Um estudo de quatro economistas investigou se ganhar na loteria reduz a chance de cometer crimes. É uma forma de perscrutar a relação muito debatida entre criminalidade e classe socioeconômica. Se ficar rico instantaneamente não altera as chances de um indivíduo cometer crimes — foi justamente esta a conclusão da análise —, isso reforça a tese de que não é a pobreza que causa a criminalidade. O estudo foi publicado este mês pelo National Bureau of Economic Research, uma organização de pesquisa sem fins lucrativos dos EUA.
A base de dados é de apostadores da Suécia, com total de mais de 280 mil indivíduos. Os pesquisadores consideraram o efeito dos prêmios, que juntos equivalem a cerca de seis bilhões de reais (ajustados para inflação e cotação atual) entregues entre 1990 e 2000, tanto nos ganhadores quanto em seus filhos. A ficha criminal considerada incluiu os cinco anos anteriores a receber o prêmio e os sete anos posteriores. Houve comparação com um grupo controle — pessoas que não receberam o prêmio, na mesma faixa de idade e época.
“Nossas estimativas sugerem que ganhar na loteria aumenta a probabilidade de ser condenado a pagar uma multa, mas diminui a probabilidade de ser condenado à prisão”, comentam David Cesarini (Universidade de Nova York) e seus coautores. Esse efeito, contudo, não atingiu a significância estatística, um teste para saber se é real ou apenas uma flutuação do acaso. Os autores também descartaram que o efeito dependa do sexo ou da renda anterior ao prêmio.
E os filhos dos ganhadores? O efeito do prêmio sobre a delinquência juvenil em até uma década também é próximo de zero. O estudo em geral mostra um efeito positivo da fortuna adquirida, mas o efeito falha em atingir a significância estatística.
O que se sabia antes, e o estudo confirma, é que “há uma relação forte e negativa entre o crime e a renda”. Como os prêmios lotéricos não tiveram grande efeito em melhorar ou piorar as taxas de crime entre os ganhadores, os resultados “desafiam a visão de que a relação entre crime e status econômicos reflete um efeito causal de recursos financeiros sobre a criminalidade adulta”, concluem os economistas. Em outras palavras, baixa renda e criminalidade podem ocorrer juntas, mas uma não causa a outra.
O crime tem dimensões econômicas, mas “é uma decisão moral do criminoso”
“Criminosos existem em todas as classes sociais”, disse em entrevista à Gazeta do Povo Roberto Motta, ex-Secretário Executivo do Conselho de Segurança do Rio de Janeiro e autor do livro A Construção da Maldade (Avis Rara, 2022). Para ele, o que varia entre classes sociais é o tipo de crime cometido. “Quando o criminoso tem uma situação socioeconômica mais alta, ele pode cometer crimes mais sofisticados, que geram um melhor resultado para ele, e a possibilidade de ser identificado e preso é menor”, comenta o especialista.
Entre os fatores que mais claramente podem levar uma pessoa a cometer crimes, está a “desestruturação familiar”. “Crianças que são criadas exclusivamente pela mãe, com ausência total da figura do pai, tendem a ter uma probabilidade maior de se envolverem nesses problemas no futuro”, explica Motta. Sobre o estudo, ele pensa que foi “estranha” a escolha da Suécia, por não ser um país muito representativo, mas vê valor na exploração da economia do crime em termos de custos e benefícios para os criminosos.
Quando os custos são baixos e os benefícios são altos, “como é o caso de sociedades como o Brasil”, há mais pessoas violando a lei. “O crime é sempre uma decisão moral do criminoso, sempre uma escolha que ele faz. Mesmo que os incentivos sejam altos e as punições sejam baixas, muita gente não vai cometer o crime porque sua formação moral impede”, conclui.
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