Por mais que a Organização das Nações Unidas, a União Europeia e diferentes governos e ONGs lutem para mudar o perfil da produção global de energia, em busca de fontes menos poluentes, a verdade é que a conta ainda não fecha: o mundo continua dependendo de carvão e gás, que emitem gases causadores do efeito estufa. E não é por falta de alternativas.
As células fotovoltaicas que geram eletricidade a partir do Sol surgiram nos anos 1950. As primeiras usinas eólicas de larga escala começaram a operar no início da década de 1990. Décadas se passaram, e, mesmo assim, 38% da energia consumida pela humanidade continua vindo da queima de carvão — a Agência Internacional de Energia (IEA) prevê que, daqui a duas décadas, os combustíveis fósseis, em especial carvão e gás, ainda vão fornecer a maior parte da energia (até porque a demanda global vai aumentar).
Enquanto isso, as fontes renováveis (hídrica, solar e eólica), somadas, não passam de 23% do total. Em parte, elas não emplacaram porque não são nada baratas: um estudo do Massachusetts Institute of Technology (MIT) publicado em 2018 indica que basear toda a economia nesses três recursos seria financeiramente inviável. Como salvar o planeta das emissões, se a demanda por energia vai continuar aumentando e as fontes limpas tradicionais não estão dando conta do recado?
Existe uma resposta, e ela não está no Sol ou no vento. As usinas nucleares são a mais eficiente e a mais segura forma de geração de energia que a humanidade já inventou. Ainda assim, ela só responde por 10% do total de geração de energia do planeta. Esse percentual precisa aumentar. Se querem mesmo salvar a Amazônia e evitar o aquecimento global, os ecologistas deveriam estar protestando a favor das usinas atômicas, e não contra.
Tentativa de retomada
Houve um momento, entre os anos 1960 e 1970, em que as usinas nucleares pareciam estar a caminho de se tornar a fonte padrão de energia do planeta. Afinal, o processo de fissão de átomos estava bem conhecido e controlado. Usinas nucleares não dependem dos ventos, do sol ou da criação de grandes reservatórios de água (caso das usinas hidrelétricas), nem emitem gases poluentes como o gás e o carvão. Um reator atômico pode ser construído em praticamente qualquer ponto do planeta e gerar eletricidade por décadas – as usinas costumam ser construídas para durar no mínimo 40 anos.
Mas então vieram os acidentes da usina americana de Three Mile Island, em 1979, e da russa Chernobyl, em 1986. O primeiro incidente deixou claro para o mundo que havia, sim, riscos na produção de eletricidade a partir dos átomos de urânio. O segundo lançou uma nuvem radioativa na direção da Europa.
Desde então, o número de usinas nucleares no mundo começou a despencar. São raros os países que baseiam sua matriz energética nesse tipo de instalação, sendo a França e o Japão duas exceções notáveis. Ainda assim, depois do acidente de Fukushima, em 2011, o governo japonês prometeu abandonar totalmente essa fonte de energia até 2030. A Alemanha, que por muito tempo apostou na energia gerada pela fissão de átomos, segue pelo mesmo caminho — logo depois do acidente na costa japonesa, o governo local mandou desligar metade de seus reatores.
Atualmente, existem 451 usinas nucleares em operação em 30 países, além de 50 em construção, sendo 21 na China. Há outros 100 projetos em fase adiantada de tramitação. Os Estados Unidos mantêm 97 reatores ativos, a França 58, a China 45, o Japão 37 e a Rússia, 36.
Entre os americanos, a construção de reatores alcançou o auge nos anos 1970, decaiu com os acidentes famosos, foi retomada no início deste século e reduzida novamente após Fukushima. Boa parte das usinas do país está perto da data de desativação e só existe, em todo o território norte-americano, uma única obra do tipo em construção. Nos últimos anos, movimentos antienergia atômica conseguiram acelerar a desativação de diferentes usinas em estados como Wisconsin, Vermont, Flórida, Nebraska e California.
O número de instalações em construção é pouco expressivo: no pico da inauguração de novos projetos, em 1975, foram lançados 48 projetos de novos reatores em apenas um ano. Acontece que o mercado ainda sofre com as resistências que surgem a cada vez que um acidente acontece.
Ainda assim, apesar dos contratempos e ciente de sua importância estratégica, o setor pretende triplicar o número de instalações nucleares até 2050, de forma a alcançar a geração de 25% da demanda mundial por eletricidade. Além dos chineses, os russos se mostram dispostos a investir nesse mercado. A estatal russa de energia nuclear Rosatom estima que, até 2030, as centrais nucleares do país vão impedir a liberação de 711 milhões de toneladas de CO2.
Amplas vantagens
Os acidentes nucleares geram comoção porque provocam o vazamento de radiação, assim como quedas de avião matam centenas de uma só vez e por isso causam grande impacto na opinião pública. Mas a verdade é que essas usinas são tão seguras quanto viajar por companhias aéreas. Nos Estados Unidos, por exemplo, nem uma única pessoa morreu em decorrência de incidentes com usinas nucleares.
Diferentemente das usinas eólica e solar, seus reatores operam 24 horas por dia, sete dias por semana. Trabalhar dentro delas é infinitamente mais seguro do que numa mina de carvão, por exemplo.
Depois de construídos, reatores nucleares demandam pouca manutenção e, por isso, geram eletricidade a um custo mais baixo do que usinas movidas a vento ou luz do Sol — cuja oferta, no mundo inteiro, ainda é altamente subsidiada. Elas também ocupam muito menos espaço do que, por exemplo, uma usina hidrelétrica. Como podem ser construídos em qualquer lugar, os reatores nucleares reduzem os custos com linhas e estações de transmissão e distribuição.
A interrupção no ritmo de construção de usinas nucleares nos anos 1970 trouxe graves prejuízos para o setor e para o planeta, estima Peter Lang, da Universidade Nacional da Austrália. Em estudo sobre o assunto publicado em 2017, ele estimou: “Se as antigas taxas [de construção] tivessem continuado, a energia de fonte nuclear custaria hoje cerca de 10% do preço atual. A energia gerada por essa fonte poderia ter substituído de 69 mil a 186 mil TWh de energia gerada por carvão e gás, dessa forma evitando 9,5 milhões de mortes e a emissão de 174 Gt de emissões de CO2”.
Na comparação com o impacto provocado por outras fontes de eletricidade, “as usinas nucleares são as menos impactantes, ou seja, as mais limpas”, afirma o físico Ítalo Curcio, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. “As fontes hidrelétricas provocam impacto ambiental de diversas formas. Na inundação do terreno e a intervenção na corrente do rio, por exemplo, alteram toda a fauna e flora da região, incluindo alterações no índice pluviométrico”, afirma.
“As usinas eólicas, embora sejam menos impactantes que as hidrelétricas e as termoelétricas, provocam ruído e, para seu alto rendimento, possuem os ‘cataventos’ instalados de forma estratégica nas regiões onde o deslocamento de ar ocorre com maior velocidade. Isto interfere nas rotas migratórias de pássaros, além de provocar sons que incomodam certos animais”, continua. Já as usinas solares, diz ele, “além de ocuparem grandes áreas de terreno, em alguns casos desmatadas, o material utilizado nas células fotovoltaicas pode contaminar seriamente o local onde será descartado, depois de seu uso, se não for adequadamente acondicionado”.
Verdes a favor
Por todos esses motivos, parte da militância ambientalista vem migrando do ataque para a defesa das usinas nucleares. Nomes do porte do pesquisador da Nasa e militante contra o aquecimento global James Hansen, do guru ambientalista Stewart Brand e do ativista James Hansen vêm se posicionando a favor dos átomos como a solução mais viável que a humanidade tem à mão se quiser mesmo abandonar a dependência do carvão e do gás. E mais: em seu livro A Vingança de Gaia, de 2006, o pai do ambientalismo, o cientista britânico James Lovelock, argumentava a favor da expansão rápida da energia nuclear.
Outros ativistas deveriam segui-los, disseram 65 cientistas britânicos numa carta aberta aos críticos das usinas nucleares. No texto, eles lembram que a quantidade de urânio equivalente a uma bola de golfe é capaz de fornecer toda a energia elétrica de que uma pessoa precisa ao longo de toda a vida.
Além disso, um grupo de senadores americanos composto por personalidades republicanas e democratas, lançou um manifesto pela retomada das usinas nucleares no país. E algumas empresas procuram novos projetos para os reatores — a NuScale, de Oregon, por exemplo, trabalha no desenvolvimento de usinas menores, projetadas para atuar em complemento com projetos de geração eólica e solar. Outras dezenas de startups trabalham, neste momento, em outras soluções criativas utilizando energia atômica.
Esse tipo de iniciativa indica que os Estados Unidos podem estar repensando seus temores a respeito da energia nuclear. Enquanto isso, outros locais do mundo, especialmente na Ásia, apostam pesado nos átomos como solução. São países que já perceberam (ou estão percebendo) que esta é a melhor alternativa para as próximas décadas.
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