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A vacinação de crianças e jovens com vacinas para Covid-19, especialmente a vacina da Pfizer (Comirnaty), baseada em nova tecnologia mRNA, prossegue sendo tema gerador de discórdia. A principal razão tem a ver com o fato dela ser aplicada em milhões de pessoas com autorização de emergência, por muito tempo, e não uma aprovação completa. Esse fato alimenta desconfianças e, para piorar, o descaso de autoridades com quem apresenta legítimas indagações só faz crescer a confusão entre casos notoriamente falsos que circulam nas redes sociais e outros, mais consistentes, nos quais há indícios de que realmente pode haver alguma relação causal entre a morte e a inoculação da vacina.
A vacina da Pfizer ganhou essa aprovação em setembro de 2021, enquanto outra de mesma tecnologia, a Spikevax, da Moderna, só foi autorizada, agora, em 31 de janeiro, nos Estados Unidos. Alarmados com relatos de efeitos adversos da inoculação, muitos pais têm resistido à ideia de vacinar suas crianças, e alguns procuram a alternativa da Coronavac, por ser baseada em tecnologia tradicional de imunização.
Um dos casos de morte após aplicação da vacina para Covid foi o de Bruno Graf, de 28 anos, imunizado com dose da AstraZeneca. Há supostos casos infantis, como o de Kauã Bandeira e Silva, 12 anos, de Mossoró, que teria falecido oito dias após a inoculação. Apesar desses relatos, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tem declarado à imprensa que não há casos confirmados de mortes infantis em decorrência da vacina.
Indignação
Cansados do que consideram lentidão ou omissão dos governos em lidar com relatos de eventos adversos, alguns cidadãos tomaram iniciativa própria para reunir, expor e investigar essas ocorrências. É o caso do site No More Silence (“Chega de Silêncio”). Nele, os organizadores afirmam: “não somos antivacina e nem teóricos da conspiração (...), somos pró-escolha informada, pró-consentimento, pró-ciência e enfaticamente anticoerção”. O site lista 17 casos de brasileiros supostamente vítimas de efeitos adversos dessas vacinas, incluindo mortes como a de Kauã. Não há como comprovar se são todos verdadeiros.
Listas de casos adversos circulam até mesmo no Facebook, que mantém parcerias com agências de checagem para restringir esse tipo de informação. Com um pouco de rigor na análise dos relatos é possível notar rapidamente que, de fato, há exposição de casos falsos, muitos deles notoriamente motivados por ativismo antivacina. Há também quem confunda o cuidado com evidências e a prudência nas alegações de relação causal – comum na medicina e na ciência - com insensibilidade ou descaso.
O caso de Lençóis Paulista
No último dia 19, uma criança de dez anos da cidade de Lençóis Paulista (SP) foi internada em Botucatu com um quadro cardíaco que se desenvolveu após a vacinação para Covid-19. A menina desmaiou 12 horas após a inoculação com a versão pediátrica da vacina da Pfizer e teve uma parada cardíaca. Desesperado, o pai chegou a acreditar que havia perdido a filha. Felizmente, os médicos tiveram sucesso em reanimá-la.
Em resposta ao caso, a cidade suspendeu a vacinação de crianças de cinco a 11 anos por uma semana, para observar as 46 crianças que haviam sido inoculadas com essa vacina no local. Os ministros Marcelo Queiroga, da Saúde, e Damares Alves, dos Direitos Humanos, visitaram a família.
A reportagem da Gazeta do Povo conversou com a mãe da menina, que pediu para não ter o nome divulgado. No dia 27 de janeiro, sua filha passou por uma cirurgia para corrigir uma sequela deixada pela parada. “Ela nunca apresentou nada de anormal, sempre fez dança, natação, luta na escola. Era ativa”, diz a mãe, dando uma lista de três medicamentos para asma que a filha já tomou. A respeito de sua filha poder ter um problema cardíaco congênito, diz que não há consenso entre os médicos envolvidos: “uns dizem que sim, outros dizem que não. Eu não entendo. Eles não querem afirmar nada”.
A dúvida dos médicos relatada pela mãe contraria a conclusão de uma investigação relâmpago feita por dez especialistas coordenados pelo Centro de Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Os especialistas alegaram que a menina já possuía uma “doença congênita rara” e que “não existe relação causal entre a vacinação e o quadro clínico apresentado”. O comitê viu necessidade de reafirmar a segurança e a eficácia dos imunizantes aprovados pela Anvisa.
Para a cardiologista e eletrofisiologista Ellen Guimarães, a conclusão do grupo investigativo que tratou do caso de Lençois Paulista foi precipitada: “não dá para bater o martelo em 24 horas e dizer que o evento não tenha outra ‘influência’”, afirma.
Segundo a médica, há síndromes congênitas, como a de Wolff-Parkinson-White (WPW), nas quais o risco de parada cardíaca e morte súbita existe, embora seja muito pequeno, de até 0,3%. Portanto, em casos como esse, as probabilidades indicam que uma interferência externa, como a vacina, poderia funcionar como gatilho para uma parada cardíaca.
A cardiologista exemplifica que em necropsia de vítimas de morte súbita com WPW, metade delas apresentam miocardite como possível gatilho da parada cardíaca. Por isso, ela acredita que a miocardite vacinal não pode ser descartada e somente uma investigação rigorosa – não “relâmpago” - poderia esclarecer o que houve.
A Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo foi procurada para comentar sobre as inconsistências entre o relato da mãe e as declarações da equipe investigativa. A reportagem também apresentou as indagações da cardiologista, mas a secretaria optou por não responder perguntas específicas e apenas repetiu o que foi dito à imprensa anteriormente, reafirmando inexistência de relação causal entre a vacina e a parada cardíaca.
Rigor nas estatísticas
Devido a casos de inflamação do coração e seu revestimento associados à vacina de mRNA, críticos da imunização infantil têm concluído que a vacina da Pfizer pode ter sido essa interferência externa em casos como o de Lençóis Paulista.
As estimativas mais confiáveis indicam que o risco geral de inflamação no coração e seu revestimento após tomar a vacina é de duas pessoas em 100 mil, mas aumenta para dez em 100 mil nos jovens entre 16 e 29 anos, atingindo a maior expressão entre adolescentes do sexo masculino: 14 em 100 mil. Essa inflamação costuma passar em menos de uma semana. Contudo, é aguda logo após a inoculação, manifestando-se em poucos dias ou, em alguns casos, horas. Portanto, há elementos que coincidem com o caso da menina de Lençóis Paulista, mas também há elementos menos consistentes, como seu sexo. A própria COVID-19, sugerem diferentes estudos, causa mais miocardites do que a vacinação.
A bula da Comirnaty, disponível no site da Pfizer, traz a idade limite de cinco anos nas recomendações, indicando dose pediátrica diluída. O documento menciona os casos de pericardite e miocardite, reconhecendo que homens jovens são os mais afetados, mas afirma que são eventos “muito raros” e “leves”. Além disso, reconhece que a duração da proteção conferida pela vacina é desconhecida e que, “tal como em qualquer vacina, é possível que (...) não proteja todos os indivíduos”.
Em Boletim Epidemiológico publicado no mês de novembro, o Ministério da Saúde informa que o número de eventos adversos das vacinas relatados curiosamente caiu nas doze primeiras semanas de vacinação (p. 82). A cada cem mil doses aplicadas, a taxa de incidência de óbitos relatados é de 1,5 para a AstraZeneca, 3,7 para a Coronavac, 0,3 para a Pfizer e 0,5 para a Janssen (p. 83). A campeã de eventos adversos totais é a AstraZeneca, com 92 casos em 100 mil doses, e, segundo esses dados a mais segura seria justamente a Pfizer, com 23 por 100 mil doses.