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Entrada da Disney World em Orlando, na Flórida: processo judicial
Entrada da Disney World em Orlando, na Flórida| Foto: CRISTOBAL HERRERA-ULASHKEVICH/EPA/EFE

Uma história trágica envolvendo a Disney World gerou um processo judicial que acabou revelando uma prática questionável da maior companhia de entretenimento do mundo.

A disputa jurídica, que ainda está em andamento, pode ter repercussões sobre o alcance dos "Termos de Uso" de plataformas digitais, normalmente ignorados pelos consumidores.

Boa parte do público já sabe que esses contratos virtuais por vezes incluem cláusulas que permitem o uso de dados privados dos consumidores para fins comerciais.

Mas o caso mais recente envolvendo a Disney indica que as consequências podem ser ainda mais profundas.

Morte por negligência

Em outubro do ano passado, Jeffrey Piccolo e Kanokporn Tangsuan viajaram de Nova York à Flórida para um período de férias. Lá, eles se hospedaram no resort da Disney World, em Orlando.

Em um dos dias da viagem, o casal jantou Ragan Road, um pub no estilo irlandês localizado dentro do complexo. O restaurante era indicado pelo guia da própria Disney World como uma opção para clientes com restrições alimentares. Parecia uma boa opção para Kanokporn, que tinha alergia severa a leite e nozes.

O casal pediu pratos vegetarianos (um bolinho de brócolis e milho, uma torta salgada, frutos do mar e onion rings).

Piccolo e a mulher perguntaram diversas vezes ao garçom se o prato solicitado por eles de fato não continha leite ou nozes. O garçom, que chegou a ir à cozinha para confirmar a informação, assegurou que o alimento era seguro.

Quarenta e cinco minutos depois, Kanokporn (que era médica em um hospital da Universidade de Nova York) teve um colapso. Ela foi levada ao hospital mas morreu pouco tempo depois.

O processo na Justiça contra a Disney

O viúvo de Kanokporn moveu uma ação na Justiça contra o restaurante e a Disney, que é dona do espaço. O processo corre no condado de Orange, na Flórida. Na petição, Piccolo descreve as falhas cometidas pela equipe do restaurante. Piccolo pede US$ 50 mil dólares por danos morais e materiais, como as despesas com o funeral. O valor é pequeno quando se leva em conta o histórico de indenizações milionárias concedidos pela Justiça americana em casos de negligência.

Para a Disney, seria um preço irrisório a pagar por um caso de negligência. Mas a empresa resolveu contestar o pedido no processo, em uma resposta que foi descrita pelo advogado de Piccolo como "beirando o surreal".

A Disney alegou que o viúvo não poderia mover uma ação contra a companhia porque havia concordado em resolver qualquer disputa em uma corte arbitral. Quando? Quatro anos antes, quando ele usou o seu PlayStation para abrir uma conta no serviço de streaming da Disney+.

Nos termos de serviço, o cliente promete que não pode processar a companhia na justiça comum.

O trecho exato é este: “Qualquer disputa entre você e nós, exceto reivindicações pequenas (...) deve ser resolvida por arbitragem individual". A arbitragem é uma espécie de justiça privada utilizada para a mediação de desavenças entre duas partes privadas.

Para piorar, o contrato era o do período de avaliação gratuita do serviço.

Em suas alegações, a companhia também mencionou os Termos e Condições do site da Disney World, usado para comprar os ingressos para o parque Epcot em 2023.

"Antes que Piccolo (...) jantasse em Raglan Road, ele criou uma conta Disney. A o fazê-lo, ele concordou com os termos da Disney, que incluem uma cláusula de arbitragem aplicada a 'todas as disputas', inclusive as que envolverem 'A Compania Walt Disney e suas afiliadas'", afirmou a empresa em uma de suas alegações ao tribunal.

O caso gerou uma discussão sobre as cláusulas escondidas — e possivelmente abusivas — em contratos de serviços digitais.

A resposta da família

Em sua resposta apresentada ao tribunal, a família da Kanokporn afirmou que o argumento da Disney “é baseado no argumento inacreditável de que qualquer que pessoa que crie uma conta na Disney+, mesmo que seja um período de avaliação gratuita, vai abrir mão do direito a um julgamento”.

É provável que o argumento da Disney seja rejeitado. Mas isso vai depender da interpretação do juiz a respeito do alcance dos termos de uso de serviços digitais. Se o magistrado entender que a empresa de entretenimento tem razão, o caso pode afetar os termos de uso de outras plataformas digitais.

Ao jornal The Washington Post, a Disney afirmou lamentar "profundamente" a morte de Kanokporn e, sem dar detalhes sobre o argumento usado no processo contra o pedido de Piccolo, tentou se explicar. "Estamos apenas nos defendendo contra a tentativa do advogado do autor de nos incluir em seu processo contra o restaurante", disse a companhia.

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