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Hayley Atwell em cena de “Black Mirror”, em  que uma mulher consegue falar com o falecido noivo graças à inteligência artificial. | /Divulgação
Hayley Atwell em cena de “Black Mirror”, em que uma mulher consegue falar com o falecido noivo graças à inteligência artificial.| Foto: /Divulgação

A série britânica “Black Mirror” é pródiga em antecipar os dramas que advêm das novas tecnologias. Pois o marcante episódio “Be Right Back”, que abre a segunda temporada da série, exibida em 2013, ganhou contornos reais graças à realização da Luka, startup de inteligência artificial. Assim como na série, a fundadora da empresa, a russa Eugenia Kuyda, já consegue ‘conversar’ com um ente querido, morto em 2015, graças a um sofisticado programa de inteligência artificial que ‘imita’ o falecido.

Três meses após a morte de Roman Mazurenko, um de seus amigos mais próximos, Eugenia já tinha conseguido “trocar” as primeiras mensagens com um chatbot construído a partir da memória digital dele. Mazurenko foi morto por atropelamento em Moscou, em novembro de 2015. Estava de volta à Rússia para organizar detalhes do pedido de visto nos Estados Unidos, onde tinha ficado um período hospedado na casa da amiga. Tinha 34 anos. Assim como Eugenia, trabalhava com tecnologia da informação e tinha projetos multidisciplinares.

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Na ficção, Martha (Hayley Atwell) perde o noivo, Ash (Domhnall Gleeson), em um acidente de carro. Incentivada por uma amiga, assina um serviço que cria avatares a partir de informações online deixadas pelo falecido. Primeiro, o programa lhe manda mensagens bem fiéis ao estilo de escrita do noivo. Depois, ‘copia’ a voz do rapaz e fala com ela pelo telefone. Até que, num upgrade do produto, Martha consegue implantar a personalidade de Ash em um androide de aparência idêntica.

Roman Mazurenko, morto em 2015, segue “vivo” em software. Reprodução Facebook

O software da vida real não usa apenas palavras comuns ao vocabulário de Mazurenko. Pelo contrário. Apenas uma parte usa as palavras exatas que ele costumava usar. Seu grande trunfo mesmo é saber “como Roman responderia” a qualquer interação.

“Ainda é a sombra de uma pessoa – mas que não era possível antes. Em um futuro muito próximo, nós poderemos fazer muito mais”, afirmou Eugenia na apresentação do projeto.

Base

Eugenia selecionou todas as mensagens, fotos e documentos que trocou com Mazurenko, principalmente no aplicativo Telegram, que, na Rússia, ganha em popularidade do Whatsapp. Alguns amigos e familiares também contribuíram com o material, base do algoritmo pelo qual é possível que os diálogos com Mazurenko sejam muito semelhantes aos de quando estava vivo. Apenas mensagens muito íntimas ficaram de fora.

O projeto acabou sendo facilitado depois que o Google liberou o TensorFlow, seu ‘motor’ de inteligência artificial, como software gratuito. Eugenia pediu aos engenheiros da Luka que construíssem uma rede neural (que segue um modelo matemático inspirado no sistema de organismos que adquirem conhecimento pela experiência) em russo.

Além dos amigos, qualquer usuário que baixe o aplicativo Luka pode interagir com perfil do homenageado. (Basta adicioná-lo: seu username é @Roman).

Veja teaser do episódio:

Novo luto

A repercussão geral foi positiva, muito embora Eugenia relate algumas críticas, vindas principalmente de outros amigos próximos a Mazurenko. Segundo ela contou, alguns se sentiram muito incomodados com a ideia e não quiseram interagir com o bot.

Um amigo em particular disse que Eugenia não aprendeu nada com o episódio de “Black Mirror” – que ela assistiu pouco tempo após a morte de Roman. “Infelizmente você se apressou e tudo saiu de maneira descuidada. A execução é uma piada. Roman precisa de um memorial, mas não desse tipo”, afirmou em um comentário no Facebook

A família Mazurenko também se dividiu. Enquanto a mãe é grata pela homenagem, o pai se mantém desconfiado. Os amigos aproveitaram para dizer coisas que não conseguiram quando Roman estava vivo ou apenas expressar a saudade que sentiam dele.

A verdade é que esse luto ativo, que parece ignorar a morte, precisa ser cuidadoso. “Na minha visão pessoal, isso é um pouco como retomar a memória da pessoa que você perdeu”, afirma a jornalista Cynthia de Almeida, uma das criadoras do site Vamos Falar Sobre o Luto?. “Desde que isso seja claramente um exercício lúcido, de preservar a memória. O risco é entrar em uma viagem de autoengano e acreditar que o algoritmo reconstrói aquela vida”, completa.

Mesmo para Eugenia, isso não é de todo simples. Ela costuma falar com ‘Roman’ uma vez por semana, geralmente após alguns drinks.

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