Cientistas em Portland, Oregon, recentemente obtiveram sucesso em criar o primeiro embrião humano geneticamente modificado nos Estados Unidos, de acordo com a revista Technology Review. Um grupo chefiado por Shoukhart Mitalipov, da Universidade de Saúde e Ciência de Oregon, reportou ter “estabelecido novas perspectivas tanto no número de embriões experimentados quanto na demonstração de que é possível, de forma segura e eficiente, corrigir genes defeituosos que causam doenças hereditárias”.
Os resultados do grupo americano seguem dois outros experimentos – um no ano passado e outro em abril – de pesquisadores na China que injetaram células geneticamente modificadas em pacientes com câncer. Os grupos de pesquisa utilizaram o CRISPR (sigla em inglês para Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas), um novo sistema de edição de genes derivado de bactérias que permite aos cientistas alterar o DNA de organismos vivos.
A era de modificação genética começou
No curto prazo, os cientistas planejam testes clínicos para utilizar o CRISPR para modificar genes humanos ligados à fibrose cística e outras condições hereditárias fatais. Mas defensores da biologia sintética falam em um potencial para inúmeros benefícios a longo prazo. Nós poderíamos, segundo eles, modificar genes e construir novos para erradicar todas as doenças hereditárias. Com alterações genéticas, poderíamos ser capazes de resistir a ataques de antraz ou ainda epidemias de peste bubônica. Nós poderíamos reviver espécies extintas como o mamute. Nós poderíamos projetar plantas que seriam muito mais nutritivas, robustas e deliciosas do que o que temos hoje.
No entanto, os desenvolvimentos na modificação de genes estão deixando em destaque necessidades urgentes de diretrizes legais e éticas para regular a edição genética in vitro – e suscitando preocupações sobre um futuro em que os mais privilegiados poderiam pagar pelo CRISPR para aperfeiçoar seus futuros filhos. Nós enfrentaremos em breve decisões muito complexas sobre quando e como utilizar esta importante descoberta médica e tecnológica. Por exemplo, se seu filho nascituro fosse ter uma doença debilitante que você pudesse curar ao tomar um medicamento que modificaria o seu genoma, você o tomaria? Ou ainda, que tal adicionar ao bebê uma inteligência extra? Ou uma maior altura ou força? Onde você traçaria o limite?
O potencial do CRISPR para o uso indevido na modificação de traços herdados tem incitado alguns pesquisadores em genética a pedir por uma proibição no uso da técnica para editar embriões humanos. Tal uso é uma infração penal em 29 países e os Estados Unidos baniram o uso de verbas federais para a modificação de embriões.
Ainda assim, a atração ao CRISPR está começando a se sobrepor aos pedidos de cautela.
Em fevereiro, um órgão consultivo da Academia Nacional de Ciências anunciou o apoio da academia no uso do CRISPR para editar os genes de embriões para remover sequências de DNA que os médicos afirmarem causar doenças hereditárias. A recomendação veio com ressalvas significativas e sugeriu limitar o uso do CRISPR como uma ferramenta de pesquisa que pode se tornar um tratamento clínico – um caminho para o qual não há retorno.
A combinação de usabilidade, baixo custo e poder do CRISPR é ao mesmo tempo tentadora e assustadora, com potencial de, algum dia, permitir que se modifique um ser humano vivo de forma barata em seu próprio porão. Sendo assim, embora alguns cientistas pudessem vir a utilizar o CRISPR para erradicar a malária ao fazer com que os mosquitos que a carregam sejam inférteis, bioterroristas poderiam utilizá-lo para criar patógenos horríveis que poderiam matar milhões de pessoas.
Agora, com o código da vida tão fácil de ser acessado e editado, e biólogos e o mundo médico prontos para abraçar suas possibilidades, como podemos assegurar o uso responsável do CRISPR?
Há uma fala que o apresentador de “A última noite”, Garrison Keillor, usa quando descreve a cidade ficcional de Lake Wobegon, onde “todas as crianças estão acima da média”. Entraremos nós em um tempo em que aqueles que podem arcar com os custos de um genoma melhor viverão vidas mais longas e saudáveis do que aqueles que não podem? Deveria o governo subsidiar melhorias genéticas para assegurar condições de igualdade para quando os ricos tiverem acesso à melhor genética que o dinheiro puder comprar e o resto da sociedade não? E se o CRISPR introduzir traços na linha germinal humana com consequências inesperadas – talvez maiores taxas de ataques cardíacos ou esquizofrenia?
As barreiras para o uso em massa do CRISPR já estão caindo. Criadores de cães procurando melhorar raças que sofrem de doenças debilitantes estão buscando ativamente a modificação de genes. Um ex-pesquisador em biologia sintética da NASA agora vende kits do CRISPR de engenharia bacteriana funcional por 150 dólares em sua loja on-line. Não é difícil imaginar um futuro em que grandes franquias de farmácias ofereçam kits do CRISPR para testes caseiros e engenharia genética.
O lançamento de organismos geneticamente modificados na natureza nos últimos anos tem levantado consideráveis questões éticas e científicas. As consequências potenciais do lançamento de mosquitos geneticamente aleijados no sul dos Estados Unidos para reduzir a transmissão de vírus tropicais, por exemplo, provocaram grandes incertezas sobre os efeitos disto nos humanos e no meio ambiente.
Assim, enquanto o prospecto de alterar os genes de pessoas – uma eugenia dos tempos modernos – tem causado uma cisão na comunidade científica, pesquisas com exatamente este propósito estão ocorrendo ao redor do mundo.
Nós chegamos às margens do Rubicão. Humanos estão prestes a finalmente serem capazes de modificar sua própria evolução. A questão é se eles podem utilizar esta recém-descoberta potencialidade de uma forma responsável que beneficiará o planeta e todos nele. E uma decisão tão importante não pode ser deixada para os médicos, os especialistas ou os burocratas.
Falhar em descobrir como assegurar que todos se beneficiarão desta descoberta põe em risco a criação de uma subclasse genética que sofrerá para competir com as proles geneticamente modificadas dos ricos. E falhar em monitorar e conter a maneira como utilizamos isso soa como uma catástrofe global. Cabe a nós, coletivamente, tomar a melhor decisão.
*Wadhwa é professor na Universidade de Engenharia Carnegie Mellon no Vale do Silício e diretor de pesquisa no Centro de Empreendedorismo e Comercialização de Pesquisa em Duke.
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