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Logo da Apple em loja da Quinta Avenida, em Nova York. Em nome da "representação", a empresa fará três sessões de treinamento de outubro a dezembro de 2024 com exclusão de homens brancos e asiáticos.
Logo da Apple em loja da Quinta Avenida, em Nova York. Em nome da “representação”, a empresa fará três sessões de treinamento de outubro a dezembro de 2024 com exclusão de homens brancos e asiáticos.| Foto: EFE/EPA/SARAH YENESEL

A gigante da tecnologia Apple, cujo valor de mercado é avaliado em US$ 3,4 trilhões, reabriu inscrições na terça-feira (13) para um curso de empreendedores. Mas as três sessões de treinamento previstas entre outubro e dezembro são somente para mulheres e minorias raciais: “o Acampamento de Empreendedores da Apple apoia fundadores e desenvolvedores sub-representados, (...) inscrições agora estão abertas para desenvolvedores que são mulheres*, negros, hispânicos/latinxs e indígenas”, diz o site oficial.

O asterisco em “mulheres” leva a uma nota de rodapé: “a Apple acredita que a expressão de gênero é um direito fundamental. Aceitamos inscrições de todas as mulheres”.

Segundo um comunicado à imprensa publicado pela Apple de 31 de agosto de 2021, a empresa gastaria US$ 30 milhões em sua “Iniciativa de Equidade Racial e de Justiça” para “apoiar estudantes, inovadores e organizações de ativismo que são líderes em criar um mundo mais inclusivo e mais justo”. Uma das iniciativas era o Acampamento de Empreendedores para minorias, com um “laboratório de tecnologia imersivo”.

O chefe executivo da big tech, Tim Cook, disse que “o chamado pela construção de um mundo mais justo e com mais equidade é urgente”.

Em março, a Apple considerou integrar aos seus dispositivos a IA do Google, Gemini. Mas um fiasco com geração de imagens enviesadas, que trocavam a cor da pele dos fundadores dos Estados Unidos, fez grandes danos à imagem da ferramenta. Em junho, uma parceria com a OpenAI, dona do ChatGPT, foi anunciada.

“Sub-representado” e “representação” são jargão ideológico

No livro “Os intelectuais e a sociedade” (É Realizações, 2011), o filósofo e economista americano Thomas Sowell faz críticas à hoje muito comum noção de que “representação” de grupos seria importante.

“Por trás da prática disseminada de considerar diferenças de grupo em ‘representação’ evidências de barreiras sociais ou discriminação”, disse Sowell, “há a noção velada de que os próprios grupos não podem ser diferentes, ou que quaisquer diferenças são culpa da ‘sociedade’, que deve corrigir seus próprios erros ou pecados”.

Como não existe ninguém com o nome “sociedade”, continua o pensador, os intelectuais que defendem essa ideia apelam para o poder do Estado para interferir na composição dos grupos, “já que presumiram que os potenciais abstratos dos grupos são os mesmos”.

Cuidadoso, Sowell não apela para fatores contenciosos como a genética para explicar as diferenças entre grupos, mas para suas características mais mundanas que explicam bem por que se saem de forma diferente em cada empreitada. Por exemplo, na época em que ele escrevia, americanos de origem asiática tinham uma média de idade de 43 anos, enquanto os americanos de origem cambojana tinham média de 24 anos. Só isso já explicaria diferenças de escolhas de carreira e renda e resultados que os intelectuais progressistas poderiam descrever como “representação” supostamente insuficiente ou excessiva.

“Como é que grupos de pessoas cujas idades medianas têm décadas de diferença poderiam ter o mesmo conhecimento, habilidades e experiência, ou ter os mesmos resultados que dependem de tal conhecimento, habilidades e experiência, é uma pergunta que não precisa ser enfrentada por aqueles que se portam como se estivessem discutindo pessoas abstratas em um mundo abstrato”, afirmou Sowell.

Para o pensador, que é negro, as esperanças progressistas de resolver o “problema” da representação têm uma clara natureza utópica e dogmática: “quando algumas das diferenças significativas entre os grupos são levadas em conta, e ainda assim as diferenças nos resultados não são levadas a zero, o restante inexplicado [das diferenças] é mais ou menos atribuído automaticamente à discriminação”.

Essa atitude cria uma insegurança jurídica em que o acusado de pecar contra a “representação” é quem tem o fardo de provar sua inocência, em vez de os acusadores terem de provar que as diferenças são resultados da discriminação injusta, explica Sowell. “Nenhum ônus de prova é posto sobre aqueles que pressupõem que haveria uma distribuição aleatória de conquistas ou prêmios entre os grupos na ausência da discriminação, apesar de uma imensidão de evidências tanto da história quanto da vida contemporânea da totalidade de desproporção de conquistas entre indivíduos, grupos ou nações”.

Em outro livro, “Ação afirmativa ao redor do mundo” (É Realizações, 2017), Sowell acrescenta que a esperança de corrigir desproporções supostamente injustas entre grupos, sem provar que são mesmo injustas, através de programas de inclusão “temporários” tem como meta um resultado jamais observado em sociedade nenhuma em qualquer período da história. “Qualquer política ‘temporária’ cuja duração é definida pela meta de atingir algo que jamais foi atingido antes, em qualquer lugar do mundo, poderia ser caracterizada mais adequadamente como eterna”, afirmou.

A diversidade dos desenvolvedores de programas de computador

Em 2017, resistindo a um programa de cotas para mulheres entre engenheiros do Google, o engenheiro de software James Damore escreveu um memorando citando evidências científicas de que as mulheres se interessam menos que os homens, espontaneamente, pela programação mais pesada (em oposição à programação de partes como a interface de usuário). O documento tinha o título “A bolha ideológica do Google”. Damore sugeria formas não-discriminatórias de atrair as mulheres para a engenharia de software, como “programação com pares e mais colaboração”, mas fazia oposição à reserva de vagas.

A resposta foi feroz. O engenheiro foi difamado como “misógino” na impressa progressista e demitido pelo Google. O diretor executivo da empresa, Sundar Pichai, justificou a demissão alegando que o memorando tinha partes que “passam dos limites ao defender estereótipos danosos de gênero no nosso ambiente de trabalho”.

Segundo o site especializado TechReport, há 26,9 milhões de desenvolvedores de software no mundo em 2024, um crescimento de mais de três milhões nos últimos quatro anos. Os homens dominam a profissão, são 91,88%. Nos EUA, 54% dos desenvolvedores são brancos e 25% são de origem asiática. Na população em geral do país, 65,9% são brancos e 5,8% são asiáticos.

A resistência à inclusão de pessoas brancas e asiáticas foi tema da decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos no ano passado que deu um fim às cotas raciais como critério único de admissão nas universidades. Os autos do processo mostram que os envolvidos em comitês que julgavam os candidatos por raça faziam comentários derrogatórios a respeito dos asiáticos, desfavorecidos apesar de serem minoria, pois teriam representação “excessiva” nos campi.

A Apple não se manifestou publicamente para justificar a exclusão de brancos e asiáticos do programa e não respondeu ao contato da reportagem. O espaço segue aberto para sua manifestação.

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