve retorno até a conclusão deste texto.

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