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Imagem de uma das propagandas de Putin às vésperas da eleição presidencial: o presidente russo aparece como um super-herói | Yuri Kadobnov/AFP
Imagem de uma das propagandas de Putin às vésperas da eleição presidencial: o presidente russo aparece como um super-herói| Foto: Yuri Kadobnov/AFP

Parece que um ator estatal está por trás da tentativa de assassinato do ex-oficial de inteligência russo Sergei Skripal e sua filha Yulia na Grã-Bretanha na semana passada. Ambos foram envenenados com Novichok, uma substância tóxica desenvolvida pela União Soviética entre os anos 1970 e 1980. 

Fora da Rússia poucas pessoas têm dúvidas sobre quem deve ser o culpado: a maioria dos dedos aponta diretamente para Moscou. Na verdade, a primeira-ministra britânica, Theresa May, disse nesta segunda-feira (12) ao Parlamento que era "altamente provável que a Rússia fosse responsável pelo ato" e que o veneno era "um agente nervoso de uso militar desenvolvido pela Rússia".

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Há, no entanto, uma clara escassez de teorias sólidas sobre o motivo pelo qual o Kremlin teria ordenado tal ataque a um homem que não deveria mais ser de interesse para os serviços de segurança. A única certeza é que esta será mais uma crise entre várias que vem ocorrendo entre Ocidente e Oriente - e que já parecem mais amargas e imprevisíveis do que a antiga guerra fria jamais foi.  

O Kremlin negou categoricamente qualquer envolvimento no crime. De fato, é difícil ver como Vladimir Putin, que espera ser reeleito no próximo domingo (18) e é capaz de manifestar suas ameaças ao Ocidente sob a forma de mísseis nucleares de última geração, poderia se beneficiar do assassinato brutal de um desertor que foi perdoado e trocado por espiões russos capturados há quase uma década. 

Previsivelmente, alguns analistas russos afirmam que o ataque a Skripal pode ter sido uma operação de bandeira falsa, motivada por interesses ocidentais. Eles sugerem que o objetivo era piorar a crise da desconfiança entre Oriente e Ocidente e provocar medidas de repressão, como novas sanções contra o grande número de russos ricos - incluindo figuras pró e anti-Kremlin - que estacionaram seus recursos na Grã-Bretanha nos últimos anos, ou ainda como um boicote ocidental para a Copa do Mundo de futebol na Rússia. Tudo isso, e mais, já está sendo discutido na Grã-Bretanha. 

Outros especialistas parecem não ter tanta certeza. Ao contrário da crença ocidental generalizada, a Rússia de Putin não está sob o controle de um só homem. Em vez de uma ordem direta do Kremlin, dizem os especialistas, um conjunto de atos ilegais - do assassinato do líder da oposição Boris Nemtsov há três anos aos recentes ciberataques da “fazenda do troll” da Rússia - parece ser melhor explicado por facções que operam por conta própria dentro do extenso sistema político da Rússia, talvez até com o objetivo de agradar Putin.  

Em sua declaração ao Parlamento britânico, May disse que não estava claro se a Rússia havia intencionalmente implantado o agente nervoso em Skripal, ou se perdeu o controle do veneno e alguém o usou. Ela disse que estava dando um prazo até o final de terça-feira (13) para que o Kremlin explicasse qual das duas possibilidades era a correta. Muitos russos acreditam que estão sendo colocados contra a parede. 

"Parece que este ataque foi patrocinado por um Estado, e muitos aqui suspeitam que algum outro [país] poderia ter feito isso para implicar a Rússia", diz Sergei Karaganov, um dos principais especialistas russos em política externa. "Parece improvável para mim, mas é possível, que algumas forças renegadas dentro da elite russa possam ter feito isso", para envergonhar Putin e deixar a Rússia em uma posição ainda mais nacionalista. "É difícil imaginar alguém que desafie Putin assim, mas a possibilidade não pode ser excluída". 

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“Traidores”, diz Putin

Sergei Skripal era um oficial de carreira da inteligência militar soviética que agora é conhecida como GRU, ou diretoria de inteligência principal. Em 1995, ele foi recrutado pelo serviço secreto britânico MI6, e teria entregado detalhes de até 300 agentes russos que trabalhavam no exterior. Ele foi pego em 2004, se declarou culpado e dois anos depois foi condenado a 13 anos em um campo de trabalho forçado por traição. Mas quatro anos mais tarde ele foi libertado, perdoado pelo então presidente da Rússia, Dmitry Medvedev e, com outros três espiões russos condenados, foi trocado por dez agentes russos capturados nos EUA.  

"Nunca houve qualquer caso no passado em que agentes [que foram negociados dessa maneira] foram mortos ou prejudicados", diz Alexei Konduarov, ex-general da KGB que mais tarde trabalhou para o império petrolífero Yukos, do magnata exilado Mikhail Khodorkovsky, e depois serviu vários anos como deputado federal da Rússia. Ele diz que duvida que os serviços de segurança russos destruam esse antigo livro de regras, que os beneficia tanto como o outro lado. 

 "Se Moscou é acusado da história de Skripal, não vejo motivação racional para isso", diz ele. "Skripal não possui mais informações úteis. Claro, ele realizou aulas sobre métodos de serviço secreto [na Grã-Bretanha], mas isso é tão antigo quanto os faraós".  

Alguns críticos citaram um vídeo de Putin em 2010, no qual ele diz que os "traidores" da Rússia merecem a morte, como prova da mão do Kremlin por trás da tentativa de assassinato de Skripal. No vídeo, que ganhou atenção desde o ataque a Skripal, Putin diz que aqueles que viram as costas aos "seus companheiros de batalha, o que quer que eles consigam em troca, as 30 moedas de prata que lhes foram dadas, eles vão sufocar com elas." 

Mas o vídeo não oferece nenhuma razão para que Skripal, entre dezenas de antigos espiões russos que agora vivem no Ocidente, tenha sido o alvo escolhido. Também não sugere por que ele seria alvo de um ataque agora, oito anos após os comentários de Putin e após ser libertado.  

"Algumas pessoas dizem que talvez o ataque tinha o objetivo de intimidar outros [traidores], mas duvido que isso possa funcionar", diz o Konduarov. "Mais provável que tenha o efeito oposto". 

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Histórico

Os serviços secretos soviéticos e russos são conhecidos por assassinar seus inimigos no exterior, inclusive através do uso de venenos exóticos. O caso mais mencionado é o assassinato de um desertor da FSB (serviço que sucedeu a KGB), Alexander Litvinenko, o qual um inquérito do governo britânico determinou que foi "muito provavelmente" ordenado por Putin, em 2006. Litvinenko, que desertou para a Grã-Bretanha em 2000, aparentemente mais tarde foi trabalhar para o MI6 e também se juntou à altamente pública campanha anti-Kremlin do oligarca exilado Boris Berezovsky. 

Putin dirigiu-se aos profissionais do serviço de segurança russo há uma semana, ironicamente um dia após o envenenamento de Skripal, e disse que Rússia está na defensiva em meio a um feroz ataque das agências de inteligência ocidentais. Ele afirmou que a contra-inteligência russa havia barrado quase 400 operários estrangeiros que trabalhavam na Rússia apenas no ano passado. "Peço-lhes que continuem a trabalhar nesta direção mais importante de uma forma extremamente eficaz", disse ele, "para interromper todas as tentativas dos serviços de inteligência estrangeiros em obter acesso a informação sensível de uma base política, econômica, tecnológica e natureza defensiva".  

Se as autoridades britânicas implicam oficialmente a Rússia na tentativa de assassinato de Skripal, como parece provável, isso significa um clima ainda mais tenso para as relações de Moscou com o Ocidente. Mas em um aspecto, a retaliação britânica poderia ser usada por Putin a seu favor. Propostas para forçar os russos ricos que residem na Grã-Bretanha a explicar as fontes de suas riquezas, ou encarar o risco de perdê-las, poderia forçá-los a trazer fortunas de volta à Rússia - algo que o Kremlin tentou em vão convencê-los a fazer por quase cinco anos. 

"As pessoas costumavam dizer que o dinheiro não tem cidadania. Agora, parece que sim: o dinheiro russo será tratado como claramente russo", diz Fyodor Lukyanov, editor do Russia in Global Affairs, um importante jornal da política externa de Moscou. "Por anos, Putin tem oferecido todos os tipos de ofertas aos russos milionários se eles repatriassem seus ativos, mas poucos o levaram a sério. Talvez agora o façam”.

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