Durante os anos em que foi professor de língua portuguesa na Universidade Federal do Paraná, entre 1986 e 2009, o escritor Cristovão Tezza abriu os períodos letivos apresentando aos alunos uma lista de livros.
No catálogo, cerca de cem títulos em que o professor fazia “um apanhado mais ou menos arbitrário da prosa do século 20, no Brasil e no mundo”. Um recorte, a um só tempo, tentador e impenetrável aos olhos dos jovens alunos.
Partia do obrigatório clássico adolescente “O Apanhador no Campo de Centeio”, de J.D. Salinger, até a “A Chave”, prosa erótica do japonês Junichiro Tanizaki. Do “anti-romancista” austríaco Robert Musil aos ícones latinos Jorge Luis Borges e Julio Cortázar.
As listas despertavam sede literária semelhante àquela que o personagem do professor Keating, vivido por Robin Williams no filme “Sociedade dos Poetas Mortos” (1989), despertava em seus alunos.
No caso, uma sociedade de prosadores vivos e mortos que marcaram a literatura no século 20. E com consequências nem tão trágicas.
“Quando a lista chegava à tua mão, era um grande mistério. Ali encontrei autores que me despertaram para a literatura. Com o passar do tempo, me vi vencendo a lista e melhorando a minha formação de um jeito que só a leitura permite”, relembra o escritor e tradutor Christian Schwartz, ex-aluno de Tezza e um dos muitos que guardam o índice como souvenir literário e afetivo dos tempos universitários.
A ex-aluna Manuela Salazar, mestranda em comunicação na Universidade Federal do Pernambuco (UFPE), conta que no primeiro dia de aula surgiu o mesmo espanto que se tem diante de uma grande biblioteca: “Numa vida, nunca vai dar tempo de ler tudo isso!” Mas as indicações do mentor abriram para ela um mundo “difícil de acessar como leitor autodidata”.
Tezza conta que sua ideia era dar “algumas boas referências culturais” aos alunos, misturando obras clássicas a recém-lançadas. “Todo ano eu readaptava a lista, mas mantendo o mesmo espírito – obras que permitissem uma boa discussão temática”.
Como a disciplina era anual e tinha um programa aberto, da linguística à interpretação de textos, o autor de “Um Erro Emocional” criou as listas para trabalhar a literatura “de uma forma livre e mais lúdica”. A mesma com que seus professores no Colégio Estadual do Paraná tinham mexido com sua cabeça em sua adolescência curitibana.
Seminários extremos
A experiência foi aprimorando a ideia. Tezza decidiu que todo aluno precisava ler de três a cinco livros. Destes, o aluno escolheria um para apresentar diante da turma. As últimas três semanas do ano eram reservadas às “performances” de interpretação dos livros escolhidos.
Cada apresentação era acompanhada de um texto distribuído aos colegas. Logo, os ‘seminários de literatura’ se tornaram um sucesso nas turmas. E com o passar do tempo, as interpretações começaram a ficar extremas, para o bem e para o mal.
“Houve um ano em que o aluno que havia escolhido ‘O mez da grippe’, do Valêncio Xavier, levou o próprio Valêncio para conversar sobre o livro. Outros faziam pequenos quadros de teatro, ou filmes em VHS, porque a praga dos celulares ainda não havia entrado em cena”, diz Tezza.
Algumas representações, no entanto, exageraram a dose e, por seus exageros, ganharam status de “lenda urbana”.
Numa delas, os alunos que discorriam sobre o romance “Desonra”, do prêmio Nobel sul-africano J.M. Coetzee, escolheram reencenar um episódio de estupro, fundamental no enredo do livro, mas que constrangeu parte dos alunos e o professor boa-praça.
Noutra “peça”, ao apresentar o livro “Pico na Veia”, de Dalton Trevisan, um aluno teria espetado uma seringa no antebraço, retirado alguns mililitros do próprio sangue e ingerido o líquido, para horror dos colegas.
Tezza, porém, afirma que não foi isso que apressou sua retirada das salas de aula. Além da dedicação integral à carreira de escritor , motivada pelo sucesso de “O Filho Eterno” (Record, 2008), a mudança da grade dos cursos para o período semestral foi o estímulo final.
“Eu teria de criar uma disciplina específica, mas já estava com planos de sair da universidade – e o meu projeto acadêmico, 20 anos depois, já estava esgotado. Foi bom enquanto durou”.
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