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No interior de Alagoas mora um dos mais impenetráveis mistérios da História brasileira: Palmares. O quilombo mais importante registrado em nosso território desafiou a elite branca durante cerca de um século. Hoje, desafia os historiadores, antropólogos e arqueólogos, que tentam explicar quem viveu lá e como era essa vida.

A história de Palmares deu origem a um dos grandes mitos da cultura negra no país. A biografia de Zumbi, que liderou a resistência armada contra os brancos, que queriam acabar de vez com o "mau exemplo" dado aos escravos, se tornou um símbolo de luta e força de vontade.

A data da morte de Zumbi, que marca a derrocada final do quilombo, será lembrada na próxima quinta-feira, dia 20: nos últimos anos, o Dia da Consciência Negra supera muito, em importância, a comemoração do 13 de maio, data da lei que encerrou oficialmente a escravidão em 1888. Celebrar a resistência de um povo se tornou mais importante do que lembrar a lei assinada pelos brancos – e que pôs os negros para fora da escravidão sem qualquer apoio para uma nova vida em liberdade.

  • Scott Allen: história de Palmares está escrita no chão.

Mas não é só a história dos negros que leva os estudiosos a se interessar por Palmares. O antropólogo Scott Joseph Allen, professor de Arqueologia da Universidade Federal de Alagoas, junto com uma equipe de 16 pesquisadores, se interessa também por um grupo de índios que habitou a região.

Allen começou a fazer escavações na região da Serra da Barriga, em locais onde o grupo imagina ser o quilombo (até hoje não se sabe a localização geográfica correta). Nos três anos de estudos, ele chegou a uma única certeza: o lugar, em algum momento da história, foi habitado pelos índios. Resta saber se os dois povos, índios e negros, tiveram uma relação amistosa, ou ainda, se chegaram a conviver. "Tenho interesse em saber sobre o contato intercultural entre brancos, negros e índios. Tudo isso é fascinante na história do Brasil", diz. Há oito anos vivendo no país, Allen planeja ficar em Alagoas para seguir adiante nos estudos. Referência como pesquisador de quilombos, o antropólogo contou à Gazeta do Povo o que já descobriu sobre a região.

Gazeta do Povo – Qual a relação entre índios e negros no Quilombo dos Palmares? Costuma-se ensinar que era um local exclusivo de resistência negra.

Scott Joseph Allen – O sítio maior na Serra da Barriga é uma aldeia indígena pré-Palmares. Tive essa certeza desde a primeira vez que estive lá. Agora, nós estamos seguindo adiante nos trabalhos porque precisamos discernir entre uma ocupação e outra. Não sabemos se negros e índios chegaram a conviver no que se chamou de quilombo. A questão que considero muito provável é que temos uma mistura biológica e cultural entre diversas tribos, diversos povos, desde indígenas até os grupos de negros que fugiam dos engenhos. Sabemos que não é uma África e um tipo de escravo. Temos representações de vários grupos e tribos africanas. Espero poder afirmar que a comunidade quilombola não era exclusivamente de negros e afro-brasileiros. Acredito que possa ter havido uma miscigenação.

O que já foi encontrado durante as escavações?

Encontramos urnas com alguns esqueletos no quilombo. São práticas funerárias atribuídas a tribos indígenas. É um padrão muito conhecido aqui no Nordeste. Os índios enterravam os mortos em urnas – era uma aldeia circular com moradias ao entorno. Ainda não encontramos algo que permita dizer que se trata de um antigo cemitério de negros, mas não descarto a possibilidade. O problema é que a preservação do solo não é muito boa. Outra coisa que achamos foi um cachimbo bem diferente. Veja, é apenas especulação, porque se trata de um único artefato que pode não significar nada. Mas é um tipo de cachimbo com um formato que outros pesquisadores nunca tinham visto. Pode ter sido fabricado pelos negros palmarinos, incorporando diversas tradições de fabricação de cachimbos.

Os índios tiveram influência na formação do quilombo?

Veja, naquela época se sabia quem era o dominado e o dominante. Mas penso em dois cenários sobre a formação dos quilombos. Um deles é que temos pequenos grupos fugindo – não uma fuga em massa como muitos afirmam – mas alguns fugitivos. Eles fogem, mas mantêm a comunicação com os engenhos, porque a comunicação era muito necessária entre os mocambos e a colônia: eles precisavam saber como andavam as coisas, quando os soldados poderiam chegar para aniquilá-los. Então, alguns poucos escravos decidem fugir e chegam até o local pelas margens do rio e, após encontrá-lo, vão consolidando o quilombo e avisando os outros.

A outra questão é que os índios que viviam na região simplesmente não desapareceram da paisagem. Eles também foram escravizados e, quem sabe, foram eles que avisaram os negros sobre a possibilidade de fugir para um local seguro. Acredito nisso, porque os índios têm mais chances de conhecer o território porque viviam livremente naquela terra. É diferente dos negros, que vieram da África. Por isso não descarto a possibilidade da junção de aldeias indígenas e quilombos.

Como o senhor imagina a convivência entre negros e índios. Se tiver existido, pode ter sido harmoniosa?

Penso muito analogicamente sobre a questão da sociedade e dos quilombos. E isso enfrenta um pouco a questão da parte romântica da história. É claro que foi um local de resistência, contudo, tento pensar como eles chegaram lá, como funcionava o mucambo. Será que não houve brigas e desentendimentos em Palmares? Foram pouco mais de 100 anos de resistência e podemos esperar que, às vezes, eles tivessem relações conflituosas. Pensemos em diversos grupos de índios (tupinambás, caetés) e de negros oriundos de diversas regiões da África. Cada um tem seu interesse. Ainda assim, tínhamos franceses, portugueses e holandeses andando por aqui. Imagina tantos grupos diferentes em uma única região. É algo muito complexo, que ainda não tem resposta.

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