Apesar das suas credenciais progressistas, muitos líderes da Califórnia estão cada vez mais confortáveis em reconhecer que as políticas climáticas do estado prejudicarão os pobres e beneficiarão os ricos. Em 2023, burocratas da Califórnia finalmente revelaram que alcançar a neutralidade de carbono até 2045 reduziria cumulativamente a renda das famílias que ganham menos de US$ 100.000 por ano em US$ 5,3 bilhões, enquanto enriqueceria famílias de renda mais alta em um valor equivalente.
No início deste ano, alguns legisladores preocupados pediram ao Escritório de Análise Legislativa (LAO, na sigla em inglês), órgão apartidário do estado, para avaliar como amenizar os “efeitos regressivos” das iniciativas climáticas da Califórnia. Embora o pedido tenha se concentrado em apenas dois itens — programas de veículos limpos e de energia doméstica — o LAO compilou uma resposta de 16 páginas detalhando as inúmeras maneiras pelas quais a política climática do estado prejudica os desfavorecidos, incluindo altos custos de energia, acesso limitado à tecnologia limpa e residentes mais pobres subsidiando “famílias verdes” mais ricas.
Pode parecer impensável que legisladores da Califórnia, um estado profundamente democrata, planejariam deliberadamente empobrecer comunidades pobres e minoritárias. Mas os ativistas climáticos se apoiam em dois dogmas para minimizar as preocupações com equidade social. Primeiro, eles alegam que as mudanças climáticas causadas pelo homem prejudicarão mais os pobres. Segundo, argumentam que a redução das emissões de gases de efeito estufa na Califórnia limitará os riscos climáticos para todos, especialmente os pobres. Nenhuma das duas crenças resiste a uma análise rigorosa.
À primeira vista, a afirmação de que as mudanças climáticas prejudicarão desproporcionalmente as comunidades de baixa renda faz algum sentido. Afinal, os pobres têm menos recursos que os ricos. Seja o futuro mais quente ou mais frio, as pessoas mais pobres terão menos capacidade de pagar por ar condicionado ou aquecimento. Mas o mesmo é verdade hoje em relação à capacidade das famílias de baixa renda de obter serviços médicos, educação e moradia. A Califórnia, como outros estados e nações, já oferece serviços financiados por impostos e serviços de caridade nessas áreas para os menos afortunados; presumivelmente, continuaria a fazê-lo em um futuro mais quente (ou mais frio).
Enquanto a Califórnia busca mitigar mudanças de temperatura hipotéticas, no entanto, suas políticas de energia verde impõem danos reais e imediatos aos pobres — como o aumento vertiginoso dos preços da energia. Esses custos atormentam os residentes menos afortunados de um estado que já tem a pior taxa de pobreza ajustada ao custo de vida dos EUA.
Vale a pena notar que as emissões humanas, na medida em que estão causando uma “emergência” ou “crise” climática, coincidiram com uma das maiores reduções da pobreza global na história. Segundo o Banco Mundial, entre 1990 e 2019, enquanto as emissões aumentavam, a proporção da população mundial em extrema pobreza caiu de 38% para 8,4%. A produção de alimentos também disparou de 2000 a 2020, com a produção global de culturas primárias aumentando em 52%, a produção de carne em 45% e a produção de óleo vegetal em 125%. Esses números superaram em muito o crescimento populacional e resultaram no aumento da ingestão calórica diária em todas as regiões do mundo. Ao mesmo tempo, a economia global real quase dobrou de valor.
Os lockdowns da Covid interromperam esses ganhos, devastando a economia global em 2020. A perturbação econômica resultante “causou um golpe histórico na redução da pobreza”, segundo o Banco Mundial. Quase 70 milhões de pessoas a mais em todo o mundo estavam em extrema pobreza no final de 2020 — o primeiro aumento em décadas. No entanto, os lockdowns também reduziram as emissões em 2020 em 7%. Um alto funcionário da ONU celebrou esses resultados como um “treinamento de emergência” para a ação climática; outros ativistas insistem que cortes nas emissões no nível da pandemia devem ser duplicados a cada dois anos para cumprir as metas de temperatura da ONU até 2100.
Se os ativistas climáticos apoiam os resultados de corte de emissões dos lockdowns da era pandêmica, então terão que conviver com os efeitos correspondentes sobre os mais pobres entre nós. É uma troca que eles prefeririam não discutir.
O segundo argumento dos formuladores de políticas climáticas — de que os esforços da Califórnia tornarão o mundo mais habitável para todos, incluindo os pobres — enfrenta uma realidade teimosa: é praticamente impossível para o estado reduzir as emissões globais de maneira significativa sozinho. Como reconheceu o ex-governador Jerry Brown, cortes nas emissões sem reduções complementares na China, Índia, Rússia e Oriente Médio “seriam ineficazes”. Embora os burocratas climáticos do estado afirmem ter “desacoplado” o crescimento econômico das atividades intensivas em emissões, nada disso ocorreu em escala global.
É possível sustentar o crescimento econômico sem emissões de carbono? Estudos do Reino Unido e da União Europeia mostram que o crescimento com baixas emissões ocorreu principalmente em regiões mais ricas, onde setores intensivos em serviços substituíram a produção de bens de alta energia. Mas até mesmo essas áreas precisam e importam grandes quantidades de itens como aço, cimento, produtos químicos, equipamentos industriais e domésticos, vidro e alimentos.
Quando as emissões “terceirizadas” causadas por essas importações são contabilizadas, o Reino Unido ou, digamos, a Dinamarca, tem uma pegada de carbono muito maior e, no caso da Dinamarca, “uma reputação verde imerecida”, segundo o cientista Vaclav Smil. Em parte para contabilizar honestamente essas emissões ocultas, a UE e o Reino Unido estão impondo um imposto de importação sobre o conteúdo de carbono. A Califórnia se recusa a contabilizar quaisquer emissões não territoriais.
O deslocamento — mas não a eliminação — da produção de bens de áreas supostamente verdes e o desejo por melhores padrões de vida supercarregaram o consumo de energia e as emissões em todos os outros lugares. Estudos cuidadosos sobre emissões e crescimento mostram que, em algumas áreas, como o Reino Unido, o crescimento e as emissões per capita estão cada vez mais descorrelacionados; mas também mostram, globalmente, “um forte acoplamento entre as emissões de dióxido de carbono e o PIB real per capita.”
À medida que o crescimento econômico global disparou, as emissões médias per capita expandiram de 3,76 toneladas métricas (TM) por ano nos anos 1990 para 4,35 TM por ano entre 2012 e 2021. No ano passado, as emissões globais de dióxido de carbono atingiram 37,4 bilhões de TM, o maior número da história, segundo a Agência Internacional de Energia.
Desde pelo menos a década de 1990, quando o Senado dos EUA rejeitou o tratado climático de Kyoto por 95 votos a zero porque ele não incluía metas de emissões para países em desenvolvimento, os ativistas ocidentais entenderam que tanto as nações desenvolvidas quanto as em desenvolvimento precisariam cortar emissões para atingir as metas climáticas da ONU. Mas os formuladores de políticas climáticas nunca explicaram honestamente como exatamente os cortes de emissões propostos permitiriam que o crescimento econômico persistisse ao longo do tempo tanto em países pobres quanto ricos.
Em 2018, um grupo internacional de acadêmicos criou novos potenciais “caminhos” para atingir as metas de emissões de 2100, incluindo uma abordagem “verde” e uma abordagem de uso de combustíveis fósseis. Alguns desses caminhos, segundo os pesquisadores, gerariam um crescimento mais equitativo entre países ricos e pobres.
Mas um estudo recente dos “cenários modelo” do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas demonstra que os planos dos formuladores de políticas climáticas prejudicariam ainda mais os pobres do mundo, enquanto enriqueceriam as áreas já ricas. Os caminhos do IPCC, concluíram os analistas, colocariam o fardo da “mitigação das mudanças climáticas (...) diretamente sobre os países em desenvolvimento”, enquanto permitiriam que “os países desenvolvidos (...) aumentassem seu consumo de energia sem serem impedidos por restrições ao uso de combustíveis fósseis.”
A disposição da Califórnia de prejudicar seus cidadãos mais vulneráveis em sua cruzada condenada de redução de emissões é sintomática das falhas das políticas climáticas do Ocidente. A transição para uma economia de serviços em lugares como a Califórnia, o Reino Unido e a Alemanha concentrou riqueza em lares e empresas menos afetados pelos custos de eletricidade, combustível automotivo e gás natural. Líderes políticos e ativistas podem, por um tempo, conter as aspirações das comunidades operárias e da classe média, ao mesmo tempo em que afirmam ter desacoplado o crescimento das emissões de carbono.
Mas, à medida que o Ocidente obcecado pelo verde desperdiça seu impulso, o crescimento econômico, a demanda por combustíveis fósseis e a vitalidade política estão se deslocando para a China (o maior emissor do mundo) e para nações em rápido desenvolvimento, como Guiana, Filipinas, Vietnã, Índia e Tanzânia. Enquanto isso, os países desenvolvidos que buscam reformular a infraestrutura energética mundial irritaram grandes exportadores, como China e México. Muitos países não ocidentais estão supostamente tentando contornar a economia dominada pelo dólar para escapar da influência americana e europeia.
Os ativistas climáticos da Califórnia e do Ocidente precisam mudar de curso. Estratégias regionais de desacoplamento quase certamente falharão em moderar as temperaturas globais, ao mesmo tempo que impõem fardos proibitivos aos pobres globalmente. Em vez disso, os formuladores de políticas deveriam se esforçar para equilibrar o avanço social e econômico com reduções razoáveis de emissões. Caso contrário, os ativistas correm o risco de criar um futuro menos dinâmico – construído às custas dos pobres.
©2024 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês: Climate Reactionaries