As eleições dos Estados Unidos foram um bafafá que contagiou o Brasil. Trumpistas de Governador Valadares manifestaram seu apoio em outdoors. Boatos anunciaram uma carreata em Maceió para defender Trump e pedir a recontagem. De outro lado, as Marcinhas deste Brasil falavam de uma entidade maligna chamada Trampiboçonaro, enfim exorcizada dos Estados Unidos. Quero ver como será essa esquerda abertamente defensora do presidente dos Estados Unidos e contrária ao do Brasil.
Bem ou mal, parece que voltamos a um pan-americanismo ao gosto de um Nabuco, tão fora de moda desde Vargas. Depois desse nacionalista fascistoide que a esquerda adora, tivemos de nos haver com uma diplomacia Sul-Sul inventada pelos militares e repetida pelo petismo. E nesse ínterim ainda tivemos, no âmbito intelectual, o culto à pieguice de Eduardo Galeano, com suas Veias abertas da América Latina: o ó do borogodó.
De todo o bafafá, no Brasil, uma coisa me chamou a atenção sobremaneira: por que recontagem súbito virou um tabu entre os iluminados?
Da etiqueta ao tabu
A falta de modos de Trampiboçonaro é apresentada como uma ameaça real à democracia. Uma bravata, uma declaração ofensiva, parecem capazes de fazer ruir sistemas políticos construídos por séculos. De fato, é muito feio um presidente espernear no Twitter porque não aceita o resultado da apuração. Se não aceita, peça recontagem com compostura. Mas, por mais feio que seja, não vejo como isso possibilitaria a permanência indefinida de Trump na presidência. Os Estados Unidos não são a Coreia do Norte nem Cuba, onde a vontade do presidente não tem nenhum freio institucional.
Parece que, na cabeça das Marcinhas, tudo se passa assim: existe um Grande Líder na presidência, e todos os seus súditos tentam imitá-los em tudo. Se Bolsonaro diz que prefere filho morto a filho viado, então todos os seus eleitores sairão matando gays nas ruas. Se ele é homem branco cis hétero de direita, então é um nazista, e seus eleitores sairão por aí fazendo suásticas em lugares tão críveis como banheiros de universidades públicas. Se Bolsonaro disser que 1 + 1 = 3, acaba a matemática no Brasil, e ninguém jamais acertará uma conta na padaria outra vez.
Aí, quando Trampiboçonaro diz que a eleição foi roubada e pede recontagem, é gópi. Todos os seus eleitores irão magicamente recusar a eleição. Coisas ruins vão acontecer. A democracia acaba, e ninguém nunca mais vai aceitar um resultado eleitoral. Recontagem é coisa de fascista.
Só esquecem, claro, que a recontagem é prevista por lei, e que Al Gore – aquele maluquete do aquecimento global – até já usou desse expediente ao questionar a apuração da eleição que resultou na vitória de Bush. (Curiosamente, a gente não vê candidato vitorioso pedindo recontagem.)
Nossa democracia nas mãos do chavismo
Ao cabo, a fé inabalável nos resultados das eleições se tornou um dogma entre aqueles que se julgam mui sabidos e sagazes. A República Velha tinha fraudes notórias, mas tudo isso teria sido resolvido com a milagrosa urna eletrônica, da qual quem duvida é fascista. (Por outro lado, os arcaicos papeizinhos dos Estados Unidos são ótimos para atestar a vitória de Biden.)
Algo pouco lembrado e pouco notado é que o Brasil, entre 2012 e 2016, confiou a sua democracia à Smartmatic, empresa que, a despeito desse nomezinho anglófono, teve venezuelanos como fundadores. Mais: cuidou das votações na Venezuela desde 2004 até pelo menos 2017. Quando trabalhava na Veja, Leonardo Coutinho fez uma reportagem sobre a associação entre a Smartmatic e o chavismo.
No período em que cuidou da democracia brasileira, a Smartmatic pegou uma única eleição presidencial. Foi a apertada recondução de Dilma ao cargo de chefe do Executivo em plena crise econômica, logo após os protestos de 2013.
Mas se já decidiram que só quem fala de fraude é Trampiboçonaro, não é de bom tom insistir no assunto. Afinal, onde já se viu democracia em que se pode auditar a contagem de votos, não é mesmo? Democracia transparente é fascismo!
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