É muito difícil escolher uma imagem, ou mesmo um conjunto de imagens, que melhor represente o que se tornou o estado da Califórnia no final do verão de 2020.
Seria a festa de aniversário da menina de oito anos que foi interrompida por uma longa fila de policiais, ou o remador solitário preso no oceano por violar ordens de distanciamento social? Ou seria outra, de apenas dois meses depois, com multidões violentas atravessando Los Angeles, obstruindo o trânsito, destruindo empresas e queimando edifícios?
Seria a democrata Nancy Pelosi alegando ter sido vítima de uma armação quando foi flagrada fazendo o cabelo em um salão de beleza? Bom lembrar que ela ajudou a proibir o acesso de cidadãos comuns a a esse tipo de atividade. Poderia ser a imagem de algumas das vinícolas do governador Newsom que permaneceram abertas enquanto outras empresas fora da região de Napa foram ordenadas a fechar no fim de semana de 4 de julho?
Ou seriam os tweets na linha do “que comam brioches” da mulher que foi fundamental para ajudar a acabar com os meios de subsistência de freelancers e outros empreendedores independentes em toda a Califórnia?
Talvez seja o “tornado de fogo”, ou os milhões de acres de terra carbonizada deixados na esteira de incêndios florestais devastadores — em grande parte resultado de anos de falha em empregar princípios rudimentares de manejo florestal que os nativos americanos já dominavam séculos atrás.
Ou talvez seja o recente aumento na multidão de pessoas que vêm por mais de uma década deixando a Califórnia para trás e saindo do estado?
Os políticos que devoraram a Califórnia
As pessoas que governam o estado da Califórnia — e sim, eles acreditam que estão “governando” o estado — podem até ser ridículas, mas não são inofensivas. E elas estão travando uma guerra política aberta contra todos os que vivem aqui.
O desrespeito que a classe política deste estado tem pela liberdade e pelo bem-estar daqueles que vivem aqui não é novidade. Sua postura antagônica em relação às pequenas empresas, e às iniciativas dos empreendedores independentes em especial, rendeu à Califórnia o infeliz reconhecimento como um dos piores ambientes de negócios do país, graças aos altos impostos e a um ambiente regulatório restritivo.
Por mais de uma década, houve um êxodo de empresas e indivíduos para locais mais hospitaleiros, como os estados do Texas e Idaho, e no ano passado viu-se um salto de 38% na “emigração” — mostrando que mais pessoas saíram da Califórnia em comparação com as que se mudaram para cá.
Nos últimos anos, os resultados desse desrespeito beiram o surreal, incluindo: uma crise na falta de moradias — exacerbada por regulamentos que tornam impossível construir qualquer coisa que não seja casas de luxo —; o ressurgimento da tuberculose (uma crise de saúde de verdade, mas que não resultou em uso obrigatório de máscaras ou ordens de distanciamento social); e a criminalização da maioria dos contratos de trabalho independentes, tirando a capacidade de muitos cidadãos do estado de ganhar a vida. E, claro, tem também aqueles incêndios.
Quando o COVID-19 apareceu, a Califórnia tornou-se um dos piores exemplos de apropriação autoritária do poder, com seu governador implementando restrições sem precedentes ao livre movimento das pessoas, ordenando aos californianos que usassem máscaras em público, proibindo as empresas de abrir e enviando “equipes” para garantir que não o fizessem. As travessuras do governador foram superadas apenas pelo prefeito de Los Angeles, que ameaçou cortar energia e água das empresas que desafiassem as ordens consideradas por muitos como ilegais.
O impacto dos danos causados pelo lockdown ainda não foi totalmente sentido. Em todo o país, centenas de milhares de pequenas empresas fecharam permanentemente, e muitas outras ainda correm risco de fechamento caso os bloqueios continuem.
Com uma das políticas de bloqueio mais rígidas do mundo, a economia da Califórnia tem sido também uma das mais atingidas. Sua taxa de desemprego agora é de 13,3%, em comparação com uma taxa nacional de 10,2%. E Michael Bernick, advogado trabalhista de São Francisco e ex-diretor do Departamento Estadual de Desenvolvimento do Emprego, disse ao jornal Sacramento Bee que os números de desemprego mais recentes da Califórnia representam cerca de um quarto do total dos EUA, embora o Estado seja responsável apenas por 11% do mercado total de empregos.
Os bloqueios também resultaram em fechamentos de hospitais, assim como aumento da violência doméstica, abuso infantil e outros crimes. Houve também aumentos dramáticos nas mortes por causas não-COVID-19, incluindo câncer, mortes por desespero e solidão — particularmente entre aqueles que sofrem de Alzheimer e demência — e suicídios, entre outras perdas — algumas das quais não são fáceis de quantificar.
Não há sequer um bom motivo
Isso tudo apesar de um conjunto esmagador de evidências mostrando que os lockdowns não “funcionam”. Ou seja, eles não fazem quase nada para conter a propagação do COVID-19 ou evitar a “sobrecarga no atendimento hospitalar” — você se lembra, a lógica original para as medidas draconianas foi baseada na modelagem de Neil Ferguson, alguém que é célebre por fazer uma série de prognósticos falsos sobre a pandemia.
O trabalho de Ferguson era tão ruim que um revisor se referiu a ele como “ou uma fraude total, ou (…) a peça de programação mais inepta que eu já vi na minha vida.” (Desnecessário dizer, a “sobrecarga hospitalar” nunca se concretizou, nos EUA ou em países como a Suécia, que não impôs lockdowns.)
Mesmo que a sobrecarga hospitalar tivesse ocorrido e sido uma preocupação legítima, não há razão para acreditar que os lockdowns a teriam evitado. Análise após análise comparando os países e os estados que impuseram bloqueios rigorosos com aqueles que não o fizeram mostraram repetidamente que há zero correlação entre os bloqueios impostos pelo governo (ou uso obrigatório de máscara) e os melhores resultados no combate ao vírus.
Além disso, e como vários epidemiologistas e outros especialistas argumentaram desde cedo, tentar impedir que populações inteiras se infectassem acaba sendo apenas um objetivo político que não faz o menor sentido. Assim foi com todos os outros vírus desde o início da humanidade: as populações humanas desenvolvem resistência aos patógenos precisamente por serem expostas a eles. Essa exposição também ajuda a proteger contra novos patógenos encontrados no futuro — como demonstrado, por exemplo, pelo aumento da resistência das células T ao COVID-19 naqueles com exposição prévia a outros coronavírus.
Mas para aqueles cujo objetivo é simplesmente exercer alguma forma de poder sobre a vida de outras pessoas, as evidências pouco importam. Ignorando tudo isso, ignorando a experiência dos países e estados que não se fecharam, ignorando a completa e absoluta ausência de até mesmo um fragmento de justificativa para acabar com a vida das pessoas, e de verdade, ignorando o fato de que nem a Constituição dos EUA nem a Constituição da Califórnia o capacitam a impor qualquer uma dessas restrições, o governador Newsom simplesmente recitou, semana após semana, os “números de casos” como se fossem de alguma forma significativos para essa discussão, e continuou com os bloqueios.
E qual é o plano de Newsom agora? Para todos os efeitos práticos, nunca mais voltar a um “normal” pré-COVID-19. Em 28 de agosto, ele anunciou um novo conjunto de diretrizes para os condados, ditando sob quais condições eles poderiam começar a aliviar as restrições. Sob nenhuma das condições listadas, um condado pode sair totalmente das restrições.
Além disso, a norma pela qual o nível de risco de um município é determinado sob essas diretrizes não são as mortes, nem as internações, nem qualquer outra medida significativa, mas sim os “casos” e taxas de testes de contágio com resultado positivo. (Para entender por que isso não tem sentido, veja aqui.)
As metas do governador se afastaram muito do objetivo inicial de “achatar a curva”. E com meses de dados para demonstrar a total inutilidade dessas medidas, agora está claro que suas decisões políticas não têm nada a ver com “ciência” ou evidências de qualquer tipo. O que também está claro é que ele não tem intenção de renunciar ao poder que obteve como resultado desse vírus, sob nenhuma circunstância.
É como se o estado da Califórnia tivesse sido atacado por uma potência estrangeira. Um ataque com a intenção de incapacitar os motores da produtividade que mantêm as pessoas comuns vivas, e de enfraquecer os espíritos e as mentes dessas pessoas. Nos últimos seis meses, o governo da Califórnia tem travado uma guerra contra as pessoas que vivem aqui.
Para aqueles que não se importam com spoilers, é assim que termina: com uma transferência maciça de riqueza de pequenos empresários independentes para grandes bancos, para empresas e para o Estado. Será um golpe monumental contra a capacidade de qualquer pessoa viver sem depender do Estado ou sem ser um empregado (lembra aquela nova lei sobre os trabalhadores contratados?) de uma grande empresa.
E como a gente conserta isso?
Os californianos têm um problema: o governo da Califórnia. A questão é: como resolver esse problema pacificamente? À medida que a frustração e as dificuldades econômicas crescem, o perigo da revolta violenta torna-se mais real. Para evitar esse resultado mortal e destrutivo (e provavelmente contraproducente), é fundamental que encontremos soluções pacíficas agora.
O Estado entrou em erupção com sucessivos pedidos de impeachment contra o governador Newsom e os legisladores (em grande parte democratas). Alguns estão levando o governador ao tribunal por suas violações de direitos sem precedentes. Uma igreja da Califórnia já venceu uma batalha judicial e garantiu sua capacidade de realizar serviços internos, e a Suprema Corte da Califórnia ordenou que o governador Newsom responda a ações judiciais movidas em nome de um grupo de escolas e pais sobre suas ordens de fechamento dos estabelecimentos de ensino.
Estes são passos positivos, mas por mais bem intencionados e dignos de apoio que sejam, eles não atacam o ponto principal. Se o governador Newsom for cassado, não há nada que impeça seu sucessor de cometer o mesmo nível de abusos que ele tem feito. Como é algo que só pode ser realizado após o dano já ter sido infligido, também não é um processo bem-sucedido como uma garantia contra abusos futuros. Estamos diante da tarefa urgente de ter que garantir nossos próprios e duradouros meios de proteger nossos direitos
Tais mecanismos exigirão algum pensamento fora da caixa. Quando os que estão no poder violam nossos direitos fundamentais, devemos encontrar maneiras pacíficas de desafiá-los. Propus uma possível abordagem aqui. E já vimos algumas respostas sensatas ao COVID-19 de muitas autoridades locais de condados da Califórnia e de outros locais, com várias autoridades em todo o estado se recusando a impor as ordens de bloqueio e o uso obrigatório de máscara emitidas pelo governador. Há muito se fala também em dividir a Califórnia em estados separados, ou de se juntar alguns condados californianos com aqueles em outros estados para formar um novo estado. São ideias que agora parecem menos fantasia idealista e mais como necessidades práticas.
Quaisquer que sejam as soluções que encontremos, devemos nos esforçar para encontrá-las rápido. Aqueles que infligem esse tipo de devastação ao Estado só o fazem porque não arcam com as consequências de suas ações. Mas essas consequências se tornaram muito grandes para o resto de nós suportar.
Cada novo dia aproxima mais e mais as pessoas da falência e do colapso psicológico, e nos deixa mais perto de um “novo normal” distópico, que é inviável para a grande maioria das pessoas. Precisamos encontrar maneiras de garantir os direitos dos californianos de modo que eles nunca mais precisem temer que outra autoridade tome conta de suas vidas de forma tão grosseira e completa, e precisamos fazê-lo rápido - antes que aqueles no poder destruam o que resta do nosso estado.
*Bretigne Shaffer foi jornalista na Ásia por muitos anos. Ela agora é mãe, escritora independente e autora de "Annabel Pickering and the Sky Pirates (Annabel Pickering e os piratas do céu)" e ""Urban Yogini: A Superhero Who Can't Use Violence (Urban Yogini: um super-herói que não pode usar a violência)". Ela escreve também no blog On the Banks.
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