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Opinião

Em busca de Rodrigo Hilbert no PTinder: o drama das empoderadas virtuosas

Um século depois do ingresso de mulheres no mercado de trabalho, o signo do sucesso é um parto orgânico para matar as manas de inveja. (Foto: Reprodução/ Instagram)

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Mulheres sempre trabalharam fora de casa. Afinal, camareiras, faxineiras, lavadeiras, cozinheiras e doceiras são profissões antiquíssimas. Aliás, a dita “profissão mais antiga do mundo” é feminina, e não masculina – o que faz daquelas mulheres nada menos que as inventoras do trabalho remunerado. A cada pagamento depositado em nossas contas, agradeçamos a elas, portanto.

Mas trabalhar nem sempre foi algo bonito. E, por muito tempo, só homens tinham profissões respeitáveis e bonitas, como médico, advogado, engenheiro. A emancipação feminina fez com que também as mulheres pudessem ter empregos bons, que lhes permitissem uma vida confortável e autônoma.

Autonomia traz responsabilidade. E se antes o casamento era algo decidido pelos pais, hoje ele é de inteira responsabilidade da mulher. Critérios objetivos, como “bom partido” versus “pé rapado” e “trabalhador” versus “vagabundo”cederam lugar a uma miríade de fatores do escrutínio feminino. Saíram de cena os dramas dos casamentos forçados, dos amores impossíveis e entrou em cena o PTinder.

Em busca de Rodrigo Hilbert no PTinder

É drama menos dramático, mas não menos misterioso. Senão, vejamos: métodos contraceptivos e emancipação feminina desvincularam sexo de casamento e até filhos de casamento, pois sexo pode ser mera recreação adulta e mulheres podem ter condições financeiras para bancar filhos sozinhas. Ainda assim, as mulheres empoderadas não podem se divertir com um “fascista” bonito. Elas têm que criar um PTinder. E é coisa de mulher, pois ainda não inventaram Grindr politicamente correto. Para os gays, a única orientação que interessa é para cima. Para as mulheres empoderadas e sexualmente liberadas, é preciso que se oriente para a esquerda.

Na verdade, nem é difícil apontar puritanismo nas empoderadas. Louvam a funkeira promíscua lá longe, na favela carioca, mas só admitem se deitar com homens que possam ostentar em seu círculo social. Que homem é esse? Um homem como Rodrigo Hilbert: bem-sucedido, que não desconstruiu nem os opressivos padrões de beleza masculina, nem o casamento monogâmico, que tem filhos com apenas uma mulher e participa da criação destes. E que sabe cozinhar – como quase todo homem que não mora com a mãe ou não foi criado com uma empregada 24h por dia.

Em defesa das puritanas d’antanho, podemos dizer que seu círculo social era muito mais amplo, pois, para começo de conversa, incluía gente que votava em mais de um candidato. Hoje, as puritanas se purificaram tanto que nem os parentes sobram.

Quem resta? As manas – que ficam competindo entre si para ver quem é mais virtuosa e progressista. As irmãs d’antanho tinham a família. As manas de hoje, só as manas. E vivem numa eterna adolescência, aquela fase em que as moças formam panelinhas para ficar falando mal umas das outras.

A desilusão com o esquerdomacho

Outra desvantagem que as puritanas de hoje têm em relação às d’antanho é a cosmovisão pessimista. As puritanas d’antanho tinham uma concepção elevada do homem – o que é uma coisa boa, quando se estava casada com um. As puritanas de hoje, ao contrário, têm uma visão conspiratória e demoníaca do homem.

Para elas, existe uma coisa chamada patriarcado que faz com que todo homem seja criado para ser malvado e opressor. A socialização é um pecado original masculino para o qual não há reza nem batismo que dê jeito. Assim como, para um racista do século XX, alguém nasce irremediavelmente maculado caso tenha um ancestral negro, um homem, uma vez educado, tem em si uma chaga moral indelével. Afinal, fala-se muito em desconstrução, mas não há nenhum rito ou procedimento pelo qual um homem se livre em definitivo da condição de opressor.

Todo homem é opressor, mesmo que em nível subconsciente. E todo homem é um estuprador potencial. Que tal será casar com uma figura dessas? Uma derrapada, e eis que se revela o esquerdomacho, isto é, o homem que é de esquerda, mas – horror dos horrores! – é macho.

A consequência disso é que o casamento, na vida de uma empoderada virtuosa, não é uma coisa tão decisiva e importante assim. É bom ter um barbudinho com óculos de aros grossos e camisa florida para tirar fotos junto e botar nas redes sociais para as manas ficarem com inveja.

O parto na banheira

De todo modo, admitamos que a cotação do casamento caiu por razões alheias aos rituais de acasalamento das empoderadas. Casar e descasar hoje é muito fácil. Dá para casar, brincar de médico e não ter filhos. Dá para casar, brincar de médico, não ter filhos e resolver separar numa boa, podendo casar de novo.

As mocinhas puritanas d’antanho tinham duas grandes festas: o casamento e a festa de 15 anos, que nada mais era uma propaganda da nova donzela núbil do pedaço. O casamento, quando rondava o medo de ficar para titia, era o projeto de vida das puritanas d’antanho. Por isso, casar era uma grande conquista e as puritanas faziam uma festança para comemorar e dar inveja nas irmãs.

Mas, hoje, o que fazer?

A classe média está quebrada, a idade das mães endinheiradas não para de subir e há até quem congele óvulo enquanto não encontra o seu Rodrigo Hilbert. Além disso, ter filhos custa cada vez mais caro, quando tablet ou smartphone são praticamente direitos humanos. Se a comida for orgânica, uma boca a mais para alimentar já é muita coisa – e a escola pública e gratuita, embora louvada em verso e prosa, só é boa para o filho do pobre.

Ter filho é caro e difícil! Ter filho, sim, é algo que causa inveja nas manas e mostra que você é bem-sucedida. Por isso, nada melhor que ter filho da maneira mais difícil possível: pôr uma banheira no meio da sala, enxotar o médico e chamar um fotógrafo junto com uma parteira mística da moda.

Coisa de um século depois do ingresso de mulheres em profissões emancipadoras, o signo de sucesso de um nicho feminino abastado é um álbum de parto orgânico para postar nas redes sociais e matar as manas de inveja.

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