O baiano Renato “Trezoitão” Amoedo, de 43 anos, afirma que nunca precisou dar uma “guinada para a direita” em sua vida, pois sempre foi anticomunista – desde a infância.
“Na minha casa, meus avós encaravam as Aparições de Fátima como um evento histórico, e não como lenda”, diz o perito criminal, referindo-se ao milagre ocorrido em Portugal e que se tornou um símbolo da reação ao ateísmo marxista no século XX.
Há 17 anos atuando na Polícia Civil, Trezoitão (o apelido vem de seu gosto pelo revólver de calibre .38) costuma explicar que seu trabalho consiste em “tirar gente viva ou morta de para-brisas de carros, revirar o lixo de criminosos em busca de provas e devolver itens roubados”.
Mas não foi por isso que ele ficou famoso no YouTube, onde formou um séquito de seguidores conservadores, libertários e anarcocapitalistas a partir de suas entrevistas em dezenas de podcasts – uma caminhada que o levou, há duas semanas, à participação no programa ‘Pânico’, da Jovem Pan.
Dono de uma retórica afiada, inspirada nos discursos de figuras como Enéas Carneiro (1938-2007) e Olavo de Carvalho (1947-2022), Amoedo tem como marca registrada uma postura contundente, que para muitos é radical.
Suas bandeiras incluem a defesa dos valores bíblicos, o combate à cultura woke (que considera satânica) e, principalmente, a independência dos indivíduos diante dos abusos do Estado. Contra este último inimigo, ele afirma que encontrou a arma perfeita: o bitcoin.
Um dos maiores divulgadores da criptomoeda no Brasil, Trezoitão é coautor (com Alan Schramm) do livro ‘Bitcoin Red Pill: o Renascimento Moral, Material e Tecnológico’, que propõe a adoção dessa moeda descentralizada como uma forma de se proteger do regime brasileiro de juros negativos – numa definição vulgar, quando a pessoa paga para investir o próprio dinheiro e quem acaba ganhando é o governo.
Editado pela primeira vez em 2018, a obra não é apenas um guia financeiro. E, por trazer uma forte mensagem antiwoke, rapidamente caiu nas graças de uma ala dos entusiastas do bitcoin com perfil mais conservador.
No entanto, de acordo com o próprio Amoedo, seu nome só começou a furar essa bolha após as eleições de 2022, quando um público mais amplo descobriu que o livro trazia “avisos” sobre o governo de Jair Bolsonaro.
“Em 2018 eu já dizia que Bolsonaro seria submisso ao PT, que o gabinete de transição seria de traição integral e que ele indicaria ao STF juízes que se relacionavam com governos petistas”, afirma.
“E quem não tinha acordado para isso, acordou no 8 de janeiro, quando Bolsonaro ficou nos EUA e não pediu para as pessoas saírem da frente dos quartéis e voltassem para suas casas. O que terminou com a galera sendo presa.”
Detalhe: Renato Trezoitão se engajou firmemente na primeira disputa à presidência de Jair Bolsonaro. A ponto de se candidatar a deputado estadual na Bahia, sem recursos, apenas para reforçar a campanha. Ao final do pleito, recebeu 3,6 mil votos e não se elegeu.
Contudo, um dado disponível no site TSE ainda hoje chama a atenção de seus fãs. Em sua declaração de bens, ele informou possuir 200 bitcoins (cerca de R$ 71,6 milhões, na cotação atual).
Trezoitão foi ameaçado por Allan dos Santos em programa nos EUA
Quando conversou, por telefone, com a reportagem da Gazeta do Povo, Renato “Trezoitão” Amoedo havia chegado em casa – no município de Mata de São João (BA) – após um tour por podcasts gravados em São Paulo e nos Estados Unidos.
No exterior, ele participou de programas com três famosos “expatriados” brasileiros: Bruno “Monark” Aiurb (ex-apresentador do ‘Flow’), Abraham Weintraub (ex-ministro da Educação) e Allan dos Santos (criador do blog ‘Terça Livre’).
O debate com Santos, por sinal, acabou em confusão. A tensão surgiu quando Amoedo afirmou que as doações feitas por apoiadores de Bolsonaro por meio de PIX expunham dados pessoais para o governo.
O blogueiro se sentiu ofendido, pois também recebeu dinheiro por esse sistema de pagamento, e chegou a ameaçar fisicamente o colega de bancada no 'Os Fella's Cast'.
Mas Trezoitão se manteve impassível, e dias depois propôs que os dois resolvessem a questão em uma luta televisionada, no estilo “Popó x Bambam”.
Outra personalidade da direita que faz ressalvas ao perito criminal é o advogado e comentarista político Marco Antonio Costa. Em uma entrevista recente ao ‘RedCast’, ele comparou a mentalidade de Amoedo a de um “adolescente tardio”.
“O Trezoitão fala: ‘Compre bitcoin, viva a sua vida e dane-se o resto do mundo’. Isso não é vida, me desculpe. E o que mais me impressiona é ele ser um servidor público que está toda hora falando em bitcoin. Recebe dinheiro do Estado, que a gente paga! E os virjões da internet ficam loucos pelo cara.”
Questionado sobre os comentários de Costa, Amoedo diz: “O certo é que quem recebe do governo não deveria ter direitos políticos, nem votar ou ser votado. Mas essa não é a regra.”
Seus críticos também acham estranho o fato de Renato permanecer morando no Brasil mesmo sendo dono de uma fortuna em bitcoins.
O perito explica que, há anos, vem respondendo a sucessivos PADs (Processos Administrativos Disciplinares), e não pode pedir sua exoneração antes da conclusão do último procedimento – referente a uma fala sua considerada “inapropriada” e que viralizou nas redes.
O “corte”, segundo ele, consiste em uma colagem de vários de seus depoimentos concedidos a podcasts, porém editados fora de contexto. Em um dos trechos, Trezoitão afirma: “Gostaria que todo petista acabasse na vala, na cadeia ou foragido”.
Amoedo ainda se diz perseguido por uma parte dos policiais da Bahia, que, de acordo com ele, é ligada ao Partido dos Trabalhadores (e nunca engoliu seu apoio a Bolsonaro em 2018).
“Mas, na próxima década, quando o país estiver de novo mergulhado em hiperinflação, os próprios petistas vão clamar por um [Javier] Milei ou um [Nayib] Bukele", afirma.
Amoedo foi professor em universidades federais antes de ingressar na polícia
Renato Amoedo também incomodava seus colegas do meio acadêmico – graduado em Direito e Engenharia de Produção Civil, ele possui doutorado em Administração de Empresas e foi aluno de diversos cursos fora do país.
Quando tentou a carreira de docente no ensino superior, rapidamente descobriu que seu discurso seria um problema num ambiente predominantemente progressista.
Ainda assim, teve passagens como professor nas universidades federais da Bahia e do Tocantins antes de se tornar policial – sua outra vocação, que assumiu mesmo sendo quase cego de um olho e portador de uma doença autoimune chamada espondiloartrite.
“Estudando na Europa e nos EUA, conheci vencedores do Prêmio Nobel, diretores de bancos centrais. Pessoas de QI elevadíssimo. E percebi que o problema da academia não é falta de inteligência, e sim de moralidade. Isso lá fora, porque aqui eles pegam pessoas completamente incapazes mesmo.”
De qualquer forma, Trezoitão continua ensinando. Seu curso gratuito sobre bitcoin já formou milhares de pessoas, e outras tantas pagam pela modalidade de tutoria ou por palestras. Um público que, segundo ele, só tende a aumentar.
“As pessoas ainda vão descobrir que não vale a pena investir em um país onde não vale a pena ser honesto. Que o dinheiro aplicado no tesouro direito, ou na bolsa, financia o aborto, as lagostas dos juízes do STF e as viagens da Janja. E que a única oposição real é o desinvestimento.”
Para Renato, todos comprarão bitcoins num futuro bem próximo. Principalmente quando o dinheiro físico entrar em rota de extinção, como creem muitos economistas.
Até lá, ele já pretende estar morando fora do país com a mulher e as duas filhas – e bem longe das polêmicas da internet.
“Quero investir em startups. Minha maior contribuição para a humanidade vai ser essa”, diz.
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