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Marine Le Pen faz campanha  em mercado perto de Paris: ela é popular entre os jovens | Charles Platiau/AFP
Marine Le Pen faz campanha em mercado perto de Paris: ela é popular entre os jovens| Foto: Charles Platiau/AFP

Ela é nacionalista, racista e xenófoba – ou, pelo menos, é o que seus opositores fazem questão de destacar. Ela quer tirar a França da União Europeia, quer banir a imensa maioria dos imigrantes do país e controlar rigidamente a entrada de novos – e sobre isso não há debate, está explícito em seu programa de governo. Aos 48 anos, Marine Le Pen lidera a Frente Nacional, partido de extrema-direita fundado por seu pai, e nunca deixou de ser a mais controversa entre os candidatos à presidência do país.A tal ponto que, tão logo se classificou ao segundo turno, a maioria dos derrotados se uniu em apoio ao outro candidato, o centrista Emmanuel Macron, na esperança de barrar a chegada de Le Pen ao poder.

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Mas, tendo conquistado uma votação recorde para a extrema-direita francesa no domingo passado, Marine parece já ter vencido, mesmo que as urnas elejam Macron: são as bandeiras da Frente Nacional que hoje pautam o debate político francês e – a favor ou contra – mobilizam o eleitorado do país.

As origens

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A Frente Nacional surgiu em 1972, como uma tentativa de unificar os diferentes movimentos nacionalistas e conservadores que há muito tempo buscavam um lugar dentro do sistema democrático francês. Trinta anos antes, a França havia visto um forte colaboracionismo com a Alemanha nazista, com grande parte do país cedendo ao controle do governo fascista de Vichy, comandado pelo marechal Philippe Pétain. Com o final da Segunda Guerra, o fascismo é condenado em todo o continente, Pétain cai em desgraça, mas os apoiadores de Vichy não desaparecem subitamente: os diferentes grupos continuam se organizando pelas décadas seguintes, ainda à procura de um lugar dentro do novo sistema político.

“Quando a Frente Nacional surge, ela é um movimento que abrange vários setores da sociedade: ex-militares das guerras coloniais, da época da Argélia, mas também fascistas que trabalhavam a favor da Alemanha dentro da França, movimentos neofascistas que surgiram depois, até estudiosos conservadores da Sorbonne que negavam o Holocausto”, destaca o historiador Guilherme Ignácio Franco de Andrade, doutorando na PUC-RS, que pesquisa a história do partido. “Do fim da Segunda Guerra até 1972, nós temos quase três décadas sem nenhuma legenda que reúna essas diferentes correntes conservadoras na França. O próprio nome, Frente Nacional, diz que é um movimento unitário objetivando, dentro da democracia, obter poder”, ressalta.

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Guilherme Ignácio vai ainda mais longe: a Frente Nacional seria a mais recente encarnação de uma demanda conservadora existente na França desde a Revolução Francesa, no final do século XVIII, e que seguiu incorporando novas bandeiras através dos séculos. Pelo contexto em que surgiu, o então novo partido trouxe em seu gene um forte teor antissemita, que atraía os antigos fascistas do país, e aparecia claramente no discurso de Jean-Marie Le Pen, fundador da Frente Nacional e líder da sigla com poderes quase supremos até decidir se afastar e acabar substituído pela filha, Marine, em 2011.

Rupturas no meio do caminho

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A busca da Frente Nacional por unificar os grupos mais à direita no espectro político francês nunca encontrou facilidades. O partido experimentou várias rupturas internas ao longo de sua história – na mais importante, em 1999, Bruno Mégret, um dos mais proeminentes nomes novos da sigla acabou deixando a FN e fundou o Movimento Nacional Republicano (MNR), após desacordos com Jean-Marie Le Pen. A crise interna não impediu que, pouco tempo depois, nas eleições de 2002, o próprio Jean-Marie surpreendesse o país ao chegar a um inédito segundo turno do pleito presidencial – quando acabou sofrendo uma derrota recorde diante do conservador Jacques Chirac, que conquistou mais de 82% dos votos no segundo turno.

“Foi um paradoxo Jean-Marie Le Pen se classificar para o segundo turno em 2002 em um momento difícil do FN”, aponta a cientista política Aline Burni, doutoranda na UFMG, que estuda a ascensão eleitoral da extrema-direita na Europa. Os números estagnados no segundo turno, porém, deixaram lições que a Frente Nacional saberia utilizar no futuro: “a sua incapacidade de expandir o eleitorado entre os dois turnos demonstra a debilidade de seu partido e a necessidade de renovação da estratégia política, caso o objetivo fosse realmente conquistar o poder um dia”, considera Aline.

Se o discurso de Jean-Marie Le Pen encontrava relativamente pouca aceitação até os ataques em Nova York, a partir de então ele encontra uma população amedrontada pelo perigo real de um atentado terrorista perpetrado por extremistas muçulmanos

Anna Mamede mestre em Relações Internacionais pela PUC-MG

O sucesso inesperado de Jean-Marie na época também foi atribuído ao impacto que os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 tiveram no imaginário francês. Embora um discurso que atribuísse a culpa dos problemas franceses aos imigrantes já fosse presente no FN, foi a concretização da ameaça após a queda do World Trade Center que começou a incluir esse tipo de preocupação em um debate mais amplo.

“Se o discurso de Le Pen encontrava relativamente pouca aceitação até os ataques em Nova York, a partir de então ele encontra uma população amedrontada pelo perigo real de um atentado terrorista perpetrado por extremistas muçulmanos”, analisa Anna Mamede, mestre em Relações Internacionais pela PUC-MG, que pesquisou os discursos de Jean-Marie após o 11 de setembro.

“Com os ataques, esse discurso encontra terreno fértil para sua propagação e aceitação pela sociedade como um todo. É quando dizemos que houve a ‘securitização’ de determinado problema: ele deixa de ser tratado como um problema qualquer e passa ser tratado como uma questão de segurança, em que você pode ir além das ‘regras do jogo’, pois a própria sobrevivência da sociedade estaria em risco”, diz Anna.

Marine, a renovadora

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Nesse sentido, a chegada de Marine Le Pen à liderança do partido, em 2011, representou simultaneamente mudanças e continuidades no legado de Jean-Marie: ao mesmo tempo em que se apropriou do discurso do pai no sentido de combater a imigração, favorecida por um contexto de crise econômica e migratória, Marine se desvencilhou de velhas bandeiras que encontravam grande resistência no público francês – e já não encontravam eco no eleitorado jovem que, culpando os estrangeiros pelo desemprego, poderia vir a votar na Frente Nacional.

“Não adiantava mais o partido continuar sendo antissemita, continuar sendo homofóbico... isso não tem mais validade”, comenta Guilherme Ignácio. “Quando a Marine Le Pen entra, ela já tem muito tempo de militância com a juventude da FN. Então boa parte das pessoas que entram com ela é de uma geração diferente. Uma geração que cresce no neoliberalismo, onde o anticomunismo já não tem o mesmo significado de antes, onde manter o antissemitismo não significa absolutamente nada”, complementa.

Se pegarmos o que ela prega economicamente, Marine estaria mais próxima da esquerda do que da própria direita

Guilherme Ignácio Franco de Andradedoutorando na PUC-RS que pesquisa a história da Frente Nacional

Essa renovação ideológica em partes se apresenta, sobretudo, na política econômica de Marine Le Pen. Tendo formado seu partido durante a Guerra Fria, Jean-Marie se distanciava de políticas estatistas, posicionando-se como um ultraliberal. A filha é diferente: suas propostas incluem dar fim ao plano de austeridade implementado pela União Europeia, aumentar os serviços públicos e o estado de bem-estar social.

“Se pegarmos o que ela prega economicamente, Marine estaria mais próxima da esquerda do que da própria direita”, diz Guilherme Ignácio. “Mas ela se diferencia da esquerda pelo programa excludente: o assistencialismo estatal que ela quer aumentar é para os franceses. Exclusivamente os franceses brancos – não os imigrantes, não os naturalizados de primeira, segunda, terceira ou quarta gerações. Ainda é um programa extremamente preconceituoso”.

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Desde que assumiu a liderança da FN, Marine Le Pen deu início a um projeto de “dédiabolisation” (literalmente: desdiabolização) do partido. A ideia era tirar definitivamente a sigla da marginalidade política que havia marcado os dias de seu pai, posicionando-a como uma opção concreta para os problemas atuais da França. O partido começou a investir mais fortemente na participação em eleições locais e abordar temáticas que fugissem à ladainha já conhecida de Jean-Marie.

“Marine colocou em ação uma estratégia voltada a modernizar, profissionalizar e dar mais credibilidade ao partido e à sua candidatura. Isso inclui uma maior presença na mídia, o recrutamento de candidatos mais jovens e credenciados, a ampliação e diversificação dos temas abordados no programa e o distanciamento de tudo o que possa estar relacionado ao passado fascista da organização”, explica Aline Burni.

O eleitor que vem somando apoio à Marine Le Pen é mais jovem, proveniente das classes populares, com baixa escolaridade, morador de regiões rurais e subúrbios, orientado por valores antiblogalização

Aline Burnidoutoranda na UFMG que estuda a ascensão eleitoral da extrema-direita na Europa

Os resultados foram pouco a pouco aparecendo e crescendo rapidamente. Nas eleições municipais de março de 2014, a Frente Nacional conquistou doze prefeituras no país – um número pequeno, mas um recorde para o partido. Dois meses depois, em maio, a sigla conquistou a maior votação da França nas eleições para o parlamento europeu, ocupando 24 dos 74 assentos destinados ao país. O resultado chocou analistas no mundo inteiro: foi a primeira vez que a FN havia acabado um pleito em primeiro lugar, e justamente para o congresso da União Europeia, da qual é crítica.

Em 2017, Marine Le Pen já fez a maior votação da história de seu partido em eleições presidenciais: no primeiro turno, fez 21% dos votos. Para o enfrentamento direto com Emmanuel Macron, a vitória é mais difícil – o candidato de centro recebeu o apoio de François Fillon, que concorreu pelo partido conservador moderado Os Republicanos, e também do esquerdista Benoît Hamon, candidato do Partido Socialista –, mas Le Pen deve aumentar consideravelmente seu apoio, mesmo que não consiga ultrapassar o concorrente: as primeiras pesquisas indicam que a candidata da extrema-direita deva conquistar cerca de 40% dos votos em 7 de maio.

O eleitorado de Marine

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A ascensão da Frente Nacional pode ser atribuída a diversos fatores: ao contexto econômico e político, às estratégias bem-sucedidas que o partido adotou desde a chegada de Marine Le Pen à liderança, e ao próprio descrédito das siglas mais tradicionais. Ao longo das últimas décadas, os únicos grupos políticos viáveis no país eram o Partido Socialista, à esquerda, e o grupo de direita tradicional conhecido hoje como Os Republicanos, que já teve diversos nomes no passado (mais recentemente, chamava-se UMP – União por um Movimento Popular, que elegeu Jacques Chirac e Nicolas Sarkozy no passado): eles acabaram, respectivamente, em quinto e terceiro lugar no pleito de 2017.

“Desde meados da década de 1990, o FN é um dos partidos preferidos pela classe operária e vem crescendo nos meios populares, muitas vezes conquistando antigos eleitores de esquerda, desiludidos tanto com o Partido Socialista, quanto com o Partido Comunista”, argumenta Aline Burni. “O eleitor que vem somando apoio à Marine Le Pen é o eleitor mais jovem, proveniente das classes populares, com baixa escolaridade, morador de regiões rurais e subúrbios, orientado por valores antiblogalização”, prossegue.

Como ocorreu em outros pleitos recentes com vitórias conservadoras, como a vitória do Brexit no Reino Unido e a eleição de Donald Trump nos EUA, Le Pen também encontra a maior parte dos votos no interior do país, longe dos centros urbanos. “São lugares onde há menor presença de imigrantes e onde mais recursos provenientes da União Europeia participam da agricultura”, diz Aline.

Mesmo sem resultado suficiente para chegar ao poder, a Frente Nacional tem pautado a política francesa nos últimos cinco anos

Guilherme Ignácio

A aparente contradição se explica pela percepção que esses eleitores têm da situação do país: “os setores mais populares e pessimistas em relação ao futuro são mais facilmente atraídos pelo discurso nacionalista porque a globalização não tem trazido impactos positivos para todo mundo. Mais do que características sociológicas homogêneas, o que forma o grupo dos chamados ‘perdedores da globalização’ são suas percepções muito negativas do futuro e do mundo”, complementa.

Independentemente do que acontecer na votação de 7 de maio, é certo que Marine Le Pen continua a ser demonizada por grande parte da mídia e da oposição. Mas os especialistas alertam: desconsiderá-la de imediato como apenas mais uma racista ou xenófoba é incorrer em equívoco semelhante ao que os críticos de Donald Trump caíram no ano passado – ignorar as razões de sua popularidade frente a uma parcela considerável dos eleitores, e os efeitos que isso produz em uma discussão política mais ampla.

Não é casualidade que as pautas da FN acabaram sendo as mais discutidas ao longo dos debates na França. “A Frente Nacional aprendeu o que fazer: não precisa chegar ao poder para conseguir passar a sua agenda política”, diz Guilherme Ignácio. “A restrição à naturalização de estrangeiros, a proibição ao uso de burcas, o debate em prol da pena de morte... os outros partidos, para não perder tantos eleitores, passaram a discutir essas questões. Mesmo sem resultado suficiente para chegar ao poder, a Frente Nacional tem pautado a política francesa nos últimos cinco anos”, conclui.

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