Scruton: “Nossa Civilização Ocidental não é uma obsessãozinha específica de gente que vive em certa região geográfica do mundo. É uma herança em expansão constante”.| Foto: Pixabay

Em 19 de setembro de 2019, no 14º Encontro Anual de Gala pela Civilização Ocidental, o Intercollegiate Studies Institute deu a Sir Roger Scruton o prêmio de Defensor da Civilização Ocidental. Sir Roger disse essas palavras ao receber o prêmio. Ele tinha sido recentemente diagnosticado com câncer, doença que o levou à morte em 12 de janeiro de 2020.

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É uma honra ser premiado como Defensor da Civilização Ocidental em 2019 pelo ISI, organização com a qual mantenho conexão há muito tempo e cujo trabalho parece mais importante e necessário do que nunca, não só para os jovens, mas também para nós da geração mais velha, que estamos tentando transmitir o que sabemos.

A Civilização Ocidental tem sofrido muitos ataques por ser ocidental. A palavra Ocidental assumiu um caráter abusivo por muitas pessoas no mundo de hoje, sobretudo por pessoas que não têm a menor ideia do que ela significa histórica, metafísica e poeticamente. Nossa Civilização Ocidental não é uma obsessãozinha específica de gente que por acaso vive em certa região geográfica do mundo. É uma herança em expansão constante, sempre incluindo coisas novas. É algo que nos dá o conhecimento da alma humana, que nos permite criarmos não apenas maravilhosos sistemas econômicos e formas de viver no nosso mundo, mas também as grandes obras de arte, as religiões, os sistemas jurídicos e o governo, todas as outras coisas que fazem com que reconheçamos que vivemos nesse mundo, enquanto for possível, de uma forma bem-sucedida.

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O que é a Civilização?

Deixemos de lado a ideia de Civilização Ocidental. Afinal, ela depende de como você vê o mundo, do Ocidente ou Oriente. Em vez disso, vamos analisar a ideia de civilização. O que é isso? É uma forma de conexão entre as pessoas, não apenas uma forma por meio da qual as pessoas compreendem seus idiomas, costumes, comportamentos, mas também a forma como elas se conectam umas às outras, olho a olho, cara a cara, no cotidiano que compartilham.

É algo que tem uma dimensão comum no ambiente de trabalho e na comunidade, no nosso dia a dia. Mas também é algo sobre o qual foi erguida a alta cultura, obras de arte, literatura, música, arquitetura e assim por diante. São formas de mudar o mundo de modo a nos sentirmos mais à vontade nele.

Acho que essa é a característica marcante da Civilização Ocidental, que é uma civilização abrangente que está sempre criando novas formas de nos sentirmos em casa, formas de nos relacionarmos uns com os outros, o que gera paz e interesses mútuos como os principais laços entre vizinhos.

Mentes estreitas

Ora, eu mesmo obviamente já me meti em muitos problemas por defender a Civilização Ocidental. Uma marca estranha do nosso tempo parecer ser o fato de que, quanto mais você se dispõe a defendê-la, mais você é considerado um fanático de mente estreita. Mas as pessoas que fazem essa acusação é que têm mentes estreitas. São elas que não enxergam quão grande e abrangente foi e é nossa civilização.

Fomos criados, por exemplo, com base na Bíblia hebraica, um documento antigo que perpetua a civilização do Oriente Médio pré-clássico. Ela nos passa a sensação de como as pessoas viviam em comunidades tribais que perambulavam pelo deserto e assim por diante.

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Aprendemos e estudamos os grandes épicos romanos e gregos, que nos ensinaram idiomas diferentes – línguas mortas, mas línguas que retrataram o mundo sob uma luz diferente do mundo criado por nossos idiomas contemporâneos.

Somos criados com base na literatura da Idade Média, boa parte dela influenciada pela literatura árabe, claro. Na verdade, todos nós já dormimos ouvindo histórias tiradas das 1001 Noites.

Quanto mais você analisa, mais você percebe quão abrangente e universal é a herança da nossa civilização. E isso é algo que tendemos a esquecer hoje em dia. Não é um legado restrito. É algo que está realmente aberto a todos os tipos de inovações, que aceita a totalidade do ser humano como seu tema.

É assim que a vejo. Sempre gostei de ser professor de humanidades porque sei do que as humanidades tratam. Tratam do ser humano e de como o ser é diverso e amplo no mundo em que vivemos hoje.

Intolerância de quem?

O que quer que façamos, devemos reagir contra a acusação de que a nossa civilização é de alguma forma estreita, dogmática, intolerante e excludente. Não é. Comparado com o quê, afinal? Comparado com os chineses? Somos estreitos, intolerantes e excludentes quando deixamos de lado a grande tradição confucionista? De jeito nenhum. Fui criado, como muitos outros, com um interesse pela civilização chinesa. Lemos o Livro das Odes na tradução de Ezra Pound. Todos nós nos apaixonamos por Das Lied von der Erde, de Mahler, um dos maiores usos da poesia chinesa em toda a história da música, e certamente maior do que tudo o que ouvi na música chinesa. E olha só! Aí está a afirmação preconceituosa.

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Mas reconheçamos que isso não é preconceito algum. O fato de um compositor como Mahler poder direcionar seus sentimentos vienenses na direção daqueles poemas de solidão que o levaram a compor uma música tão bela mostra um aspecto tolerante e generoso da nossa cultura. Deixando-nos, ao fim do último movimento, com aquele coro incrível que, como escreveu Benjamin Britten, permanece impresso no ar.

Por que somos obrigados agora a assumir uma posição de defesa quando qualquer pessoa que saiba um pouco sobre o assunto sabe que o que chamamos de Civilização Ocidental é apenas outro nome para civilização e para todas as realizações que os jovens precisam conhecer e, se possível, adquirir. O problema, parece, está na invasão da academia e do mundo intelectual por grupos ativistas que não se dão ao trabalho de perceber contra o que estão se posicionando e que, mesmo assim, definem sua posição em termos de pautas políticas. Essas pautas políticas tratam todas de pertencer a um grupo de salvacionistas: nós estamos salvos porque acreditamos nas coisas certas e procuramos em todos os lugares por seres peçonhentos que tentam nos impedir de tomarmos posse de nossa herança por direito.

E todas as novas causas são escolhidas com base nisso. São causas de pessoas que querem sentir que a ordem atual das coisas as exclui e que, portanto, elas têm uma justificativa para destruir essa ordem a fim de ocupar um lugar no topo dela. Uma vez no topo, elas reorganizarão as coisas de modo a purificar todas as influências antigas e corrompidas vistas como um problema.

Acho que essa invasão do ativismo político nas universidades e nas humanidades e em todos os canais de civilização é um dos maiores desastres da nossa época.

Mas isso não tinha de ocorrer. Não temos de ouvir o que essas pessoas dizem. Não somos obrigados a nos envolvermos nos julgamentos públicos, nas denúncias, em todas as formas como as pessoas são caçadas e excluídas da comunidade. Esses ativistas só têm sucesso porque nós participamos dessas atividades. Não temos de participar. É possível dar um passo para trás e até rir de algumas das coisas que estão sendo ditas.

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Se você parar e pensar em todo o furor quanto ao ativismo transgênero, boa parte dele é pura confusão, e uma confusão da qual as pessoas querem ser resgatadas. Boa parte da raiva é um pedido de socorro. Fiquem calmos e digam: há outras opiniões que não a sua. Você pode ter um bom argumento, mas não é o único argumento. Vamos nos acalmar e discutir isso. Vamos analisar isso no contexto da civilização como um todo e do caminho para onde ela está rumando.

Fazer isso deve ser o bastante para eliminar boa parte da tensão que nos aflige.

Um tempo para coragem

E sinto que agora é a hora, por meio de instituições como o Intercollegiate Studies Institute, de levar novamente coragem e convicções aos jovens que sabem que há algo de errado com essa caçada às bruxas dos ativistas contra a tradição. Chegou a hora, me parece, de pessoas como eu e a geração mais antiga de professores darmos coragem aos jovens, de dizermos: olha, você tem uma civilização e uma herança que o ajuda a compreender essas coisas. Ceder a esse tipo de ativismo excludente, que ignora porções inteiras do conhecimento humano, não faz bem. Isso não está lhe dando as coisas das quais você realmente precisa no mundo onde vai viver.

Vocês precisam é de diálogo, e é disso que trata nossa civilização. Tentar entender a condição humana em toda a sua complexidade. E, quando as pessoas tentarem radicalizar e politizar o currículo acadêmico e o que é ensinado e pensado nas universidades, vocês não precisam participar disso. Vocês podem até rir delas. Na verdade, ainda é permitido rir das pessoas no nosso país e civilização. Afinal, a comédia é uma das grandes dádivas da civilização. E cabe a vocês, acho, usá-la.

Então minha mensagem final é a de que não devemos nos desesperar com a Civilização Ocidental. Só temos de tomar cuidado para reconhecermos que não estamos falando de uma coisa de mentalidade pequena e estreita chamada Ocidente. Estamos falando de uma coisa aberta, generosa e criativa chamada Civilização.

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© 2020 The Imagniative Conservative. Publicado com permissão. Original em inglês 
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