Em 24 de julho de 1945, durante a Conferência de Postdam, o presidente americano Harry Truman relatou ao ditador soviético Josef Stalin que, oito dias antes, os Estados Unidos haviam detonado uma bomba nuclear com sucesso. Truman esperava, com isso, fortalecer sua posição nas negociações com a União Soviética – afinal, o encontro, que envolvia também os britânicos Winston Churchill e Clement Attlee, tinha por objetivo redesenhar o mapa de Europa sem cometer os erros da Conferência de Paz de Paris de 1919, que havia estabelecido as condições para que a Segunda Guerra Mundial se instalasse em 1939.
“Mencionei casualmente a Stalin que tínhamos uma nova arma de força destrutiva incomum”, Truman relataria depois. “O primeiro-ministro russo não demonstrou nenhum interesse especial. Tudo o que ele disse foi que estava feliz em ouvir a informação e esperava que fizéssemos bom uso da arma contra os japoneses”.
Acontece que Stalin já sabia da Experiência Trinity, como ficou conhecido o teste realizado no estado do Novo México e que coroou o sucesso do Projeto Manhattan, iniciado em 1939. Mais do que isso: ele contava com informações enviadas de dentro do território americano para acelerar seu próprio programa nuclear, iniciado com considerável atraso, apenas em 1943, e liderado pelo físico nuclear Igor Kurchatov, que se reportava a Lavrentiy Beria, o temido chefe do serviço secreto do país. A informação de Truman apenas levou os soviéticos a acelerar os esforços ainda mais.
“Stalin estava bem ciente da existência da bomba atômica, e a União Soviética desenvolvia rapidamente a sua própria. Ele devia seu conhecimento ao cientista atômico Klaus Fuchs, que pode reivindicar ser o espião mais bem-sucedido da história”, descreve o documentarista e escritor Mike Rossiter no livro The Spy Who Changed The World.
Beria coordenou o programa nuclear soviético com mãos firmes: mobilizou especialistas, liderou os esforços na busca por plutônio e levou o país a detonar seu primeiro artefato nuclear em 29 de agosto de 1949 – nos detalhes técnicos, era uma cópia do modelo americano. E o fez graças ao apoio de uma vasta rede de espiões. O mais famoso e importante deles foi, de fato, Klaus Emil Julius Fuchs, um físico alemão que trabalhou em Los Alamos, sob a supervisão de Robert Oppenheimer. Atuou infiltrado e forneceu segredos importantes para os comunistas.
Espião eficiente
Nascido em Rüsselsheim, em 29 de dezembro de 1911, Fuchs cursou matemática e física na Universidade de Leipzig, onde seu pai, luterano e de orientação comunista, ensinava teologia. Em 1930, filiou-se ao Partido Comunista Alemão. Com a ascensão dos nazistas ao poder, ele abandonou o país quando descobriu que estava para ser preso — militante de esquerda ativo, chegou a invadir reuniões do Partido Nazista antes que o grupo chegasse ao poder; durante uma elas, foi espancado e jogado em um rio, de forma que era óbvio que sua integridade física não seria preservada sob o novo regime. Correu para Paris e depois se instalou, em setembro de 1933, no Reino Unido.
Ali seguiu sua carreira. Recebeu o Ph.D. em 1937 e, na Universidade de Edimburgo, na Escócia, trabalhou sob a gestão do alemão Max Born, que havia abandonado seu país natal por ser judeu e prestou uma série de contribuições para a física quântica, seja com suas pesquisas, seja formando novos pesquisadores. Born, aliás, havia exercido um importante papel de mentor para Oppenheimer.
Depois de ser detido em 1939 e levado um campo de refugiados alemães em Quebec, no Canadá, por ser alemão, Fuchs retornou à Inglaterra por influência de Born e conseguiu a cidadania britânica em 1942. Desde 1941, participava do programa britânico de desenvolvimento de uma bomba atômica. Em junho daquele ano, quando a Alemanha iniciou a tentativa de invasão à União Soviética, ele entrou em contato com um agente russo e se voluntariou para oferecer informações. “Eu confiava na política da Rússia. Acreditava que os aliados iriam deixar alemães e soviéticos se digladiar até a morte”, ele explicaria, anos depois, quando foi finalmente detido.
Passou então a enviar enviava informações confidenciais à União Soviética, utilizando o codinome “Rest”. Mas o programa britânico avançava devagar. A oportunidade de contribuir ainda mais para os avanços dos comunistas apareceu no final de 1943, quando ele foi incluído na delegação de cientistas ingleses que se deslocaria para os Estados Unidos a fim de participar do Projeto Manhattan.
Começou atuando em Nova York, depois foi deslocado para Los Alamos. Presenciou a Experiência Trinity. E se manteve atuante, repassando informações a um espião da KGB chamado Harry Gold, um químico nascido na Suíça que atuou fazendo a ponte entre Fuchs e o governo soviético — o físico alemão o conhecia apenas como Raymond, ainda que seu codinome, para os russos, fosse “Gus”. Gold posteriormente seria identificado e detido. Permaneceria preso entre 1950 e 1965.
Bomba de hidrogênio
Havia outros espiões em Los Alamos — era impossível garantir que o projeto fosse inteiramente sigiloso, já que mais de cinco mil pessoas chegaram a viver na vila construída do zero para os cientistas e técnicos viverem com suas famílias enquanto trabalhavam. O serviço de segurança americana desconfiava de que havia vazamentos, mas tinha dificuldade em identificar de onde vinham.
Enquanto isso, Fuchs se mostrava um dos espiões soviéticos mais úteis, porque tinha acesso ao núcleo de pesquisadores que debatiam diferentes possibilidades para a bomba atômica. Decisivo para ajudar a desenhar os componentes que garantiriam a explosão do artefato, o que ajudou, ironicamente, no avanço do Projeto Manhattan, ele acabaria por transmitir aos soviéticos desenhos detalhados da bomba americana.
“Fuchs se tornou um membro querido da comunidade de Los Alamos, considerado um homem totalmente decente”, descreve o jornalista Norman Moss no livro 'Klaus Fuchs - The Man Who Stole the Atom Bomb' [Klaus Fuchs, o homem que roubou a bomba atômica], obra que também relata que o físico alemão avisou os soviéticos da provável data em o primeiro artefato nuclear da história seria detonado.
Os debates a respeito da possibilidade de desenvolver uma bomba de hidrogênio, milhares de vezes mais violenta do que os artefatos atômicos tradicionais, chegaram a ele em abril de 1946, quando ele ainda permanecia em Los Alamos. Fuchs acabaria transmitindo informações técnicas que aceleraram as pesquisas soviéticas, a ponto de os russos realizarem seu primeiro teste bem sucedido com a bomba H em 1953, apenas um ano depois dos americanos. Em seus últimos meses vivendo nos Estados Unidos, ele encaminharia aos russos informações que haviam sido bloqueadas até mesmo para compartilhamento com os aliados do Reino Unido.
O artefato mais potente já detonado na história, a Bomba Tzar, foi resultado direto destas pesquisas. Testada em 1961, ela teria capacidade de varrer do mapa, sozinha, uma metrópole do tamanho de Paris. Enquanto isso, Fuchs consolidava sua reputação junto aos colegas. Era considerado um físico teórico respeitado e tornou-se amigo de vários deles, incluindo Richard Feynman, conhecido por desenvolver a eletrodinâmica quântica.
Confissão tardia
Apesar da quantidade de informações enviadas para Moscou, Fuchs ainda assim não foi identificado com espião com o fim da guerra. Ele voltou à Inglaterra em 1946 e retomou seu trabalho no projeto da bomba britânica local — a primeira seria detonada em 1952. Movido para o principal centro de pesquisas com energia atômica do país, em Oxfordshire, ele foi investigado pelo serviço secreto britânico, que constatou que, apesar de seus vínculos com o comunismo na Alemanha, podia ser considerado um colaborador fiel aos aliados.
Foi apenas em 1949 que o serviço de espionagem americano capturou e traduziu relatórios russos que descreviam encontros do espião com Gold. Mas a interceptação era ilegal e não podia servir como base para um processo judicial. A justiça inglesa então autorizou a escuta telefônica e a violação das correspondências de Fuchs. Mesmo sem saber da perseguição, ele ainda assim não produziu informações que o incriminassem.
Até que um agente aposentado, William Skardon, se aproximou dele para um interrogatório inicial e informal, utilizando como pretexto o fato de que o pai do físico havia aceitado um emprego na Universidade de Leipizig, na Alemanha Oriental. Acabou convencendo Fuchs a confessar. Ele foi detido em janeiro de 1950.
Ao longo do tempo, e apesar da reticência inicial, apontou outros envolvidos. Gold, em especial, só foi preso graças a suas confissões. Aliás, o casal de espiões Julius e Ethel Rosenberg também foi identificado com base nos depoimentos do físico alemão. “O conhecimento da pesquisa atômica não deve ser propriedade privada de nenhum país, mas deve ser compartilhado com o resto do mundo para o benefício da humanidade”, argumentou, sem nenhuma sombra de arrependimento, em seus depoimentos.
Aposentadoria com honras
Condenado a 14 anos de prisão, cumpriu nove. Em 1959, mudou-se para a Alemanha Oriental, onde foi recebido como herói. Indicado como diretor de um laboratório de pesquisas em energia nuclear situado em Rossendorf, foi eleito para o Comitê Central do Partido Comunista do país e recebeu a Medalha de Honra Karl Marx, a mais alta honraria concedida pela nação comunista.
Aposentado em 1979, faleceu em 28 de janeiro de 1988, aos 76 anos, em Berlim Oriental. Permaneceu comunista convicto até a morte. Seus últimos anos foram tranquilos. Ele não chegou a ver a reunificação da Alemanha nem o fim da União Soviética. “Sua espionagem acelerou o início da Guerra Fria entre a Rússia e o Ocidente”, resume Rossiter. “O mundo que Fuchs ajudou a criar permaneceu nas garras de um impasse nuclear por uma geração”.