Ativistas do grupo ambientalista “Extinction Rebellion” protestam em Berlim, em março de 2022, exibindo a meta máxima de elevação da temperatura média do planeta do Acordo de Paris (1,5ºC). A meta é baseada em cenários que o próprio grupo de trabalho científico do IPCC agora considera extremos e implausíveis. O tom do novo Relatório de Síntese do IPCC, de 2023, pende para o alarmismo e comete erros científicos.| Foto: Stefan Müller
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Na semana passada (20) o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU, publicou seu sexto relatório de síntese sobre o estado do clima e ações a serem tomadas para mitigar o aquecimento global. Com 96 autores, grupo pequeno se comparado aos milhares de evolvidos que contribuem para seus relatórios completos, o documento tem linguagem às vezes genérica e mal definida, às vezes típica de militantes de esquerda, e tropeça no rigor científico, favorecendo o alarmismo. São as conclusões de diferentes especialistas e interessados que analisaram a síntese.

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No comunicado oficial à imprensa, Hoesung Lee, diretor do IPCC, disse que “a ação climática eficaz e equitativa não apenas reduzirá perdas e danos para a natureza e as pessoas, [mas] também trará benefícios mais amplos”. Ele diz que o relatório de síntese “enfatiza a urgência de ação mais ambiciosa e mostra que, se agirmos agora, ainda podemos assegurar um futuro habitável e sustentável para todos”.

A síntese informa que a temperatura média global aumentou 1,1°C desde os níveis pré-industriais, antes que a Revolução Industrial começasse a utilização em larga escala de combustíveis fósseis como o carvão mineral e o petróleo. Esse aquecimento “resultou em eventos climáticos extremos mais frequentes e mais intensos que causaram impactos cada vez mais perigosos na natureza e nas pessoas de toda região do mundo”, dizem os autores. Exemplos desses eventos são ondas de calor e chuvas mais fortes. “Em toda região, as pessoas estão morrendo de calor extremo” e estão crescentemente expostas à insegurança alimentar e de acesso à água potável.

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Aditi Mukherji, pesquisadora chefe do Instituto Internacional de Manejo de Água, que está entre os 93 autores, disse que “a justiça climática é crucial, pois aqueles que menos contribuíram para as mudanças climáticas estão sendo afetados desproporcionalmente”. Ela completou que “quase metade da população do mundo vive em regiões que são muito vulneráveis às mudanças climáticas. Na última década, mortes devido a enchentes, secas e tempestades foram 15 vezes mais frequentes em regiões muito vulneráveis”.

Omissão e vocabulário tendencioso

Na parte de sugerir soluções, a síntese é mais vaga, fala em “desenvolvimento resiliente ao clima”, “eletricidade de baixo carbono, caminhada, uso de bicicletas e transporte público”. Não há menção, em nenhuma das versões da síntese (completa, para governantes e para a imprensa), à energia nuclear, uma das melhores alternativas aos combustíveis fósseis e superior às ditas energias renováveis. Apesar de a função do IPCC ser primariamente lidar com informação científica, o relatório fala que, para serem eficazes, as escolhas “precisam ser enraizadas em nossos valores, visões de mundo e saberes diversos, incluindo o científico, o Conhecimento Indígena e o conhecimento local”: o conhecimento indígena ganha iniciais maiúsculas, mas não o científico.

O IPCC não faz pesquisas próprias, mas interpreta a pesquisa científica publicada e estimula ações por parte dos governos membros. Ele é dividido em três grupos de trabalho: o Grupo 1 interpreta a ciência física do aquecimento global, o Grupo 2 trata do impacto das mudanças climáticas, e o Grupo 3 propõe ações para reduzir esse impacto.

Em um quadro marcado com “alta confiança”, o relatório de síntese defende “ações que priorizem a equidade, a justiça climática, a justiça social e a inclusão”. O vocabulário está em voga na esquerda, especialmente a identitária, que tem enfatizado “equidade” e abandonado o termo “igualdade”. Os acadêmicos e militantes de esquerda traçaram uma distinção entre as duas palavras, que ainda são tidas como sinônimos no dicionário.

Críticos da esquerda como o psicólogo canadense Jordan Peterson definem “equidade” nesse novo vocabulário como a igualdade de resultados em vez de oportunidades, como a que é buscada no comunismo. O linguista e colunista do New York Times John McWhorter considera o termo capcioso: “estão tentando introduzir [a palavra] sem deixar que você saiba que vai ser igualdade atingida de um jeito que você não gostaria”, por exemplo “colocando pessoas em posições para as quais não estão qualificadas” para efeito estético de diversidade.

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Ciência seletiva

Roger Pielke Jr., um cientista político americano que contribui para a pesquisa do aquecimento global e já teve sua obra citada nos relatórios do IPCC, fez críticas ao relatório de síntese em seu blog na plataforma Substack. Para ele, um dos principais problemas do documento é que o grupo de autores ignorou parte do trabalho do Grupo 1, especialmente um relatório publicado em 2021, preferindo dar ênfase a relatórios de 2018. “Em vez de fazer alarmes apocalípticos sobre ‘risco imediato’, a mensagem da primeira linha desse relatório [do Grupo 1] deveria ser: Ótima Notícia! O cenário extremo que o IPCC via como o mais provável em 2013 agora é considerado de baixa probabilidade”, escreveu Pielke à época do relatório de avaliação científica.

Mas o próprio Grupo 1 enfatizou pouco a boa notícia omitindo a avaliação de probabilidade para cada cenário ou projeção, dando ênfase ao extremo em 40% das menções de cenários possíveis naquele relatório de 3.000 páginas de 2021. O cenário extremo ao qual o cientista se refere é uma combinação de duas projeções conhecidas pelas siglas SSP5-8.5 e RCP8.5. Elas presumem que as emissões aumentarão vertiginosamente no século XXI e que o mundo aumentará muito o consumo de carvão mineral no futuro, “que substituiremos o gás natural por carvão, que substituiremos energia nuclear por carvão, que substituiremos a energia eólica e solar, até que vamos escolher abandonar a gasolina para os carros e usar carvão líquido como combustível. Se isso soa ridículo, é ridículo!”, comentou Pielke.

Esses piores cenários, que são desatualizados, são utilizados em 20% a 30% dos artigos científicos de projeção climática de 2014 a 2019. O IPCC parece ter uma predileção por citar esses artigos. Ao todo, são 17 mil artigos usando o pior e mais implausível cenário. Justificando suas escolhas, a síntese do IPCC diz que “os cenários de emissão muito alta [de gases do efeito estufa] se tornaram menos prováveis, mas não podem ser descartados” — uma enfatização de mera possibilidade em vez de plausibilidade.

Outro resultado científico ignorado pelo relatório de síntese deste mês é que as mortes e perdas econômicas em desastres climáticos estão caindo. Pielke publicou uma revisão de 54 estudos, envolvendo o período de 1988 a 2020, que “encontrou pouca evidência que apoie as alegações de que qualquer parte do aumento geral de perdas econômicas globais (...) seja atribuível às mudanças no clima causadas por humanos, reforçando as conclusões de avaliações recentes do IPCC”. Além disso, o ano de 2021 teve cerca de 6.100 mortes devido a desastres naturais ligados ao tempo e clima. É uma taxa de uma pessoa morta para cada 1.300.000, “a menor taxa global de mortalidade em desastres de tempo e clima em todo o período com registros confiáveis e, ouso dizer, a menor da história humana”, comentou o autor. A nova síntese ignorou a revisão, e 53 desses estudos, preferindo enfatizar a comparação de áreas vulneráveis com áreas não vulneráveis citada por Mukherji.

Pielke pensa que o IPCC é muito importante, que já fez muito de valor no passado, mas que essas escolhas indicam que é hora de reforma. “O IPCC fez várias alegações enganosas sobre ciclones tropicais. Suas falhas são óbvias e inegáveis”, explica. “As mudanças climáticas são importantes demais para deixarmos ciência ruim aparecer na principal avaliação científica do mundo” na área, conclui.

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Pielke não está sozinho. Livros populares de autores como o americano Michael Shellenberger e o dinamarquês Bjørn Lomborg criticam tanto o IPCC em específico quanto o alarmismo climático. Além deles, pensadores da política como Thomas Sowell oferecem uma base para a rejeição do alarmismo em geral como estratégia e postura. Quanto às mortes por calor, o que a síntese deixa de fora é que o frio mata muito mais (até 14 vezes mais) que o calor no mundo, como explicou antes a Gazeta do Povo.

A imagem evocada pelo alarmismo é a da fábula milenar conhecida em português como “Pedro e o Lobo”, de Esopo, ele próprio uma figura “quase certamente lendária” da Grécia antiga, como resume a Enciclopédia Britannica. Pedro é um menino pastor que se diverte chamando a atenção de seus conterrâneos de um vilarejo dizendo aos gritos que viu um lobo. Ele faz isso tantas vezes que os outros não acreditam quando um lobo realmente aparece, come as ovelhas e (a depender da versão) o próprio Pedro. Uma versão antiga em grego dá a lição de moral explicitamente: “esta é a recompensa dos mentirosos: mesmo quando dizem a verdade, ninguém acredita”. O aquecimento global, assim como a pandemia, é um assunto que atrai muitos Pedros.

A National Review, de orientação conservadora, compilou exemplos de alarmes falsos: o ex-premiê francês Laurent Fabius disse que a humanidade tinha apenas “500 dias para evitar o caos climático” — isso foi há 3.242 dias. Sua contraparte britânica em 2009, Gordon Brown, disse naquele ano que temos “menos de 50 dias para salvar nosso planeta da catástrofe”. No mesmo ano, o ex-vice-presidente americano Al Gore disse que “há uma chance de 75% que toda a calota polar do Norte, durante os meses do verão, poderia ficar completamente livre de gelo dentro dos próximos cinco a sete anos”. Não aconteceu, ainda há gelo. O IPCC também prometeu em 2007 o desaparecimento das geleiras do Himalaia em um prazo de 28 anos, mas se retratou, a fonte era uma entrevista de um cientista na imprensa, não um estudo. Gore prometeu para 2016 um “ponto sem retorno” e “uma verdadeira emergência planetária”, o ano veio e se foi, tendo como acontecimentos mais notáveis o Brexit, a eleição de Donald Trump, as Olimpíadas no Brasil e o impeachment de Dilma Rousseff.

O resultado das escolhas do grupo de síntese do IPCC pode ser visto na repercussão do relatório: “está acabando o prazo para assegurar um futuro habitável na Terra”, disse a NBC News. “A humanidade numa encruzilhada climática: estrada para o inferno ou um futuro habitável?”, perguntou a editoria de meio-ambiente do jornal The Guardian. E António Guterres, secretário-geral das Organização das Nações Unidas, deu o tom geral institucional que abraça o alarmismo: “Os ponteiros da bomba-relógio do clima estão avançando”, disse ele no Twitter. “Precisamos agir agora para assegurar um planeta habitável no futuro”. O termo “futuro habitável” não tem definição científica, “planeta habitável” sim, mas não há qualquer indicativo de que o aquecimento global causado pela ação do ser humano, um fato científico, represente uma ameaça de extinção da humanidade ou de toda a vida no planeta.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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