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O Ministério da Saúde publicou um relatório no dia 26 de abril indicando que não houve nenhuma morte de criança relacionada à aplicação das vacinas contra Covid-19 no Brasil. O relatório, chamado boletim epidemiológico, trata do estado da pandemia no Brasil e o mundo, e traz também uma investigação de eventos adversos da vacinação contra a doença. Quatro vacinas foram aplicadas no Brasil, e nas crianças, entre as quais o documento relata zero morte, a inoculação foi feita com a vacina de mRNA da Pfizer e a vacina de vírus atenuado Coronavac.
No mundo, seis milhões e duzentas mil mortes por Covid-19 estão registradas, mas duas análises independentes convergem para a marca de 20 milhões de falecimentos considerando o excesso de mortalidade da pandemia e as medidas sanitárias para contê-la. No Brasil, foram mais de 30 milhões de casos e 660 mil mortes oficialmente registradas.
O relatório ministerial informa os eventos adversos por dose em vez de por pessoa, com um total de 169 mil eventos adversos em mais de 294 milhões de doses administradas. Desses eventos adversos, 12 mil foram classificados como graves (com hospitalização e/ou risco de morte), e outros 3806 foram óbitos. Entre jovens menores de 18, o Ministério da Saúde relata 1,45 evento adverso grave por milhão de doses, e 1,32 morte por milhão de doses.
É importante que se considere a diferença entre evento adverso e efeito colateral das vacinas. Enquanto o primeiro termo se refere a qualquer acontecimento negativo concomitante ou posterior à inoculação, o segundo termo tem estabelecida uma relação causal plausível com a dose, daí o termo “efeito” em vez de “evento”. Um evento adverso é um indicativo inicial que pode ser espúrio, e, uma vez confirmado, passa a ser chamado de efeito colateral. No caso da vacina da Pfizer, estudos como o do plano de saúde americano Kaiser Permanente estabeleceram evidência suficiente de que a inflamação do coração e seu revestimento é um efeito colateral que acontece principalmente em homens jovens a uma taxa de até 20 a cada 100 mil inoculados.
Análise de eventos graves e mortes
Na população em geral, os eventos adversos graves e óbitos são classificados pelo Ministério como coincidências ou inconsistentes em uma proporção de 40% e 60%, respectivamente. Ou seja, a maioria das mortes relatadas como eventos adversos da vacinação não seriam resultado da vacinação. O relatório aceita uma relação causal com a vacina, em conformidade com a literatura, em 5,5% dos 12 mil eventos graves e 0,3% das quase 4 mil mortes. São 12 mortes, todas por trombose com trombocitopenia (problema de coagulação sanguínea), envolvendo as vacinas AstraZeneca e Janssen, que partilham do mesmo método de fabricação (vetor viral).
O número arredondado para cima de 4 mil óbitos é exatamente o mesmo relatado pelo ministro da saúde Marcelo Queiroga. Aplicando duas fontes diferentes na literatura científica, a Gazeta do Povo mostrou que este número pode não estar muito distante da realidade.
Entre os menores de idade, foram observadas 38 mortes, 36 das quais ocorreram após inoculação com dose da vacina da Pfizer. As outras duas foram após a aplicação da Coronavac. Desses óbitos, 23 foram classificados como coincidências e inconsistentes, tendo assim relação causal descartada. Duas mortes foram excluídas por dados conflitantes. Uma delas foi uma inflamação cardíaca (miocardite). Os autores explicam que descartaram relação causal dessa morte com a vacina por causa do período: a miorcardite surgiu mais de 14 dias após a vacinação. Por esses motivos, o boletim conclui que não há evento adverso com desfecho fatal entre crianças e adolescentes cuja causa tenha sido alguma vacina para covid no país.
Esta metodologia de análise de causalidade é criticável. Embora de fato a literatura indique um início da miocardite com menos de uma semana desde a inoculação, isso não significa que um início mais tardio seja impossível. O descarte de óbitos por esse motivo pode ser prematuro. A atitude do boletim lembra a aparente pressa da Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo, que fez uma investigação relâmpago de um caso de parada cardíaca pós-vacinação em uma menina de Lençóis Paulista. Procurada à época pela Gazeta do Povo, a secretaria deu respostas evasivas a perguntas específicas baseadas na opinião de cardiologista.
Além disso, a literatura científica sobre a Covid-19 e as vacinas para a doença está em franco processo de expansão, é toda nova e bastante controversa em detalhes. Dependente dessa literatura para especular sobre mecanismos causais sem exame direto de paciente a paciente, o Ministério da Saúde pode replicar pontos cegos que ainda existam nela. Como mostra um detalhado estudo recente que estabeleceu relação causal entre um vírus e a esclerose múltipla, fazer análise de causalidade é mais complicado que analisar dados epidemiológicos populacionais.
Anedotas podem virar verdades
A ciência não tem a mesma velocidade da observação direta. São chamados de “evidências anedóticas” os relatos de que algo pode ter acontecido com certa relação causal. A crença dos observadores pode ser confirmada ou desconfirmada, e quase sempre isso levará tempo em se tratando de fenômenos com múltiplas causas que obrigam os cientistas a levar em conta os casos tomados em conjunto. A observação com olho clínico de profissionais médicos pode ajudar a aumentar o rigor da “evidência anedótica”.
No caso de um paciente específico com evento adverso pós-vacinação em que haja uma verdadeira relação causal com a vacina devido a um problema raro, é provável que os profissionais de saúde observem uma relação causal e creiam corretamente nela muito antes de qualquer confirmação pela pesquisa. Foi o caso dos problemas de coagulação observados com as vacinas AstraZeneca e Janssen, que começaram como “evidências anedóticas” e depois tiveram até mecanismo de ação confirmado. Entre as mortes listadas como eventos adversos após vacinação com a vacina da Pfizer no boletim epidemiológico, um dos relatos mais comuns, pendente de confirmação científica, é de "morte súbita". Coincide com as alegações mais comuns nas redes sociais, muitas das quais são censuradas.
Portanto, embora se cometam erros com a observação direta de casos individuais, também há acertos, e é temerário que as redes sociais se engajem na supressão desses relatos com a desculpa de que são dissuasores da vacinação para outras pessoas que poderiam se beneficiar dela. Informações imprecisas devem ser corrigidas com informações mais precisas, e não com novos limites arbitrários e politicamente enviesados à liberdade de expressão.
Em estudo publicado na revista Lancet em março, financiado pelo Ministério da Saúde israelense e pela Pfizer, o médico Eric Haas e seus colaboradores calcularam que sem a campanha nacional de vacinação do país com a tecnologia de mRNA o triplo de pessoas teriam sido hospitalizadas e mortas pela covid em Israel. Embora esta vacina não seja muito eficiente em evitar contágios e transmissões, tem eficiência em evitar mortes. Porém, em uma grande investigação do estado de Nova York, ela apresentou em crianças a eficácia de apenas 12% em se tratando da variante ômicron. É abaixo do piso de eficácia mínima exigido pela Anvisa. Continua em debate se a vacinação contra Covid-19 de crianças saudáveis sem comorbidades é sequer necessária, especialmente considerando quantas delas já adquiriram imunidade natural.
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