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Estava tudo certo para que, na próxima quarta-feira, a jornalista Alexei McCammond, de 27 anos, fizesse sua estreia como editora-chefe da Teen Vogue, a versão para adolescentes da prestigiada revista americana de moda, carro-chefe do conglomerado de mídia Condé Nast. Em 2019, McCammond foi nomeada a repórter emergente do ano pela Associação Nacional de Jornalistas Negros e seria a terceira mulher negra a ocupar o cargo no qual já trabalharam Lindsay Peoples Wagner e Elaine Weltereoth.
Então, uma mancha no currículo interrompeu sua ascensão meteórica. Poucas horas após o anúncio da contratação, no último dia 10 de março, funcionários da Teen Vogue recuperaram uma série de tuítes feitos em 2011 por uma McCammond de 17 anos, presumivelmente em vias de terminar o Ensino Médio.
Na época, ela publicou: "pesquisando como não acordar com olhos inchados como o dos asiáticos"; e "me deu 2/10 no exercício de química, leu todo o meu trabalho e não explicou o que eu fiz de errado... valeu, professor asiático estúpido, você é ótimo". Uma semana depois, McCammond encerrou seu contrato com a Condé Nest. Em outras palavras, foi oficialmente cancelada.
Os bastidores da demissão da jornalista, oficializada na última quinta-feira, demonstram que a decisão de romper o contrato com McCammond não foi resultado de mera “impulsividade” do alto escalão da revista: os tuítes da moça já eram conhecidos pelo diretor-executivo da Vogue, Roger Lynch, e pela própria Anna Wintour, a toda-poderosa diretora-editorial da revista, a quem a jornalista contou, pessoalmente, sobre suas postagens pregressas.
O que os editores não sabiam é que, além das postagens consideradas racistas, havia também tuítes da mesma época contendo piadas com homossexuais e uma foto de McCammond vestida como uma nativa americana (o que, na “legislação” woke, configura crime de apropriação cultural).
Diante da ressurreição de todo o seu histórico de falas politicamente incorretas, a jornalistas pediu desculpas pelo Twitter. Não adiantou. “Depois de falar com Alexi esta manhã, concordamos que era melhor romper o contrato, para não ofuscar o importante trabalho que está acontecendo na Teen Vogue”, escreveu Stan Duncan, diretor de pessoal da Condé Nast, em um e-mail obtido pelo The New York Times. "Meus tweets antigos apagaram o trabalho que fiz para destacar as pessoas e as questões que me interessam", publicou McCammond.
Progressismo para adolescentes
O “importante trabalho que está acontecendo na Teen Vogue”, outrora uma Capricho americana, teve início em 2016, quando a revista começou a se transformar em um franco palanque da esquerda identitária. O marco da mudança foi a publicação do artigo “Donald Trump is gaslighting America” (“Donald Trump está manipulando a América”, em tradução livre), assinado pela jornalista Lauren Duca, que acabou viralizando nas redes. No ano seguinte, a democrata Hillary Clinton assinaria um editorial da revista.
De lá para cá, a Teen Vogue publicou artigos contra o capitalismo; explicou “quem é Karl Marx e porque as ideias dele são mais predominantes do que você pensa”, defendeu o fim da polícia para o bem das comunidades LGBT e o fato de que mulheres sempre foram parte da supremacia branca. Um time de jovens editores assumiu a chefia, liderados pela editora Elaine Welteroth. Em entrevista ao jornal britânico The Guardian, Lauren Duca, autora do primeiro artigo sobre Trump, afirmou que suas leitoras se veem como ativistas. “Eu realmente acho que elas podem salvar o mundo”.
O bom-mocismo pós-moderno da Teen Vogue é a parada final de uma longa história de contradições da Vogue “mãe”, por assim dizer. Filha de um editor de jornal britânico e de uma ativista, Anna Wintour levou a cobertura política para as páginas da revista, sem nunca esconder sua predileção pelo Partido dos Democratas. Wintour era, segundo um perfil da revista New Republic, “atraída pela esquerda, mas pelas partes mais glamourosas, e com pouca especificidade sobre o que, precisamente, estar à esquerda significava”.
Além de dar dicas de moda à ex-primeira dama Hillary Clinton publicamente (e ter se esforçado para retratá-la como a sobrevivente da traição no escândalo Monica Levinsky), Anna Wintour doou mais de meio milhão de dólares para a campanha de reeleição do ex-presidente Barack Obama e organizou quatro jantares nos quais cada prato saiu pela pechincha de 30 mil dólares; além de mobilizar seus contatos para criar produtos com a marca Obama. Michelle, evidentemente, também foi capa da revista. “Acima e além de qualquer política, ela quer que a Vogue esteja onde quer que esteja a ação”, diz um ex-funcionário.
Wintour está onde está a ação e o dinheiro. Além de dirigir a Vogue, é uma das curadoras do baile anual do Metropolitan Museum of Art de Nova York, o MET Gala, que angaria recursos para The Costume Institute, uma espécie de museu da moda — um fundo de mais de 3 bilhões de dólares. Durante anos, a editora manteve modelos e jornalistas negros fora da capa e das redações da revista; além de se recusar a contratar pessoas acima do peso. No ano passado, em meio aos protestos do Black Lives Matter, pediu desculpas — que, claro, foram aceitas.
Para Alexi McCammong, negra e sem um passe no jornalismo garantido pelo pai milionário, coube o cancelamento súbito de uma reunião que estava agendada para segunda-feira com os principais editores da Condé Nast — o derradeiro sinal vermelho antes da perda do emprego. Dias antes do rompimento oficial, mediante as críticas à sua contratação, dois grandes anunciantes da Teen Vogue suspenderam suas campanhas. Além das assinaturas e da publicidade, a revista promove eventos sobre ativismo e inovação com ingressos entre 299 e 549 dólares. E segue apontando as “falhas do capitalismo”.