Manifestantes pró-Palestina marcham do Banco da Inglaterra até a Praça do Parlamento durante o evento “Marcha Nacional pela Palestina” em Londres, Grã-Bretanha, 09 de dezembro de 2023.| Foto: EFE/EPA/TOLGA AKMEN
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Salam Alaikum”, foi assim — com uma saudação em árabe — que Craig Guildford, chefe da Polícia de West Midlands no Reino Unido, abriu seu discurso em que oferecia uma mensagem de conforto para a comunidade local após os protestos anti-imigração que abalaram o país no início deste mês.

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“Pense antes de postar”, advertiu o governo do Reino Unido no Twitter, algumas horas depois. No mesmo dia, o chefe de Polícia da Grande Londres, Mark Rowley, tranquilizou os cidadãos de que qualquer pessoa, em qualquer lugar, que for pega postando as coisas erradas iria sofrer as consequências: “Estamos vindo atrás de você”.

Por si só, as mensagens já são tenebrosamente claras. Juntando-as, fica ainda mais claro que os ensaios para a anarco-tirania estão a todo vapor; este é o manual da nova polícia do pensamento:

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  • Você falará conforme eles falam (discurso compelido);
  • Você pensará o que eles querem que você pense (censura prévia);
  • Eles o prenderão se você discordar (repressão de dissidentes).

Mais do que totalitarismo, juntos representam a ascensão da anarco-tirania, abrindo a janela de Overton enquanto se fecham as cortinas do contexto, ameaçando tornar o estado policial, já existente, em um sistema de castas interseccional. Eles estão observando, prontos para lembrá-lo das consequências das suas ideias.

De Estado Policial para um sistema completo de castas

Então, vamos observá-los de perto. Não faz muito tempo, muitos progressistas eram a favor de desmilitarizar as polícias e, alguns, até de abolir as prisões. Agora, eles são seus maiores incentivadores. Alguém pode se enganar pensando que essa mudança é apenas o resultado da turma dos direitos humanos reformando a polícia; ou da caça aos dissidentes de 8 de janeiro.

Mas, na verdade, é um sinal de que as instituições estão desmoronando. As leis fundamentais da civilização — não matar, não roubar, não mentir — estão sendo descartadas, enquanto regras e códigos criados por grupos de interesse — cotas, nomes sociais, etc. — são aplicados diligentemente e ferozmente.

Isso é a anarco-tirania na prática — bandidos violam as leis reais com um sorriso, enquanto os cidadãos cumpridores da lei são estrangulados pelo que deveriam ser códigos de etiqueta e boas maneiras. E é até bastante simples prever quando os bandidos irão agir como anarquistas e quando vão reprimir como tiranos.

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Mas, que tipo de ordem emerge quando o Estado não pode — ou não quer — combater os crimes reais, mas é implacável para punir, controlar e arruinar a vida de pessoas geralmente inocentes, que cometeram infrações menores? É uma boa pergunta, não é?

Os sinais estão em toda parte, claros como o sangue nos olhos da sociedade. O lawfare sufoca a liberdade de expressão, com as ONGs puxando as cordas, jogando as próprias instituições das democracias liberais contra si mesmas. É um colapso bem orquestrado.

Nos EUA, os distúrbios que se seguiram à morte de George Floyd foram episódios de banditismo sancionado, ocorrendo ao mesmo tempo em que os lockdowns por conta do Covid sufocavam as pessoas comuns. Enquanto isso, estátuas do criminoso Floyd surgiam por todo lado, substituindo as de homens como o General Robert Lee, que já era um herói de guerra antes de se aliar aos Confederados na Guerra Civil.

Falando sobre os Confederados (o lado perdedor da Guerra Civil americana, geralmente associado à manutenção da escravidão), trata-se de uma bandeira a qual os americanos são virtualmente proibidos de hastear — a não ser que queiram problemas. No entanto, a poucos quilômetros do Capitólio, manifestantes recentemente queimavam a bandeira americana, içando em seu lugar a bandeira da Palestina, sem quaisquer consequências. Durante todo o tempo, eles entoavam slogans genocidas (“do rio ao mar, a Palestina será livre”, o que implica o extermínio de Israel) — um símbolo marcante da anarco-tirania inspirada por agentes externos e sancionada pelo estado.

As Bíblias foram retiradas das salas de aulas e estátuas satânicas colocadas nos tribunais. Aprovaram leis que tornam aceitável matar os nascituros até seu primeiro suspiro, e às vezes até depois disso — e se você ousar se manifestar, pode acabar atrás das grades por um bom tempo, como o governo Biden tem feito com ativistas pró-vida. Tim Walz, candidato à vice na chapa de Kamala Harris, confirmou recentemente: não existe nada que garanta a sua liberdade de expressão irrestrita.

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A autointitulada Terra da Liberdade agora é um mundo onde os criminosos recebem auréolas e os santos recebem algemas. É o que muitos chamam de progresso.

Na Alemanha, recentemente um policial foi assassinado por um extremista islâmico enquanto tentava imobilizar um ativista de direita — um momento triste, mas que ilustra perfeitamente a máquina da loucura ocidental em movimento.

No Reino Unido, a polícia assistia passivamente enquanto um manifestante anti-imigração, algemado pela própria polícia, recebia chutes e socos de uma multidão de imigrantes ilegais. Talvez eles pensassem que qualquer intervenção poderia ser percebida como insensibilidade cultural, suponho eu.

E não é apenas a violência física; o silêncio também está se impondo. No Reino Unido, rezar, mesmo que em silêncio — e dentro de sua cabeça —, nos arredores de clínicas de aborto está em vias de ser proibido. Até a Igreja Anglicana começa a se perguntar se deve retirar a palavra ‘igreja’ de seu nome para ser mais inclusiva.

Neste fim de semana a França prendeu Pavel Durov, CEO do aplicativo de mensagens Telegram, porque ele não quis colaborar com os planos das autoridades francesas para censurar seus cidadãos. Enquanto isso, o político de extrema esquerda Jean-Luc Mélenchon, um conhecido apoiador de Putin, tornou-se o homem mais poderoso do país após as eleições recentes, efetivamente transformando Macron em seu fantoche.

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Essa simbiose de caos e controle, envolta na bandeira da diversidade e inclusão, acaba por validar comportamentos que são ainda mais radicais do que as normas encontradas nas culturas desses imigrantes, criando uma crise completamente sem precedentes.

A Regra de Platina da classe ruminante

Lembra-se da ‘Regra de Ouro’? “Trate os outros como gostaria de ser tratado”? Bem, isso agora acabou.

Nós a trocamos pela ‘Regra de Platina’ — tratar as pessoas como elas desejam ser tratadas. Agora ela é usada para nos empurrar tudo, desde vídeogames até suicídio assistido, tudo bem embrulhado na bandeira do respeito e inclusão. É um truque inteligente: fazer você acreditar no que eles querem enquanto você pensa que é o que você quer.

Este é o legado da tirania dos especialistas — nossa rendição à classe pensante, que, pensando bem é apenas a classe dos ruminantes. Elevamos os ‘intelectuais’ como se fossem algo mais do que apenas pessoas brincando com ideias. Eles não estão mais preocupados com o que é verdadeiro, justo ou belo; eles estão apenas ocupados ruminando ideias, como um encanador com seus canos. Ser um intelectual se tornou um emprego, não uma virtude.

Talvez a primeira tarefa do intelectual moderno seja perceber que ter um doutorado não significa que você saiba algo sobre a vida, assim como ter um diploma em literatura não o torna Machado de Assis. E a primeira tarefa dos plebeus é reconhecer essa deficiência.

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Platão deixou isso claro em seu 'Protagoras', e a história é muito parecida com a dos dias de hoje. Epimeteu (o ‘pensador posterior’) — irmão pouco inteligente de Prometeu (o ‘pensador anterior’) — foi incumbido por Zeus com a tarefa de distribuir habilidades a cada criatura. Ele acabou por desperdiçar muitas das habilidades e, quando chegou a vez dos humanos, não havia sobrado nenhuma.

Os humanos permaneceram nus e indefesos até que Prometeu, percebendo que haviam sido esquecidos, presenteou-os com o fogo roubado dos deuses, uma ideia intimamente associada ao livre arbítrio, ao livre pensamento ou à liberdade de expressão.

Por suas ações, Prometeu foi punido por Zeus, acorrentado a uma rocha onde uma águia comeria seu fígado todos os dias, apenas para ele regenerar e ser consumido novamente no dia seguinte.

Mas, Zeus tinha ainda outro presente, destinado a se vingar da humanidade — a caixa de Pandora. Epimeteu, ignorando o conselho de seu irmão para não aceitar presentes dos deuses, aceitou-o de braços abertos.

Agora, pegue essa cena, troque o mito pela realidade. Acadêmicos progressistas, esses Epimeteus bem-intencionados, continuam abrindo caixas de Pandora, buscando presentes que não entendem completamente — tipo ‘a diversidade é o nosso forte’ que assola a Europa.

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Um por nada e nada por um!

Claro, há esperança. Isso é tudo que restou no fundo da caixa de Pandora, afinal.

Mas, a liberdade é um bicho complicado. Pode viver sozinho, mas sempre caça em bando.

Estamos todos enredados juntos, para melhor ou pior. Seres humanos são apenas humanos porque existem outros seres humanos. Por isso existe a ‘humanidade’.

A prova disso é que mesmo se existisse apenas um único macaco, ele ainda seria um macaco — não é necessária uma ‘simiedade’ para dar sentido à existência dos macacos. Mas um ser humano sozinho? É apenas um número. E números, eles não lutam. Eles estão apenas lá, fáceis de manipular, fáceis de controlar.

E aqui está o problema: a censura mais eficaz não é a que apenas silencia um indivíduo, por ordem. É a que silencia grupos inteiros por medo, e a seus grupos rivais por conveniência. Isso faz com que amigos sussurrem, inimigos fiquem complacentes e o meio-termo — bem, o meio fica tão silencioso que você pode ouvir um alfinete cair.

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Jefferson Vieira é economista com uma década de experiência no mercado financeiro e em organizações multilaterais, baseado na Europa.