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Um dos significados do nome Sayid, de origem árabe, é “aquele que tem bom coração”.
Esse sentido, no entanto, não combina muito com a personalidade de Sayid Marcos Tenório – o militante comunista que no ano passado chocou até uma parte dos esquerdistas por ridicularizar uma mulher israelense sequestrada pelo Hamas.
Meses depois, ele voltou ao noticiário por compartilhar uma imagem de ratos mortos, comparando-os com soldados do Exército de Israel.
E, na última semana, voltou ao noticiário após fazer uma “visita de cortesia” à Fundação Palmares, entidade de promoção da cultura afro-brasileira vinculada ao Ministério da Cultura, chefiado pela cantora Margareth Menezes.
A verdade é que o extremista ganhou popularidade na esquerda com a polêmica e segue participando, como nunca, de lives no YouTube e debates pelo Brasil.
Sua agenda inclui até mesmo eventos do governo, como uma mesa redonda sobre liberdade religiosa promovida no final de janeiro pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, comandado por Silvio Almeida.
Até então desconhecido do grande público, Tenório entrou no “radar” geral no dia 7 de outubro de 2023 – exatamente a data dos ataques do Hamas ao território israelense.
Ao comentar no Twitter/X um vídeo em que uma refém judia aparece amarrada e com manchas de sangue na altura das nádegas, o também vice-presidente do Instituto Brasil-Palestina afirmou: “Isso é marca de merda. Se achou nas calças”.
O post perverso lhe valeu a demissão do gabinete do deputado federal Márcio Jerry (PCdoB-MA), onde ocupava um cargo comissionado e participava da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência, presidida pelo parlamentar (aliado histórico do recém-empossado ministro do STF Flávio Dino).
Seu salário mensal era de R$ 21 mil, um dos mais altos para esse tipo de função na Câmara.
Depois da exoneração, Sayid Tenório teve parte de sua vida devassada pela imprensa. A começar pela informação de que sua árvore genealógica não tem qualquer relação com o Oriente Médio – e seu nome de batismo tampouco é Sayid.
Nascido José Marcos Tenório e criado no interior de Pernambuco, ele se converteu ao islamismo há cerca de 15 anos. Em 2009, conseguiu, junto à Justiça, alterar seu registro para Sayid Marcos Tenório.
O mais surpreendente de sua “ficha”, porém, é o fato de que o militante, filiado ao PCdoB desde a década de 1980, vivia há mais de 30 anos às custas do contribuinte brasileiro, pulando de cargo em cargo ou atuando como consultor em projetos especiais.
Antes de assessorar Márcio Jerry, Tenório trabalhou na Câmara com os deputados Gastão Vieira (Pros-MA) e Wadson Ribeiro (PCdoB-MG), além dos petistas Jilmar Tatto, Iara Bernardi e Marta Suplicy.
Durante o governo de Dilma Roussef, foi chefe de gabinete da Subsecretaria de Desenvolvimento Sustentável da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.
Mas a ligação do militante com o poder não para por aí. Na internet, há várias fotos dele posando sorridente com políticos da esquerda. De Orlando Silva (PcdoB-SP) à própria Dilma, passando por Erika Kokay (PT-DF), Jandira Feghali (PCdoB) e o ministro das Relações Institucionais do governo Lula, Alexandre Padilha (PT-SP).
Detalhe: Padilha o recebeu no ministério dias antes da fatídica postagem em que Tenório zombou da refém israelense. De acordo com ele, o assunto da conversa foi o “estreitamento das relações e do apoio do governo brasileiro ao povo palestino”.
Na ocasião, o extremista ainda presenteou o petista com o livro ‘Palestina, do Mito da Terra Prometida à Terra da Resistência’, de sua autoria.
Militante é acusado de manter ligações com grupos que financiam o terrorismo
Ainda chama a atenção o registro de suas inúmeras visitas à Embaixada da Venezuela. E, principalmente, uma viagem que fez em 2018, como assessor do Ministério do Esporte, para Foz do Iguaçu (PR) – o presidente da República era Michel Temer e o chefe da pasta, Leonardo Cruz (ambos do MDB).
Segundo o Portal da Transparência, o pernambucano visitou a cidade da Tríplice Fronteira para “acompanhar uma delegação de parlamentares iranianos, membros do grupo de amizade Irã-Brasil, no intuito de aprofundar tratativas já iniciadas na área de esportes”.
Não por coincidência, Sayid Tenório, além de defensor do Hamas, é um apoiador confesso do Hezbollah, o grupo terrorista sediado no Líbano e financiado pelos iranianos. Há, inclusive, imagens dele, postadas no Instagram, vestindo uma camiseta com o símbolo da milícia.
No livro ‘Hugo Chávez, o Espectro: Como o Presidente da Venezuela Alimentou o Narcotráfico, Financiou o Terrorismo e Promoveu a Desordem Global’ (Editora Vestígio), o jornalista Leonardo Coutinho (colunista da Gazeta do Povo) confirma essa “ligação perigosa”.
Ao investigar operações de agentes do Irã e do Hezbollah no continente sul-americano, Coutinho identificou situações em que o pernambucano atuou como lobista de seus interesses no Congresso Nacional. Também encontrou conexões entre Tenório e o traficante de cocaína Khalim Karam, preso e condenado nos anos 1990.
De acordo com o livro, Karam – libanês naturalizado brasileiro – enviava parte do dinheiro adquirido com a venda das drogas para a Frente de Libertação Palestina, organização considerada terrorista pelos governos de vários países.
No início da década seguinte, o traficante voltaria a ter problemas com a Justiça, na condição de suspeito de participar do comércio ilegal de diamantes extraídos de uma reserva em Rondônia. O jornalista ainda afirma que um dos filhos de Tenório foi seu advogado.
Em entrevista publicada no ano passado pelo jornal O Globo, Sayid garante que só conheceu Karam mais tarde, em 2007. Ele confirmou a ligação profissional entre seu filho e o traficante, porém numa causa “muito específica, corriqueira”.
Soldados israelenses mortos “repousam no quinto dos infernos”, diz Tenório no Instagram
Imediatamente após sua demissão do gabinete de Márcio Jerry, “aquele que tem bom coração” afirmou ter apenas “agido no calor do momento” e prometeu se afastar temporariamente da internet. O silêncio, no entanto, durou muito pouco.
Passados menos de dez dias do episódio, Tenório voltou com força total às redes sociais. Ele suspendeu sua inscrição no Twitter/X, no entanto manteve uma conta no Instagram e duas no Facebook – numa delas, identifica-se como Sayid Ahmad (nome que significa “o mais louvado”).
Além de registrar sua rotina de viagens mundo afora, o militante concentra seus posts em basicamente três frentes: pedir a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro, homenagear ditadores (Josef Stalin, Aiatolá Khomeini, Hugo Chávez, Fidel Castro) e acusar os israelenses de promover um genocídio na Faixa de Gaza.
Para isso, usa e abusa de cartuns grotescos e imagens de cadáveres de palestinos (crianças, em sua maioria) supostamente mortos pelo Exército de Israel. São fotos tão explícitas, que muitas delas acabam sendo deletadas ou sinalizadas como “conteúdo sensível” pelos moderadores das redes.
No final de janeiro, ele voltou a causar repúdio ao compartilhar a imagem de ratos mortos com a seguinte legenda: “Esta foto me lembra 21 soldados do estado terrorista que estavam implantando minas para destruir um prédio e matar crianças palestinas. Mas foram surpreendidos pela resistência palestina e agora repousam no quinto dos infernos”.
Depois dessa publicação, o deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil-SP) protocolou uma representação no Ministério Público Federal contra o extremista, por crime de racismo contra os judeus. Mas, a julgar por seu sistemático envolvimento em eventos públicos e na agenda do governo, a investigação pedida pelo parlamentar ainda não teve eco.
“Israel usa o Holocausto para encobrir os próprios crimes”, afirma o extremista
Em paralelo à sua atuação como assessor parlamentar e lobista, Tenório – que se apresenta como historiador e especialista em Relações Internacionais – é um divulgador da causa palestina na opinião pública e em diferentes setores da sociedade.
Colaborador de diversos veículos de esquerda, entre eles Brasil 247, Desacato, Opera Mundi e Diário da Causa Operária, ele lançou em 2019 o livro ‘Palestina, do Mito da Terra Prometida à Terra da Resistência’ (Editora Anita Garibaldi), que ainda hoje lhe rende convites para palestras, debates e entrevistas (muitas delas disponíveis no YouTube).
“O sionismo usa os horrores do Holocausto como cortina de fumaça para incriminar os palestinos”, “Israel, como força ocupante, não tem o direito de defesa” e “A guerra em Gaza é a eliminação de um povo, algo semelhante ao Holocausto” são algumas das ideias disseminadas pelo pernambucano durante as lives de que participa.
Já na segunda edição, seu livro traz capítulos com títulos como “A infância como alvo do genocídio sionista”, “Campos de refugiados: favelas palestinas”, “Demolições como castigo coletivo”, “Diplomacia bolsonarista: o Brasil descendo a ladeira” e “Limpeza étnica da Palestina”.
Este último faz referência direta à obra homônima de Ilan Pappé, historiador israelense cultuado por antissionistas e também citado na epígrafe.
Sayid Tenório ainda é vice-presidente do Instituto Brasil-Palestina (Ibraspal), fundado em 2017 para “fortalecer a relação entre o povo brasileiro e palestino e trocar culturas e experiências em todos os níveis, além de introduzir a causa palestina e o conflito árabe-sionista”.
Quem preside a entidade é o médico palestino (com nacionalidade brasileira) Ahmed Shehada, que também tem bom trânsito junto ao governo Lula – ele inclusive participou da já citada visita ao ministro Alexandre Padilha, em outubro do ano passado.
Chefe de Sayid em instituto é irmão de fundador do braço armado do Hamas
Padilha, aliás, ajudou Shehada em um episódio tumultuado ocorrido no Panamá, em março de 2023.
O médico diz que fazia uma conexão no país da América Central antes de ir para a Colômbia, onde compareceria a um evento da comunidade palestina. Mas foi retido e interrogado durante mais de 30 horas no Aeroporto Internacional de Tocumen.
Na época, o presidente do Ibraspal acusou as autoridades panamenhas de perseguição, apenas por ele ser de origem palestina. “Pelo jeito, a intenção era me entregar ao Mossad [o serviço de inteligência de Israel]. Aqueles estrangeiros que falavam em inglês eram agentes do Mossad, mas não posso confirmar 100%”, disse ao canal CNN.
Mais de dez “movimentos populares” brasileiros emitiram uma declaração em conjunto para cobrar do governo uma “atitude contra o sequestro do Dr. Ahmed Shehada pelos órgãos de inteligência do Pananá, subservientes à CIA e ao Mossad”.
Segundo o site oficial do MST, um dos autores da nota, Padilha acionou a Assessoria Internacional da Secretaria de Relações Institucionais para “cuidar do caso”, além da Embaixada do Brasil no Panamá.
O irmão do médico, Salah Shehada, foi um dos fundadores das Brigadas Izz ad-Din al-Qassam, o braço armado do Hamas. Morto em 2002, após um bombardeio israelense em Gaza, ele é considerado um mártir pelos palestinos.
Em sua conta no Twitter/X, o presidente do Ibraspal segue a mesma “linha editorial” de Sayid Tenório.
“A heroica operação da resistência palestina contra o covarde exército sionista em 7 de outubro para romper o cerco a Gaza está em conformidade com o direito internacional, que garante o direito à resistência contra a ocupação”, afirmou.
Em outra mensagem, ele diz que Hitler talvez não tenha sido tão cruel assim: “Se houvesse uma classificação independente e justa entre os regimes e figuras mais criminosas e sádicas da História, os sionistas e Netanyahu teriam ficado em primeiro lugar, à frente dos seus parceiros, os nazistas, e de Hitler, que poderia ter ficado em quinto ou quarto lugar”.
Atualmente, o Instituto Brasil-Palestina trabalha na divulgação de um concurso de artigos acadêmicos para “fomentar os estudos sobre o Oriente Médio”. Os três primeiros colocados recebem prêmios em dinheiro, nos valores de R$ 5 mil, R$ 3 mil e R$ 2 mil.
Mas há uma exigência clara: os textos devem, obrigatoriamente, tratar do “sionismo e suas relações com o nazismo, o fascismo e o racismo”.
A reportagem entrou em contato com Sayid Tenório para solicitar uma entrevista, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.