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Este mês, a varejista de fast fashion (vestuário fabricado e comercializado rapidamente e, portanto, mais barato do que produtos das grandes grifes) online chinesa Shein foi bastante citada no noticiário brasileiro, devido ao anúncio do governo Lula de que deixaria de isentar de impostos as compras internacionais por pessoas físicas até o valor de US$ 50 – decisão posteriormente revogada.
Nos Estados Unidos, a Shein também se tornou assunto recorrente este mês devido a um relatório da Comissão de Análise Econômica e de Segurança EUA-China (USCC, na sigla em inglês), divulgado no último dia 14, que apontou diversos problemas no modelo de negócios da varejista fundada na China e sediada em Singapura.
A USCC foi criada pelo Congresso dos Estados Unidos em 2000 com o objetivo de monitorar, investigar e enviar ao Legislativo americano relatórios sobre as implicações de segurança nacional do comércio bilateral e das relações econômicas entre o país e a China.
O documento sobre a Shein citou que a varejista chinesa era, no final de 2022, responsável por 50% de todas as vendas do segmento de fast fashion nos Estados Unidos, à frente de H&M (16%) e Zara (13%). Em maio de 2022, chegou a ser o aplicativo mais baixado no país, superando TikTok, Instagram e Twitter.
A USCC destacou que uma participação tão importante no mercado americano causa preocupação devido aos vários problemas apresentados pela Shein.
Assim como o ocorre com o TikTok, a segurança é um dos grandes receios. A empresa se baseia em dados dos clientes e no seu histórico de pesquisa para, com a ajuda de algoritmos de inteligência artificial (IA), identificar preferências e padrões de moda em alta, e para auxiliar na coleta de informações, “o aplicativo da empresa também solicita que os usuários compartilhem seus dados e atividades de outros apps, incluindo mídias sociais, em troca de descontos e ofertas especiais em produtos da Shein”.
A proteção dos dados do usuário está longe do ideal, apontou a USCC, que citou que o estado de Nova York multou a proprietária da Shein, a empresa Zoetop, em US$ 1,9 milhão em 2022 por manejo incorreto de dados de cartão de crédito e outras informações pessoais dos seus clientes, após uma investigação sobre um ataque cibernético de 2018 que expôs dados de 39 milhões de contas, incluindo 800 mil clientes nova-iorquinos.
“O escritório do procurador-geral de Nova York apurou que a Zoetop enganou os consumidores a respeito da extensão da violação de dados, avisou ‘apenas uma pequena proporção’ dos usuários afetados de que as credenciais de dados haviam sido comprometidas e não redefiniu as credenciais de login ou tomou outras medidas para proteger várias contas expostas”, afirmou a USCC.
As condições de fabricação dos produtos da Shein também foram citadas no relatório da comissão. A USCC mencionou uma reportagem publicada pela Bloomberg em novembro de 2022, que comprovou que tecidos de algodão usados em roupas da Shein tinham como origem Xinjiang, região chinesa onde Pequim promove perseguição à minoria muçulmana uigur.
Uma lei americana proíbe a importação de produtos de Xinjiang, a não ser que o responsável comprove que a mercadoria não é fruto de trabalho forçado – requisito que, segundo a USCC, a Shein não cumpriu.
A comissão citou outros problemas trabalhistas, identificados em reportagens e relatórios, em fábricas fornecedoras da varejista, como retenção do primeiro mês de pagamento para garantir a permanência de funcionários, jornadas de 18 horas diárias com apenas uma folga por mês e locais de trabalho sem saídas de incêndio adequadas.
Produtos que oferecem riscos à saúde
Outra parte do relatório faz menção a riscos à saúde e ao meio ambiente. “A Health Canada [departamento do governo canadense] testou uma jaqueta Shein para bebês e descobriu que ela tinha 20 vezes a quantidade de chumbo considerada segura para crianças, enquanto uma bolsa da Shein continha mais de cinco vezes o nível aceito para crianças”, apontou a USCC.
“O grupo ambiental Greenpeace também divulgou um estudo alegando que vários produtos químicos usados nos produtos da Shein excederam o nível permitido pelos regulamentos da União Europeia”, acrescentou a comissão.
Na questão ambiental, a USCC mencionou que uma reportagem da Bloomberg informou que os produtos da Shein contêm 95,2% de novos plásticos ao invés de materiais reciclados, “enquanto o grande volume de remessas e a baixa taxa de reutilização entre os produtos da Shein aumentam o desperdício têxtil”.
A varejista enfrenta problemas legais, com dezenas de processos ajuizados por desde grandes marcas, como Ralph Lauren, até artistas independentes que alegam que a Shein vende modelos copiados ou sem permissão de uso.
Outro alerta da USCC é que, devido aos baixos preços dos seus produtos, a empresa evita tarifas e inspeções alfandegárias nos Estados Unidos, além de usufruir de benefícios fiscais na China.
Embora o relatório se concentre na Shein, a comissão cita também preocupações com outra empresa chinesa de fast fashion, a Temu, cuja controladora, a PDD Holdings, foi acusada pela ONG China Labor Watch de exigir que funcionários trabalhassem 380 horas por mês.
Uma reportagem recente da CNN apontou que equipes de segurança cibernética encontraram malwares no aplicativo para Android de outra plataforma de e-commerce da PDD, a Pinduoduo. A ferramenta ignorou permissões de segurança dos usuários e acessou mensagens privadas, alterou configurações, visualizou dados de outros apps e impediu sua desinstalação. Em março, o aplicativo foi suspenso da Google Play Store.
A Temu não comentou o relatório da USCC. Já a Shein se manifestou em um comunicado. “Como uma empresa global com clientes e operações em todo o mundo, a Shein leva a sério a transparência em toda a nossa cadeia de suprimentos. Por mais de uma década, fornecemos aos clientes moda sob demanda e acessível, produtos de beleza e estilo de vida, legalmente e com total respeito pelas comunidades que servimos”, argumentou a varejista chinesa.