No mundo de quem trabalha com carteira assinada na iniciativa privada, a legislação prevê uma determinada lista de benefícios. Entre eles estão férias e repouso semanal remunerados, 13º salário, hora extra, adicional noturno e seguro-desemprego para quem não for demitido por justa causa. Outros serviços, como vale transporte e vale alimentação, são descontados do salário.
No mundo dos juízes, a realidade é bem diferente. A quantidade de benefícios é muito maior e garante que, na prática, o salário formal seja multiplicado. É graças aos chamados penduricalhos que cada um dos 118.011 juízes brasileiros recebe, em média, R$ 47.700, o equivalente a 50 salários mínimos. E esse é o rendimento nacional. No Rio de Janeiro, os magistrados ganham mais: R$ 65.691, na média. Em Goiás, R$ 70.573. No Mato Grosso do Sul, R$ 95.895. Enquanto isso, o salário médio do brasileiro, segundo o IBGE, é de R$ 2.154.
Esse valor corresponde à soma entre o salário e o acúmulo de benefícios, que, na prática, leva os profissionais desse ramo a ultrapassar o teto salarial estabelecido pela Constituição, os R$ 33.700 pagos a um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Só os benefícios dos juízes federais vão custar em torno de R$ 229 milhões em 2018.
Conheça os principais privilégios que a categoria conquistou para si mesma ao longo da história.
1. Auxílio-moradia
Entre os juízes federais, mesmo quem tem residência própria na cidade onde atua tem direito a receber este benefício, que consiste no valor de R$ 4.378 por pessoa. Por ser considerado um abono, o pagamento não recebe desconto de Imposto de Renda. Nos estados, o benefício varia; em Mato Grosso do Sul, os magistrados recebem até R$ 6.094 mensais. O auxílio-moradia costumava ser aplicado apenas a profissionais que se mudassem de cidade, até que uma ação movida pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) conseguiu que o benefício fosse estendido a todos os magistrados. O direito foi assegurado por intermédio de uma decisão liminar concedida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux, em setembro de 2014. Desde então, os gastos públicos com o benefício alcançaram R$ 5,4 bilhões.
O auxílio-moradia seria julgado pelo Pleno do STF em março deste ano, mas o relator do processo, novamente o ministro Luiz Fux, retirou o assunto da pauta. Procurada pela reportagem, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) informou que não vem se manifestando sobre o assunto. Enquanto isso, em Rondônia, o Tribunal de Justiça aprovou o pagamento de auxílio-moradia retroativo, estabelecido em R$ 22.700 por mês, para cada juiz.
2. Auxílio-alimentação
A ajuda de custo reforça o salário dos magistrados em R$ 1.068,00 mensais, na média, por profissional. O benefício foi concedido em 2011, por decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mas a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contestou a medida em julho de 2012, alegando que ela não está prevista pela Lei Orgânica da Magistratura. Desde então, o processo se arrasta no STF. Enquanto a decisão não é julgada, em 2016 o Conselho Nacional de Justiça decretou uma nova portaria, estabelecendo o valor do benefício: R$ 884 mensais para os tribunais da União.
3. Auxílio escolar
Se os magistrados brasileiros ganham dinheiro extra para bancar moradia e alimentação, por que não a educação? Pois existe o auxílio pré-escolar, que indeniza os custos de educação de filhos de juízes. Nem todos os estados oferecem o benefício, e em alguns lugares ele está sendo avaliado neste momento: o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por exemplo, paga por mês o auxílio para os juízes usarem na educação de filhos com 8 a 24 anos. São R$ 953,47 por dependente. Já no Paraná, os juízes estaduais contam também com um vale-livro no valor de R$ 3 mil por ano – em Minas, o valor do vale-livro sobe para R$ 13 mil anuais. Dar aulas também rende dinheiro extra: lecionar na Escola de Magistratura de Rondônia rende aos juízes locais uma gratificação extra de R$ 3.047,11.
4. Auxílio saúde
É pago em 12 estados. Para os juízes estaduais de Minas Gerais, por exemplo, o valor chega a R$ 2.659,96 mensais, sem que eles precisem apresentar nenhum tipo de comprovante de gastos médicos. No Paraná, recebem o benefício juízes, desembargadores e servidores, ativos e inativos.
5. Indenizações de férias e exercício acumulativo de funções
Juízes podem tirar dois meses de férias por ano. Se não tiram, podem receber indenização em dinheiro pelo período em que deixaram de descansar. O valor não sofre descontos de Imposto de Renda. Os magistrados também recebem bonificações extras quando acumulam mais de uma função ou substituem seus colegas. Em Santa Catarina, existe também a gratificação por produtividade em “sentenças de maior complexidade”.
6. Retroativos, quintos e décimos
É comum que juízes sejam favorecidos por decisões judiciais a favor do pagamento de benefícios retroativos. É o caso, por exemplo, da equiparação com o auxílio-moradia que os deputados receberam entre 1992 e 1998. No ano 2000, o Judiciário conseguiu o direito ao mesmo benefício. Desde então, magistrados e servidores conseguem decisões a favor de que eles recebam o auxílio que não existia para eles, no período de seis anos na década de 1990. Só no fim de 2017, cerca de 30% dos juízes brasileiros, das varas federais e estaduais, receberam algum tipo de benefício atrasado, com correção, o que custou R$ 211 milhões, ou R$ 30 mil por magistrado.
Menos penduricalhos
No Brasil, a Constituição de 1988 permite que o Judiciário e o Ministério Público proponham ao Congresso Nacional seus próprios orçamentos, além de propostas orçamentárias oferecendo novos benefícios. O presidente e os governadores têm direito a vetar as propostas, mas não costumam exercer esse poder, que os colocaria em rota de colisão com o Judiciário.
Quando se acrescentam os benefícios, o rendimento médio de um juiz brasileiro ultrapassa os salários dos juízes da Suprema Corte da Bélgica e de Portugal. Já o salário oficial é equivalente ao de um magistrado britânico. Na Suécia, por exemplo, não existe nenhum benefício além do salário, que está na faixa de R$ 22 mil reais. É equivalente ao que ganham os deputados e representa o dobro do salário médio do país. O reajuste anual costuma acompanhar a inflação e é negociado pelo sindicato da categoria.
O auxílio-moradia é praticado em poucos países da Europa, como Portugal, Bulgária e Romênia. Nos Estados Unidos, ele não existe. Por lá, os magistrados contam apenas com plano de saúde, previdência e seguro de vida – e pagam à parte por tudo isso. Um juiz federal distrital ganha US$ 208.000 anuais. É 3,5 vezes maior do que a renda anual média dos cidadãos do país.
Na Alemanha, os juízes não contam com carros nem motoristas — apenas podem viajar de graça de trem, desde que declarem suas viagens privadas. Na Europa como um todo, o salário médio dos magistrados é quatro vezes maior do que a média de renda da população. Já no Brasil, quando se considera a renda real, incluindo os benefícios, os juízes ganham 22 vezes mais do que a média dos cidadãos.