Cartaz compara o então presidente interino de Honduras, Roberto Micheletti, a Hitler, em 2009| Foto: YURI CORTEZ /AFP

A chamada “Lei de Godwin”, criada em 1990 pelo advogado americano Mike Godwin, diz: “À medida que cresce uma discussão, a probabilidade de surgir uma comparação envolvendo Adolf Hitler ou o nazismo aproxima-se de 1 (100%)”. Infelizmente, por mais que alguns fóruns tenham adotado como regra tácita que “quem menciona Hitler ou o nazismo perde a discussão”, o argumento barato de que “fulano é fascista” é mais comum de se encontrar nas redes sociais do que qualquer tipo de elogio. Xingar o desafeto, o que lhe desagrada ou o inimigo de fascista é pop.

CARREGANDO :)

Leia também: O que a esquerda diz que é fascismo e o que realmente é

O uso exagerado do termo “fascista”, no entanto, carrega consigo uma consequência grave, que é a de minimizar os horrores dos atos de quem é ou foi um fascista de fato. Considerando o uso desmedido da palavra, o escritor americano Scotty Hendricks escreveu um artigo em que busca contextualizar o conceito de fascismo e entender quais são as características que fizeram com que a ideia fosse vulgarizada ao longo do último século. 

Publicidade

Hendricks recorreu ao livro “Fascismo”, do teórico político britânico Roger Griffin, em que o termo é descrito como “uma forma palingenésica de ultranacionalismo populista”. Palingenésico significa “renovação, renascimento”. Ou seja, uma forma de “renascimento nacional” com tendências populistas (que buscam atender o sentimento das classes populares) e ultranacionalistas (de exaltação dos símbolos nacionais por meio de um estado absoluto).

“[O fascismo] é uma forma palingenésica de ultranacionalismo populista”

Roger Griffinteórico político britânico 

Segundo Griffin, somente dois movimentos autoritários na história foram fascismos “reais”: o fascismo italiano e o nazismo alemão. Isso não impediu, entretanto, a adoção de características de um fascismo “genérico”. Griffin cita dez dessas características, que envolvem ideias antiliberais (se opõe ao pluralismo, à tolerância, à democracia e aos direitos naturais), anticonservadoras (busca uma “nova ordem”, não um retorno a valores de um passado glorioso), antirracionais, totalitárias, racistas e internacionalistas, entre outras. 

A discussão sobre o desgaste do termo fascista não é nova. Em 1944, George Orwell, autor de “A Revolução dos Bichos” e “1984”, já escrevia sobre o tema, afirmando que a ideia vulgar de fascismo dizia respeito a um significado de algo “cruel, inescrupuloso, arrogante, obscurantista, antiliberal e contrário à classe trabalhadora”. “Isso é o mais próximo de uma definição a que chega essa palavra muito abusada”, escreve.

Supremacia

Segundo o cientista politico Masimo Della Justina, professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), fascismo é “a imposição da vontade de grupos políticos por meio do autoritarismo e da força”. “Não é só uma doutrina, é um regime político que rege o estado e o governo. É exercido sobre seu próprio povo, bem como a estados ou países com que esse regime se relaciona”, explica. De acordo com Della Justina, o fascismo é intolerante e usa da violência contra opositores. “Tem um cunho de supremacia, que pode ser racial, econômica, ideológica, religiosa, familiar e até de uma região sobre outra”, afirma.

Publicidade

Leia também: Chamar alguém de “fascista” é ofensa à honra

Para o cientista político, o uso abusivo do termo “fascista” em uma discussão nada mais é do que a tentativa de um interlocutor insultar o outro como se fosse uma ofensa máxima. “Quem é esclarecido sabe que vai ofender, mas o menos esclarecido chama porque é ignorante”, diz. Della Justina ensina que, para saber se um regime político é ou não fascista, é preciso se fazer uma pergunta fundamental: “qual o papel deste estado em relação à economia e à liberdade do indivíduo”? Se for o menor possível, é um estado liberal. Se só corrigir defeitos, principalmente econômicos, é social-democrata. E se for um estado de intervenção total, é de escola marxista. “No geral, a população poderia fazer um esforço para não dar um apelido errado para a pessoa certa”, brinca.

“O fascismo foi tão perverso quando se manifestou na história da humanidade, ofendeu tanto a humanidade, que não merecia ser propagado de forma tão inocente como é agora. É um termo abominável que deveria ser banido da mente das pessoas esclarecidas”

Masimo Della Justinacientista politico

Para Della Justina, o único regime que mais se aproximou do conceito político de fascismo foi o aplicado por Robert Mugabe, que renunciou à presidência do Zimbábue enquanto enfrentava um processo de impeachment. A Rússia, pela relação forte do regime com empresas estatais, semiestatais ou privatizadas, que são controladas por oligarcas, também possui, nessas características, elementos de um estado fascista, afirma o professor.

Ao contrário disso, ninguém mais é fascista. “O fascismo foi tão perverso quando se manifestou na história da humanidade, ofendeu tanto a humanidade, que não merecia ser propagado de forma tão inocente como é agora. É um termo abominável que deveria ser banido da mente das pessoas esclarecidas”, conclui o professor.

Publicidade