A tristeza que naturalmente sinto diante do falecimento de alguém importante e que de certa forma me acompanhou ao longo da infância, adolescência, idade adulta e velhice, a rainha Elizabeth II, é acompanhada por um quê de medo do que pode estar por vir. Essa pode ser uma oportunidade para que políticos equivocados cometam equívocos, não em nome da felicidade humana, e sim em nome dos malfeitos.
De certa forma, seria fácil se aproveitar da ocasião justamente pela forma como a monarca cumpriu seus deveres. Aos 21 anos, ela jurou dedicar a vida a cumprir seu dever, um dever que lhe impuseram desde o nascimento, e 70 anos mais tarde ninguém pode dizer que ela não cumpriu sua promessa. Ela ainda cumpria seu dever poucos dias antes de morrer, aos 96 anos. Na história contemporânea, são poucos os exemplos disso. Por isso ela manteve sua popularidade do momento em que assumiu o trono até a sua morte. Seu comportamento era contido e sua postura, exaltada. Ela nunca cometeu o erro de achar que era uma pessoa interessante ou notável, e foi assim que ela se tornou admirável.
Claro que as condições de trabalho dela eram ótimas, mas isso por si só não torna a pessoa virtuosa. Manter a noção do limite depois de passar toda uma vida recebendo mesuras e elogios foi um grande feito moral. Sem dúvida a experiência dela durante a guerra, quando compartilhou de algumas das mesmas privações da população, a ajudou nisso.
As virtudes da rainha Elizabeth II, contudo criaram um problema para o sucessor. Ele não será tão bom quanto ela. Acostumada a uma espécie de perfeição na função de chefe de Estado, a população britânica, incapaz de se lembrar de outro cenário (o pai da rainha, rei George VI, a quem ela sucedeu em 1952, era igualmente popular), acredita que essa perfeição é normal. O novo monarca, portanto, estará sob escrutínio constante e provavelmente saíra prejudicado numa comparação.
Paradoxalmente, a responsabilidade com a qual a rainha Elizabeth II exerceu seu papel influenciou negativamente a forma como a população entende a monarquia constitucional. Assim como muitos norte-americanos não entendem ou ignoram o papel da Constituição na vida política, muitos britânicos já não conseguem admirar o monarca como um exemplo moral a ser referenciado como tal. Charles III agora se torna rei não pelo seu caráter virtuoso, e sim apenas por ser o filho mais velho da monarca anterior, e ele seria rei mesmo que fosse uma pessoa pior do que é. O rei só seria deposto se estivesse em desacordo com a Constituição; seus pecadilhos não significam nada.
Sem entender isso, muita gente acha que o filho mais velho de Charles deveria ser o rei, uma vez que o veem como uma pessoa melhor do que o pai. Essas pessoas não entendem que a monarquia não é um processo eleitoral nem um concurso de beleza. O monarca é um símbolo, não uma figura exemplar. No entanto, muita gente acha que a rainha foi rainha durante tanto tempo porque era boa.
Também há os republicanos que querem cutucar a onça com vara curta. Eles mencionam as deficiências da monarquia, a começar pela irracionalidade dela quando se parte de princípios abstratos, ainda que seja difícil aplicar isso ao caso da rainha Elizabeth II. Assim, na prática eles esquecem que as pessoas correm mais risco de serem oprimidas pelas autoridades eleitas. Como muitos intelectuais, eles preferem lutar contra as sombras em vez de enfrentarem monstros reais: é mais fácil e mais gratificante.
A rainha está morta. Vida longa ao rei.
Theodore Dalrymple é colaborador do City Journal, membro do Manhattan Institute e autor de vários livros.
© 2022 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês.
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