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Viés político das revistas científicas
Editor-chefe da Science defende impacto da identidade na ciência; publicações como Nature e Scientific American também mostram tendências identitárias e favorecimento a outras ideias de esquerda.| Foto: Eli Vieira com Midjourney

Resumo da reportagem

  • Publicações científicas como Science, Nature e Scientific American estão assumindo posições políticas explícitas ao ponto de influenciar pesquisas.
  • Caso de retratação de artigo sobre possível contágio social de identidades LGBT levanta preocupações sobre viés político na ciência e seu poder de veto sobre a exploração de hipóteses.
  • A politização da ciência já está levando à marginalização de acadêmicos e cientistas que não se alinham com perspectivas progressistas, especialmente se encontrarem resultados que desafiam a maioria da opinião política em seu meio.

No dia 11 de maio, o editor-chefe da revista Science, uma das maiores publicações científicas do mundo, publicou um editorial intitulado “Importa quem faz ciência”. No texto, Herbert Holden Thorp, um químico, defendeu que a pressão do identitarismo sobre a ciência tem certa razão porque “o público foi ensinado que o insight científico ocorre quando homens brancos, velhos e barbados são atingidos na cabeça por uma maçã ou saem correndo de banheiras gritando ‘Eureka!’ Não é assim que funciona, e nunca foi”.

O cientista argumenta, também, que as identidades dos cientistas “têm profunda influência na qualidade do resultado final”, e reclama que “tornou-se uma ideia controversa reconhecer que os cientistas são pessoas reais”. Respondendo a quem diz que a raça, sexo, orientação sexual ou outras facetas da identidade selecionadas pelos atuais movimentos identitários para polêmica política não afetam os resultados da pesquisa realizada pelos cientistas que carregam essas características, Thorp afirmou que “a história e a filosofia da ciência argumentam fortemente em contrário”.

Esse debate fervilha na academia, mas também entre intelectuais que deixaram o mundo acadêmico. A adesão de Thorp ao espírito identitário dos nossos tempos é apenas um dos sinais de que as revistas acadêmicas, e em especial as científicas, estão cada vez mais cedendo às modas ideológicas da esquerda ou dos progressistas. Confira abaixo mais sinais da captura política das publicações científicas.

Science

A revista, que pertence à Associação Americana pelo Avanço da Ciência (AAAS) e existe desde 1880, publicou um mês antes do editorial de Thorp uma matéria crítica à nova política da World Athletics, associação internacional de atletismo, que tornou não elegíveis para competições atléticas internacionais no esporte feminino atletas que passaram pela puberdade masculina. Como informou a Gazeta do Povo, essas decisões, que estão sendo tomadas recentemente por entidades esportivas diversas após uma onda de injustiças gerada pela política de inclusão, são baseadas em uma riqueza de evidências de que a puberdade masculinizante confere vantagens ósseas, musculares, pulmonares, entre outras.

Há ao menos duas revisões científicas mostrando que essas vantagens não são completamente perdidas com o tratamento transexualizador com hormônios — a redução de força, por exemplo, parece ser de apenas 5% após um ano de tratamento. Em vez de citar esses resultados, a Science preferiu citar, por exemplo, um estudo feito por uma estudante de doutorado envolvendo apenas oito atletas. Um tamanho amostral extremamente pequeno, mas a revista diz que “sugere que não têm vantagem nenhuma”.

“Sério, como é que esse autor conseguiu negligenciar todos os dados contra a posição que ele está apoiando: que não tem problema mulheres trans competirem com mulheres biológicas nos esportes? [A Science] não é um veículo baseado em dados?”, cobrou no Twitter o biólogo evolutivo Jerry Coyne.

Em junho de 2020, no auge do movimento Black Lives Matter, cujos protestos de rua custaram vidas e bilhões de dólares em prejuízo para os americanos, outro editorial da Science, também de autoria de Thorp, afirmou que “a ciência e os cientistas devem declarar em alto e bom som que se beneficiaram e fracassaram em reconhecer a supremacia branca”. O tom não mudou nos dois anos seguintes: em março de 2022, a revista publicou um editorial de autoria de Ebony Omotola McGee, uma professora universitária da área da educação, promovendo o “trabalho antirracista” porque “pessoas de cor” estariam “sub-representadas” na ciência, tecnologia, engenharia e matemática.

A adesão, ou ao menos apresentação acrítica do vocabulário, ideias e valores do atual identitarismo, parece ter acontecido cedo. Em 2016, mais uma vez na seção de notícias, a Science respondeu a reclamações de conservadores contra verbas dadas para um trabalho de “glaciologia feminista” com uma entrevista amena com o autor, o historiador da ciência Mark Carey, sem perguntas difíceis sobre financiamento de feminismo com impostos.

Nature

Fundada do outro lado do Atlântico, a revista científica Nature também tem feito concessões, quando não endosso, à onda identitária. “O que diabos está acontecendo com a Nature?”, reagiu o psicólogo canadense Jordan B. Peterson, prolífico autor de artigos científicos e personalidade influente entre conservadores e oponentes do identitarismo. Ele estava respondendo, em novembro de 2022, a um artigo na seção de carreira da revista que propunha que “a descolonização deve ser estendida a colaborações, autoria [de artigos] e co-criação de conhecimento”. “A ciência está afundada em injustiça e exploração”, afirma já na primeira frase a autora Virginia Gewin, uma jornalista freelancer americana. “O woke”, como vulgarmente é chamado o identitarismo nos EUA, “destrói a religião e a ciência simultaneamente: é impressionante”, terminou Peterson.

Em dezembro de 2020, a Nature removeu um artigo que propunha que as cientistas mulheres em média se saíam melhor quando têm como mentores cientistas homens. Os próprios autores concordaram com a retratação. Na nota que explica os motivos, uma razão dada foi que a autoria conjunta de artigos seria um indicador pobre de uma relação de mentoria. Contudo, os autores afirmaram “compromisso inquebrantável com a equidade de gênero” e asseguraram que “muitas mulheres foram extremamente influentes nas nossas carreiras”. Para observadores como o psicólogo social Lee Jussim, permaneceu a impressão de que o artigo foi removido por ter uma conclusão politicamente incorreta e ofensiva para identitários. Ele opinou que a retratação foi “censura” com “justificação ridícula”.

Jussim se referia ao editorial da Nature a respeito, que afirmou que “o simples desconforto com as conclusões de um artigo publicado não leva, nem deve levar, à retratação apenas com base nisso”, e que neste caso “as conclusões se revelaram sem sustentação, e pedimos desculpas à comunidade de pesquisa por qualquer prejuízo não intencional causado pela publicação deste artigo”.

Como a Science, a Nature conta alguns anos desde as primeiras publicações que parecem licenciar ou aderir ao identitarismo. Em fevereiro de 2015, a última publicou em sua seção de notícias um artigo de Claire Ainsworth, de título “Sexo Redefinido”, afirmando que “a ideia dos dois sexos é simplista” e que “biólogos agora acreditam que há um espectro mais amplo que isso”. O texto discute fatos conhecidos a respeito da variação das diferenças de sexo no organismo, e informa que variações em que o sexo cromossomal destoa da aparência são raras: “uma pessoa a cada 4500”. A palavra “anisogamia”, nome que os biólogos dão para o fenômeno dos dois sexos em diferentes reinos de seres vivos, em que os sexos são definidos pelo tamanho das células reprodutivas (gametas), sequer aparece.

Uma das grandes proponentes de que dois sexos são insuficientes para entender a biologia humana é a bióloga feminista Anne Fausto-Sterling. Nos anos 1990 e começo dos anos 2000, em livros, ela propôs que deveriam ser aceitos até cinco sexos e que 1,7% dos bebês nasceria com algum grau de “intersexualidade” (ambiguidade de sexo). O médico e escritor Leonard Sax checou essa informação em 2002, concluindo que o número real seria de um bebê de sexo ambíguo para cada 10 mil nascidos vivos. “Os dados disponíveis apoiam a conclusão de que a sexualidade humana é uma dicotomia”, disse Sax no Journal of Sex Research, “não um continuum”, ou seja, espectro.

As polêmicas políticas na revista Nature não pararam nesses temas. Como cobriu a Gazeta do Povo, a revista apoiou Lula nas eleições de 2022 e tem alterado suas regras editoriais para reforçar tabus identitários contra conclusões indesejadas. Além das revistas mais generalistas Science e Nature, também as revistas médicas têm cedido ao viés político.

Apesar das loas cantadas à diversidade superficial baseada em aparência e comportamento sexual, as universidades são pouco diversas em pensamento político, especialmente nas humanidades. Segundo a Associação Nacional de Acadêmicos dos EUA (NAS), a proporção de professores de universidades renomadas de formação ampla e departamentos de ciências sociais saltou de 4,5 democratas para cada republicano em 1999 para 10 democratas para cada republicano em 2018. Essa desproporção de pensamento político acompanha o prestígio das instituições no país e posições de poder.

O caso Diaz-Bailey

A hipótese do contágio social de identidades LGBT, que pode estar na origem de uma “disforia de início rápido” especialmente em meninas expostas às redes sociais, enfrenta forte resistência da esquerda identitária. Neste mês, um artigo que trata do assunto foi retratado (despublicado) por parte da revista Archives of Sexual Behavior, pertencente ao grupo Springer Nature. O artigo, de autoria do pesquisador de sexologia J. Michael Bailey e da ativista Suzanna Diaz, foi repudiado pela publicação sob a alegação de que os participantes não deram “consentimento informado para participar ou ter suas respostas publicadas”.

Bailey contestou a retratação, argumentando que os participantes tinham consentido e estavam cientes da intenção de publicação de seus dados. Ele apontou para a inconsistência em outros estudos da Springer Nature, onde o consentimento escrito não foi dado e não houve retratação. A Sociedade pela Medicina de Gênero Baseada em Evidências (SEGM) criticou a retratação, atribuindo-a à pressão de ativistas.

Scientific American

Diferentemente das outras publicações mencionadas acima, a revista Scientific American não é propriamente acadêmica, mas voltada para a divulgação científica. Suas matérias com frequência são densas, escritas por cientistas, e cheias de especulação especialmente nas áreas mais arcanas da física. Ela pode ser vista como um estágio intermediário entre revistas de mais amplo alcance que cobrem ciência, ou seções de ciência de jornal, e as publicações técnicas.

A queda da postura antes neutra da revista para o viés político não foi nada menos que dramática. Após atravessar quase dois séculos sem tomar lado diante de duas guerras mundiais, revoluções comunistas, escândalos internos a seu país como o Watergate e a vigilância em massa revelada por Edward Snowden nos anos 2010, a revista rompeu 175 anos de neutralidade em 1º de outubro de 2020, quando seus editores resolveram apoiar Joe Biden nas eleições presidenciais contra Donald Trump. Foi a culminação de uma tendência já instalada. No mesmo ano, a revista publicou artigos como “As raízes racistas da luta contra a obesidade: prescrever perda de peso para mulheres negras ignora barreiras à sua saúde” (junho de 2020).

A capa da edição de primavera e verão de 2022 traz o desenho de uma mulher negra com o punho em riste. O título é “Ciência pela justiça social”. Seguindo a liderança da Nature, a SciAm publicou diversas vezes que sexo é um espectro. A última vez foi em 1º de maio, com um artigo de Agustín Fuentes, professor de antropologia da Universidade Princeton, de título “Eis por que o sexo humano não é binário”. Ele alega que definir sexo em humanos com base em espermatozoide e óvulo é “ciência ruim” e que quem defende essa definição está “argumentando por uma definição específica, que é política e discriminatória, do que é ‘natural’ e ‘correto’ para seres humanos, baseada em uma representação falsa da biologia”. Fuentes associa a posição a “negar direitos para mulheres e justificar misoginia legal e social e a inequidade, justificar a escravidão, a racialização, o racismo e reforçar múltiplas formas de discriminação e viés”.

Um dos preconceitos de esquerda que mais afeta a pesquisa sobre a natureza humana é a ideia de que essa natureza ou não existe (como afirmado pelo filósofo Jean Paul Sartre) ou é completamente moldável pela cultura. A ideia foi criticada em detalhe pelo psicólogo Steven Pinker no livro “Tábula Rasa” (Cia das Letras, 2004). Acadêmicos que dedicaram seu trabalho a entender como o comportamento humano é em parte explicado pela biologia, como Edward O. Wilson, um dos fundadores da sociobiologia, são alvo de assassinato de reputação e “cancelamento”. Quando Wilson faleceu anos 92 anos, em dezembro de 2021, a Scientific American não fez um obituário elogioso, como merecido, mas um cancelamento.

“O legado complicado de E. O. Wilson” foi o título de artigo publicado na revista por Monica R. McLemore, uma acadêmica de enfermagem. Ela escreveu que Wilson tinha “crenças problemáticas”, e que não era o único entre cientistas “cheios de ideias racistas”. A autora afirmou, também, que “a assim chamada distribuição normal, da estatística, presume que há humanos default que servem como o padrão com o qual o resto de nós podemos ser medidos”.

O geneticista Razib Khan reagiu em seu blog. “Até meu profundo cinismo a respeito dos padrões cada vez mais frouxos da nossa era não serviu para me preparar para esse artigo”, comentou o cientista. “Parecia ter pouco a ver com Wilson, e tudo a ver com enfiar de forma oportunista opiniões particulares a respeito da justiça social na prática da ciência dura”.

Na mesma publicação de Khan, 35 cientistas e acadêmicos proeminentes assinaram uma refutação ao artigo de McLemore. “A autora só demonstra uma ignorância de pasmar a respeito dos conceitos mais básicos da estatística moderna”, disse a carta a respeito do comentário da acadêmica sobre a distribuição normal. “‘Normal’ simplesmente se refere à distribuição de probabilidade com uma certa forma matemática, o resultado livre de valoração [moral] de variáveis aleatórias”, explicaram os signatários.

Quanto a Wilson, afirmaram que ele “por décadas” aguentou ataques pessoais e animosidade. “Ele se esforçou em defender os padrões de integridade e insistiu em colocar a ciência em primeiro lugar, mesmo quando ativistas apelaram para agressões físicas contra ele”, explicaram, expressando alívio que ele foi poupado da indignidade de ler a “reavaliação mistificadora da Scientific American”.

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