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Zoomer, o “theybie” de Kyl e Brent Myer, de Utah: criado sem gênero | Reprodução
Zoomer, o “theybie” de Kyl e Brent Myer, de Utah: criado sem gênero| Foto: Reprodução

Ari Dennis tem 30 anos e vive na Flórida. Tem um bebê, Sparrow, que acaba de completar um ano. Construída em tons de roxo e azul petróleo, a decoração da festa de aniversário, realizada no último dia 16 de fevereiro, não indicava o sexo da criança, que estava vestida com calça azul e blusa rosa. A maior parte dos convidados, mesmo amigos e familiares próximos, não sabe se Sparrow é menino ou menina — a avó materna só foi informada quando a criança já tinha três meses. Foi uma opção de Ari, que, desde a gestação, decidiu educar Sparrow com neutralidade em relação ao gênero. É o chamado movimento “theyby” – em inglês, o pronome “they” equivale a “ele” ou “ela”, mas é neutro em relação ao sexo. 

“Acho que Sparrow vai poder se tornar confiante com seus hobbies e interesses, quaisquer que sejam, sem culpa ou vergonha”, diz ela, que não indicou o sexo da criança na certidão de nascimento. Ari Dennis, que vive com sua esposa, Brenn, e as duas crianças na mesma casa, conta que adotou esse procedimento ao perceber que seu primeiro bebê, Hazel, descobriu seu gênero sexual — menina — aos quatro anos. 

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Ambos os filhos usam roupas estilos variados, incluindo saias e calças, de cores as mais diversas, e brincam tanto com bonecas quanto com carrinhos. Ari Dennis comenta que, no dia-a-dia, a questão do gênero não é tão relevante. Ela incomoda mais aos adultos do que às próprias crianças. “Acredito que Sparrow vai se ser capaz de se rebelar contra o sexismo, já que será capaz de vê-lo com mais clareza”, diz ela. “Minha esperança é que o bebê cresça capaz de prestar atenção às diferenças que fazem de nós o que somos”. 

“Rótulos” 

Não são muitos os pais que fazem essa escolha, mas seus casos acabam ganhando grande repercussão. No Canadá, Kori Doty teve um bebê na casa de um amigo e o batizou Searyl. Como não nasceu num hospital, a criança não passou pela inspeção médica, obrigatória no país, para identificar o sexo. Kori, que se identifica como uma pessoa transgênero não binária (que não se considera nem homem nem mulher) conseguiu que o cartão de saúde do bebê não identificasse o gênero, e agora solicita na justiça que o estado de Columbia Britânica aprove por lei a emissão de certidões de nascimento sem a informação. 

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“Quero dar à criança espaço para explorar quem é, sem carregar a bagagem que acompanha as definições de menino ou menina”, Kori declarou, em 2017. “Quando eu nasci, os médicos olharam para meus genitais e tiraram conclusões sobre quem eu iria ser, e essa informação me seguiu por toda a vida. Essas conclusões estavam incorretas, e tive que fazer muitos ajustes desde então”. 

O que significa, na prática, criar um “theyby”? Basicamente, significa não identificar a criança com nenhum sinal tradicional de gênero, nem nos brinquedos, nem nas roupas, nem nos adereços – nada de furar a orelha das meninas recém-nascidas, por exemplo.

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Para evitar que a sociedade “rotule” o bebê, os pais omitem a informação sobre gênero para qualquer pessoa que não tenha contato com os genitais com a criança — ajudando a trocar uma fralda ou a dar banho, por exemplo. O objetivo é que, ao alcançar a idade em que vai questionar sua própria sexualidade, o theyby decida por conta própria, sem “a obrigação de aderir a rótulos sociais”, como afirmam os defensores da prática. 

Tendência na moda 

Kyl e Brent Myer, de Utah, fizeram a mesma escolha e só se referem ao bebê, Zoomer, como “they”. Eles explicam sua decisão, e relatam o dia-a-dia da criança, em um site, Raising Zoomer (Criando Zoomer, em tradução livre). “O guarda-roupa de Zoomer é muito diverso, em cores e padrões”, o casal descreve. Por isso, dizem eles, as pessoas que encontram a família na rua oscilam em caracterizar o bebê como menino ou menina, dependendo da roupa do dia. 

“Nós brincamos que, para os estranhos, Zoomer é um menino ou uma menina, dependendo da roupa do dia”. 

É nas roupas neutras, também, que está a principal estratégia de Nate and Julia Sharpe, engenheiros mecânicos de Cambrigde, Massachusetts, que não identificam seus filhos gêmeos, Zyler e Kadyn, por gênero

Essa tendência tem impacto na moda. Mesmo famílias que não adotam uma medida tão radical, como a de não identificar o sexo da criança para a sociedade, já vêm preferindo as roupas infantis sem gênero, que se tornaram um mercado em crescimento, mesmo no Brasil

Base biológica 

Essa opção funciona? Lise Eliot, professora de neurociência na Chicago Medical School e autora do livro ‘Pink Brain, Blue Brain’, aponta que é impraticável educar os filhos com gênero neutro. “Os avós geralmente ficam desconfortáveis ao tentar seguir essas regras dos pais, e a situação fica ainda mais insustentável quando chega a fase da creche, ou da babá”. 

“Nossa sociedade é organizada por gêneros, a divisão está presente nos esportes, nos banheiros públicos, na linguagem. Então os pais não conseguem evitar a definição do gênero da criança por muito tempo. Assim que entrar na escola, a criança vai ser questionada sobre o assunto”, concorda a psicóloga Christia Spears Brown, diretora do Center for Equality and Social Justice da Universidade de Kentucky. 

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“Não é possível educar uma criança sem definir gênero, e as tentativas de fazê-lo são ingênuas”, afirma o psicólogo americano David Geary, professor da Universidade de Missouri. 

“Existiram iniciativas semelhantes nos anos 1970 e 1980. Crianças criadas em famílias assim desenvolveram visões mais amplas sobre o que meninos e meninas ‘podem’ fazer, mas não havia diferença no papel que essas crianças exerceram na comunidade, na comparação com os filhos de famílias mais tradicionais. Todos brincavam em maneiras típicas, de acordo com seus sexos”. 

O professor, que é especialista no desenvolvimento da sexualidade na infância, aponta que existe uma forte base biológica, principalmente hormonal, para as diferenças típicas de comportamento entre meninos e meninas.

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“As brincadeiras e atividades sociais características de cada gênero surgem antes dos dois anos e se tornam mais expressivas com o passar da infância”, afirma. “As crianças entendem que são meninos ou meninas por volta dos dois anos e meio. Para mais de 99% dos seres humanos, sua identificação de gênero está alinhada com seu sexo biológico”. 

Mas o aspecto cultural não influencia? “As próprias crianças percebem as diferenças e se organizam em grupos de meninos e meninas, sem influência dos adultos”, responde David Geary. “Eles percebem rapidamente se são meninos ou meninas, independentemente do que os adultos digam”. Existem diversos estudos que indicam que, de fato, a base do gênero é biológica e não cultural

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